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Torcedor corintiano morto já sabia com qual camisa queria ser enterrado

Oito homens morreram em uma chacina na quadra do Pavilhão Nove - Edison Temoteo/Futura Press
Oito homens morreram em uma chacina na quadra do Pavilhão Nove Imagem: Edison Temoteo/Futura Press

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

20/04/2015 11h00

André Luiz Santos Oliveira, 29 anos, deixou avisado com que roupa gostaria de ser enterrado. O pedido foi tratado como história sem pé nem cabeça pela família, mas tragicamente se fez útil. Neste domingo (19), a irmã mais velha solicitou a amigos que procurassem a camiseta da torcida organizada Pavilhão Nove em homenagem a Ayrton Senna no guarda-roupas dele.

Sentada na escada do IML (instituto Médico Legal), Ana Paula Santos de Oliveira, 33 anos, esperava o corpo de André ser liberado para entregar o irmão e a peça de roupa à funerária. Ele era um dos oito torcedores do Corinthians assassinados na sede da organizada Pavilhão Nove na noite de sábado (18). Os tiros tinham característica de execução, informou o IML – disparo único na nuca. A expressão de Ana Paula carregava a dor em saber a forma violenta como o irmão morreu.

“Tudo começou no meio da madrugada, lá pelas 4h, quando o telefone tocou no meio da noite com aquelas notícias que temos medo e ninguém quer receber”.

Além de Ana Paula, as outras sete famílias compartilhavam do mesmo sentimento: perda. Elas estavam agrupadas nos bancos da sala de espera do IML e conversavam em sussurros por causa do respeito e luto que o momento exigia. Mas os detalhes narrados eram fortes. “Havia sangue saindo da cabeça”, lastimava uma mulher. “Ele vomitou”, lamentava outra.

De repente alguém rompia em lágrimas e gemidos e era cercado por parentes que tentavam consolar. Foi assim com a mulher de Mydras Schmidt Rizzo, 38 anos. Ele era compositor de samba-enredo em São Paulo e foi intérprete da Escola Pérola Negra ano passado.

No lado de fora, pessoas ao celular cuidavam da papelada para liberação dos corpos. Eram observados por integrantes da Pavilhão Nove que prestaram solidariedade aos familiares. A torcida organizada ofereceu dividir o dinheiro que tinha no caixa para ajudar a pagar o enterro das vítimas.

O assunto foi pouco comentado pelos familiares que falavam mais sobre o motivo da chacina. A informação de que o caso tinha relação com o tráfico de drogas irritou a todos. O tio de Jhonatan Fernando Garzillo Massa, 21 anos, afirmava que a alegação não tinha fundamento. Ele contou que a família não gostava muito da participação numa organizada, mas respeitava a vontade dele, mas que a suspeita não tem fundamento.

Erasmo Carlos Dias, 42 anos, cunhado de André discordava com veemência da tese da Polícia Civil. “Nada a ver. Ele trabalhava a semana inteira. Só gostava de futebol”. Em seguida acrescentou que a vítima era tesoureiro da Pavilhão Nove e nem teria tempo para fazer coisa errada.


E o domingo seguia arrastado parecendo que o drama não tinha limite. Relatos de que a ficha não caiu eram comum, mas esta impressão ruía na hora de fazer o reconhecimento do corpo. O processo só pode ser feito por parente de primeiro grau – pai, mãe ou filhos. Todo mundo que atravessava a porta que separava o espaço restrito aos funcionários voltava aos prantos, procurando amparo.

Claro que também houve pedidos por justiça. Os familiares querem saber quem eram os três homens vestidos de preto que usavam máscaras e obrigaram as vítimas a deitar no chão antes de puxar o gatilho. Eles sabem que o estampido de um tiro num galpão é enorme, mas certamente menor que o pavor em saber que logo chegará sua hora.