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O que passa na cabeça dos jogadores quando o time atrasa salários?

Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

14/05/2015 12h34

A eliminação do Corinthians diante do Guaraní-PAR nas oitavas da final da Libertadores levanta uma dúvida: até que ponto o atraso no pagamento de salários influencia no desempenho dos jogadores em campo? O Corinthians deve cerca de R$ 20 milhões para os seus atletas, mas ex-jogadores que passaram por situações parecidas não acreditam que a falta de pagamento interfira tanto assim no desempenho de um time em campo, principalmente em partidas decisivas.

Em 2002, o pentacampeão Vampeta sofreu com a falta de pagamentos no Flamengo e soltou a famosa frase "eles fingem que pagam e eu finjo que jogo" para justificar a má fase que o clube vivia na época. Já aposentado, ele relativizou a frase e afirmou que vencer jogos dá mais argumentos contra quem está devendo.

"Foi uma frase brincando, os caras gravaram e saiu. Quando entra para jogar, não pensa no dinheiro, só pensa em ganhar. É até uma forma para se cobrar mais depois. Só que no dia a dia, no treino, os jogadores comentam: 'será que vai sair o pagamento amanhã?' ou 'vai sair a semana que vem?'", disse.

"Outro detalhe em relação a um time grande: como é que se motiva um Guerrero? Ele sabe como conduzir. Não precisa de motivação. É diferente de um cara jogar num time pequeno, ganhando mil ou mil e quinhentos reais. Aí sim precisa ter conversa e motivação. Motivação para o cara que está em time grande, todo dia na televisão, num mês ganha mais de 400 ou 500 mil reais? Motivação a gente tem que dar pra quem joga na quarta divisão do Campeonato Paulista", comparou Vampeta.

O zagueiro Bolivar também passou por esta situação quando defendeu o Botafogo (2013 e 2014). Na ocasião, ele foi um dos líderes do elenco que cobravam uma ação direta da diretoria para resolver a situação dos ordenados pendentes. Ele também negou fazer 'corpo mole', mas admitiu que isso interfere diretamente na concentração.

"É muito complicado, porque você acaba chegando para treinar e a sua dedicação não vai diminuir, claro, você sabe que o torcedor acaba não entendendo que você precisa pagar a escola dos seus filhos. Isso acaba te prejudicando porque a família não vai estar bem, as contas começam a bater na porta... Fica uma coisa muito difícil e você tem que ter cabeça quando tiver uma partida", descreveu.

O técnico Joel Santana também ressaltou que é muito complicado para lidar com o lado pessoal da questão, especialmente quando as contas têm menos lastro para resistir a uma seca de pagamentos.

"O cara não vem trabalhar direito. Como é que o cara sai de casa para trabalhar e a mulher reclamando que não tem salário? Aí ele vai chegar no clube sorridente, satisfeito com a vida? O jogador pode estar com um doente dentro de casa, precisa comprar um remédio e você não tem dinheiro. Ou comprar um leite, um pão, um gás, sei lá. Isso não reflete só na vida do jogador de futebol, reflete na vida de qualquer cidadão. Se você não paga a água, o que vai acontecer? Vão cortar a água. Eles não querem saber se o salário está atrasado, se o clube não pagou", enumerou.
 
Nesta situação, a solução encontrada muitas vezes é pedir ajuda para os colegas. "É comum um emprestar dinheiro para o outro nos clubes de alto padrão, onde os salários são altos dá para segurar", lembra Vampeta. "No Botafogo a gente já ajudou alguns jogadores mais jovens até na questão alimentícia, de fazer compra no supermercado. Era um grupo muito jovem, alguns tiveram que voltar para a casa dos pais porque não estavam recebendo, não tinham como pagar aluguel... Era uma situação muito complicada", revelou Bolivar.
 
Apesar de todos os problemas, Joel Santana destaca que é possível contornar a situação e montar uma equipe competitiva mesmo quando as questões administrativas não estão funcionando como deveriam.
 
"Não adianta amolecer: não está afim de treinar não treina, não está afim de jogar, não joga. Porque você só consegue colocar no lugar se você colher resultado. Porque você vai recolher renda do jogo e o clube vai trabalhar em cima disso. Como é que vai trabalhar a renda com o clube no último lugar? Isso não existe. Eu já fui campeão em um clube com os salários atrasados", lembrou o treinador.
 
Quem discorda totalmente é o meia Souza, ex-São Paulo, Fluminense e Cruzeiro. Atualmente sem clube, ele diz que prefere ficar desempregado do que trabalhar de graça. Ele conta que acertou com o Caxias para jogar o Campeonato Gaúcho no começo do ano e, depois de se apresentar, optou por ir embora quando viu que as contas não estavam em dia - no final, o time acabou rebaixado no estadual.
 
"Com certeza interfere na hora do jogo. A maioria dos clubes que caem de rendimento ou são rebaixados, são clube que não estão pagando. Dificilmente clube que está pagando direitinho acontece. Mas o problema de tudo isso é o jogador brasileiro. O cara está sem emprego, aí se vende por qualquer coisa. É capaz de ficar jogando só para aparecer. Eles acham que é melhor está jogando sem receber do que ficar parado. Eu particularmente não concordo com isso”, analisou.
 
O problema é: "qual o clube brasileiro que está em dia? Diz aí? É difícil", rebate Joel Santana. Lidar com esta situação, virou parte do trabalho.
*com a colaboração de Guilherme Ceciliano