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Reunião com aliados acalma Del Nero, que sai ileso de sabatina na Câmara

Del Nero pôde escolher as perguntas que seriam respondidas - Ed Ferreira/Folhapress
Del Nero pôde escolher as perguntas que seriam respondidas Imagem: Ed Ferreira/Folhapress

Daniel Brito

Do UOL, em Brasília

10/06/2015 06h01

Nas quase seis horas que falou com os deputados da Comissão de Esporte da Câmara dos Deputados, na terça-feira, 9, em Brasília, Marco Polo Del Nero parecia conversar entre amigos. A sessão estava lotada, contou com 36 parlamentares, dos quais 28 pediram a palavra. Nenhum conseguiu tirar o cartola da zona de conforto. Situação que ele já sabia que teria na sessão desde antes de começar.

Del Nero reuniu-se com sua base de apoio no Congresso para confirmar que o cenário da tarde de ontem não seria de guerra. Ele dificilmente seria colocado contra a parede, porque boa parte dos participantes tem algum vínculo com a CBF ou com o futebol. E grande parte confirmara presença na sessão e recebera o dirigente na antessala da comissão.

“Foram cinco horas e meio absolutamente tranquilas, sem pedir para sair, sem pedir para comer ou pedir licença”, vibrou Walter Feldman, secretário geral da confederação. “Desde que ele [Del Nero] chegou da Suíça [no final de maio], determinou que se respondesse a todas as questões, entregasse todos os documentos pedidos pelas autoridades e comparecesse aqui no Congresso Nacional”, explicou.

A situação era tão cômoda para Del Nero, que Carlos Eugênio Lopes, diretor jurídico da CBF desde os tempos de Ricardo Teixeira, quem escolhia as perguntas que ele teria de responder. Isso acontecia porque as perguntas eram feitas de uma só vez por um grupo de quatro deputados, o que tomava até 20 minutos da sessão sem que o dirigente se pronunciasse, apenas ouvindo. As questões eram anotadas em um bloquinho por Lopes, que depois apontava a Del Nero qual seria a próxima a ser respondida.

O cartola driblou sem se alterar os poucos que adotaram um tom mais áspero. Foi o caso, por exemplo, de João Derly (PC do B-RS), Jonathan de Jesus (PRB-RR) e Silvio Torres (PSDB-SP). Eles foram os mais incisivos na cobrança pela renúncia de Del Nero da presidência da CBF, explicações sobre o relacionamento com José Maria Marin, hoje preso na Suíça sob a acusação de corrupção, e movimentações suspeitas de dinheiro, como aquisição de imóveis.

“Sinceramente, esperava bem mais da sessão de hoje [terça-feira]”, comentou Derly, um dos encarregados de angariar assinaturas para instauração de uma CPI do Futebol na Câmara. “Esperava mais dos dois lados: esperava mais esclarecimentos do Marco Polo Del Nero, e esperava mais da Comissão. Acho que só uma CPI vai fazer a coisa andar”, previu.

BANCADA ANTI-BOLA

Derly não foi o único a constatar que o depoimento do cartola serviu para apontar quem pertence à bancada da bola, que apoia Del Nero e a CBF, e quem é bancada “anti-bola”, expressão cunhada por Vicente Cândido (PT-SP). “Dependendo do interesse de cada um, podemos dizer que o Del Nero passou o recado. Para mim, sim, passou o recado. Se tem a bancada da bola, como vocês, da imprensa, denominam, há também a anti-bola, mas ela não tem expressão alguma para comandar alguma coisa aqui dentro. Não passa de 10 ou 12 deputados, entre 513 parlamentares”, afirmou Cândido, sócio do dirigente em um escritório de advocacia e diretor de assuntos internacionais da CBF.

Para ele, seu sócio poderia ter apresentado mais propostas.”Del Nero poderia até ter sido mais incisivo, mas o próprio ambiente não permite isso. O ambiente [Comissão do Esporte] e os autores do requerimento para a vinda dele queriam que ele prestasse contos sobre a investigação envolvendo a CBF”, completou Cândido.

Del Nero começou seu discurso com um depoimento de 17 minutos, sete dos quais para explicar a situação da confederação nas investigações que levaram à prisão o ex-presidente da entidade, José Maria Marin. Segundo o FBI, Marin recebeu propinas em negociações fechadas para venda de direitos sobre a Copa do Brasil. Ele também foi implicado na investigação da promotoria de Nova York, que apontou desvios de US$ 150 milhões em propinas e subornos em negócios do futebol.

PERGUNTAS REPETIDAS

Nos 10 minutos seguintes do discurso inicial, elencou todas as benfeitorias que diz ter feito em apenas 54 dias à frente da entidade - cartola assumiu o posto em 16 de abril, em substituição a Marin. Na primeira participação dos deputados, teve de ouvir de Marcelo Matos (PDT-RJ) que até a final da Copa da França, em 1998, estava sob suspeição. De Altineu Cortes (PR-RJ), foi questionado se os escândalos de corrupção seriam piores que o 7 a 1 para Alemanha na semifinal de 2014.

“Quantas vezes a gente não ouviu perguntas idênticas feitas por diversos deputados em que o presidente [Del Nero] teve que responder a mesma coisa? Foi praticamente o tempo inteiro, só perguntando a mesma coisa”, comentou Marcelo Aro (PHS-MG), que também é diretor de “ética e transparência” da CBF.

No final das quase seis horas de depoimento, Del Nero já dava risadas, ainda que sem mostrar os dentes, e provocava Andres Sanchez, ao dizer que o Corinthians estava endividado por causa da construção do estádio em Itaquera. O corintiano, de quem se esperava um debate duro com Del Nero, evitou conflito e explicou que as dívidas do clube surgiram de contratos com valores altos e aumentos salariais acima do orçamento.

Del Nero foi embora por volta das 20h, cercado por três seguranças, sem falar com a imprensa. A expectativa é de que volte para a CPI do Futebol em instalação no Senado. Romário (PSB-RJ), autor do requerimento e desafeto do cartola quer ouvir mais do presidente da CBF. Na noite de terça-feira, ele avisou em comunicado nas redes sociais: “O corrupto chegou a afirmar que não sabia de qualquer fato desabonador do presidente Marin. Então explique o negócio atípico realizado na compra do apartamento na Barra justamente com o Marin”, afirmou o senador.