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Aqui jogador não entra! O grupo social secreto das mulheres dos boleiros

Imagem do grupo de esposas de jogadores de futebol no Facebook - Reprodução
Imagem do grupo de esposas de jogadores de futebol no Facebook Imagem: Reprodução

Mario Henrique Viana

Do UOL, em São Paulo

05/05/2015 06h00

Se por trás de todo grande homem está uma grande mulher, imagine por trás de mais de 2 mil jogadores de futebol desconhecidos do grande público.

Um grupo "secreto e seleto" no Facebook, formado apenas por mulheres de jogadores e que veta a participação dos boleiros, completa quatro anos este mês e vem acumulando uma série de histórias sobre solidariedade e amor.

Não são esposas dos maiores e mais bem pagos atletas da bola. Os maridos das participantes deste grupo, em sua maioria, são aqueles jogadores de quem você provavelmente nunca ouviu falar. Jogam em times pouco badalados do Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Marrocos...

“As pessoas pensam que todo jogador ganha bem, mas não é assim, não”, conta Danna Dena Sitta, esposa do lateral direito Edson Sitta, atualmente no Santa Cruz-PE.

Danna é uma das mais ativas mulheres do grupo e entrou logo no começo, quando havia cerca de 70 integrantes. Ela se emociona ao lembrar como a solidariedade das esposas foi capaz de bancar uma cirurgia negada por um clube, realizar um diagnóstico de malária, que veio a salvar a vida de um atleta, ajudar a prover o básico para uma viúva precoce com crianças e outras ações de cunho altruísta.

“A maioria das esposas sabe como é dura a vida. Mudamos de cidade toda hora, vivemos muito sozinhas e nossos maridos dão um duro danado. Uns ganham mais, uns ganham menos e outros nem ganham”, explica Alessandra Oliveira, fundadora do grupo e uma das responsáveis pela moderação.

Ela é casada com o lateral Carlos Alberto, que defende o Estrela do Norte-ES. Nos últimos anos, Alessandra morou em Natal-RN, Itápolis-SP, São Carlos-SP, Curitiba-PR, Londrina-PR, Rondonópolis-MT, Itabuna-BA...

Alessandra conta que criou o Grupo Esposas com o objetivo uma ajudar as outras. E foi graças à comunicação entre elas que o zagueiro Douglas Arruda conseguiu realizar uma cirurgia para reparar um rompimento do ligamento cruzado, sofrido em campo, quando defendia o 14 de Julho, de Santana do Livramento-RS.

A contusão ocorreu em uma partida jogada em setembro de 2013, e três meses depois Arruda ainda não havia conseguido sequer um exame de ressonância magnética, quanto mais a necessária cirurgia. Foi aí que sua esposa Jéssica postou sua história no Grupo Esposas. Em pouco tempo o dinheiro foi arrecadado e o atleta conseguiu ser operado por um médico particular em Caxias do Sul (RS).

“Não tenho palavras para agradecer às esposas que fazem parte do Grupo. Foi muito emocionante ver tanta gente que nem me conhecia mandar dinheiro para resolver meu problema”, disse o atleta ao UOL Esporte.

Laura de Souza Novaes Lima é outra que fica com os olhos marejados de gratidão ao recordar sua história. Em novembro do ano passado, grávida de três meses, foi brutalmente surpreendida pelo assassinato do seu marido, Edson “Piauí”, que acabara de assinar contrato com o Rio Claro-SP. Na tristeza, encontrou amparo no Grupo Esposas. Além de muitas palavras de conforto e apoio psicológico, as integrantes do Grupo organizaram um Chá de Bebê virtual para arrecadar bens e dinheiro para que Laura pudesse ter uma preocupação a menos na gravidez.  Pyetra Valentina, nome escolhido por Edson, tem o nascimento previsto para o final de maio.

“No fim, além das doações que recebi pela internet, de pessoas que eu nem conhecia, dois chás de bebê reais foram feitos, e hoje tenho tudo que Pyetra vai precisar no seu começo de vida. Fui tratada com muita atenção e carinho. Dou graças a Deus e ao Grupo”, contou Laura. Vieram doações em dinheiro, roupas, fraldas, utensílios e brinquedos. O desafio do grupo agora é arrecadar fundos para que ela possa fazer o parto com médico particular.

“Em princípio, vou fazer pelo SUS, mas fico preocupada porque quem faz o pré-natal não é quem faz o parto. Fico um pouco desassistida”, admite Laura, que já trabalhou como secretária e recepcionista, e recentemente fez um curso de cabelereiro. “Ninguém quer dar emprego para mulher grávida, mas tenho fé que depois do parto voltarei a trabalhar.”

Chá de bebê virtual ajudou Laura depois da morte de Edson "Piauí" - Reprodução - Reprodução
Chá de bebê virtual ajudou Laura depois da morte de Edson "Piauí"
Imagem: Reprodução

Diagnóstico: Malária

Foi no interior de Alagoas, em Coruripe, que a estudante de odontologia Larissa Santos de Oliveira conheceu o meia-esquerda Diouzer da Cruz dos Santos, em 2009. Ela teve que largar o curso para acompanhar o marido em suas andanças profissionais por Camboriú-SC, São Paulo, Campina Grande-PB, Maceió-AL, Colômbia e a cidade de Fès, no Marrocos, onde Dio dos Santos, como é conhecido, joga atualmente. Ele também defende a seleção de Guiné Equatorial – com mais cinco brasileiros –, e foi lá que contraiu malária, antes de um período de férias, em junho de 2013.

O casal descansava em Coruripe, ainda sem saber da doença, quando Dio começou a sentir-se mal. Teve febre e outros sintomas, e foi internado no Hospital Carvalho Beltrão, com suspeita de dengue hemorrágica. Os primeiros exames deram negativo para a doença, mas os sintomas continuavam fortes, e Dio cada vez pior de saúde. “Foi então que vi no Grupo Esposas um post pedindo orações para o goleiro Danilo, companheiro de Dio na seleção de Guiné Equatorial, que estava internado em uma UTI com malária”, recorda Larissa.

Ela imediatamente avisou os médicos, pois ambos haviam estado juntos no país africano logo antes das férias. Dio então foi transferido para um hospital especializado em doenças tropicais em Maceió, onde exames constataram a malária. Imediatamente deu-se início ao tratamento e quatro dias depois Dio teve alta. “Meu esposo foi curado, assim como o goleiro Danilo, mas um colega deles não resistiu e faleceu”, conta Larissa.

Imagem do grupo do Facebook de esposas de jogadores de futebol - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Regras para manter a boa convivência

Alessandra Oliveira conta que não é fácil manter o ambiente do Grupo livre de picuinhas e atritos, mas celebra o fato de que depois de alguns desentendimentos, “faz tempo que só tem acontecido coisas boas”.

Para manter a harmonia e a positividade, Alessandra criou regras que não podem ser quebradas. “Criamos o Grupo para unir as esposas de jogadores de futebol , para nos conhecermos, conversar, trocar ideias, dicas, contatos, indicar amizades, etc… Enfim, repartir a realidade de nossas vidas”, observa a fundadora, que faz questão de analisar o perfil de cada indicada a participar.

Segundo ela, o Grupo não tolera falta de respeito, ofensas, palavras de baixo calão, ataques de qualquer natureza e discriminação. As diferenças culturais e de crenças têm que ser respeitadas. Também se reserva o direito de excluir a qualquer momento posts e comentários que causem polêmicas ou discussões.

 Algumas regras escritas são:

“Caso o RESPEITO ou a PAZ faltem nos comentários e posts, as moderadoras do grupo têm autonomia para tomar as devidas PROVIDÊNCIAS, como exclusão do post, do comentário, advertir o membro que desrespeitar as regras e até a exclusão do membro que insistir em não observar as regras do grupo. TODAS as medidas aqui descritas poderão ser tomadas sem necessidade de aviso prévio, pois as regras já estão descritas para todas as participantes.”

“O foco desse grupo é de ajudar umas as outras, passar o tempo, fazermos companhia, dar risadas, trocar experiências, informações e tudo que nos acrescentar.”

“Só serão adicionadas esposas por indicação de outra esposa e após a análise do perfil pessoal da indicada, confirmando que de fato é esposa de jogador.”

“Fica decidido que as esposas que infelizmente tiverem seu relacionamento terminado, pedimos a gentileza que se retirem ou peçam para sair do grupo.”

“As esposas de ex-atletas de futebol poderão fazer parte do grupo.”

“Os assuntos tratados no Grupo Esposas, como o próprio nome já diz, dizem respeito somente às esposas participantes, por esse motivo o grupo é secreto e também seleto. Fica estabelecido que se algum assunto abordado no grupo ‘sair’ do mesmo, ficando confirmado o fato, a esposa responsável pelo ‘vazamento’ de informações será automaticamente excluída do grupo, sem necessidade de aviso prévio. Fica o alerta também para esposas que possuem perfil no Facebook duplo com os maridos: se algum marido ‘vazar’ informações do grupo, a esposa será responsabilizada e excluída. Como já afirmado, os assuntos aqui tratados NÃO dizem respeito aos maridos, logo, contamos com o bom senso das esposas em alertarem os maridos e dos mesmos de não invadirem a privacidade alheia".