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Gilmar admite reavaliar convocação de jogadores de mercados emergentes

Guilherme Costa e Leonardo André

Do UOL, no Rio de Janeiro

03/07/2015 06h00

Escolhido por Dunga para usar a camisa 9 da seleção brasileira depois da Copa do Mundo de 2014, Diego Tardelli trocou o Atlético-MG pelo Shandong Luneng em janeiro deste ano. Dois meses depois, tornou-se o primeiro jogador de um time chinês a ser convocado para a equipe nacional. O elenco que disputou a Copa América (eliminação para o Paraguai nas quartas de final) ainda teve Éverton Ribeiro, que defende o Al-Ahli (Emirados Árabes Unidos). Contudo, a presença de atletas que atuam em centros menos expressivos pode estar em risco. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o coordenador de seleções da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Gilmar Rinaldi, admitiu reavaliar esse tipo de convocação.

Em cerca de 40 minutos de conversa na sede da CBF, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, Gilmar defendeu a atual geração de jogadores brasileiros e admitiu que a comissão técnica da seleção principal busca um camisa 9. Além disso, surpreendeu ao revelar que o jeito brincalhão é um dos traços mais marcantes do treinador Dunga: “Ele é um grande contador de piadas”.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista de Gilmar Rinaldi:

Avaliação sobre a Copa América
Claro que a expectativa não ficou dentro do que a gente queria. A gente queria ir para a final e ganhar a Copa América, mas sabia das dificuldades. A gente tinha conhecimento: problemas de lesão, uma equipe mais jovem, mas era preciso fazer o melhor possível. A gente procurou, mas não saiu como a gente queria. A gente não ficou contente, mas buscou todas as formas para preparar melhor essa equipe.

O episódio da virose
Aconteceu dois dias antes [do jogo contra o Paraguai]. Na verdade, o primeiro a sentir foi o Taffarel, que mandou uma mensagem no Whatsapp da comissão técnica pedindo que o doutor fosse ao quarto dele pela manhã, dizendo que estava com dor de cabeça e enjoo. Na hora do almoço, os jogadores chegaram e a maioria estava se queixando: sete, oito ou nove. A gente ficou preocupado e tentou detectar o que estava acontecendo, mas não conseguiu descobrir porque todo mundo estava comendo a mesma coisa. No segundo dia, alguns tinham um quadro um pouco melhor, mas os que tiveram os primeiros sintomas já estavam melhorando. A gente combinou de manter a informação interna para que isso não vazasse. Isso é uma arma para o inimigo numa competição. Houve a viagem para Concepción, e alguns jogadores já estavam melhorando um pouco – outros ainda não. A gente levou até a hora do jogo, mas quando terminou o Dunga teve a preocupação de falar sobre o problema. Acho que a relação que a gente tem de ter é de não esconder os fatos, mas naquele momento era importante esconder do adversário. Era estratégico. Tenho convicção de que foi uma decisão acertada.

Jogadores brasileiros que trocaram de clube no período da Copa América
O que eu posso dizer é que lá na Copa América essas negociações não foram feitas. Agora, não tem como proibir que isso aconteça porque nós não temos nenhum controle. O que eu posso dizer é que lá nenhum contrato foi assinado e não houve nenhuma reunião de negócios.

Nas folgas eu não sei. O jogador tem um período de folga e pode fazer o que quiser – aí é problema dele –, mas no período de concentração eu posso garantir que não houve nada. A única coisa que eu digo que aconteceu foi um pedido de um diretor do Liverpool, que queria passar no hotel, entregar uma camisa para o Firmino e cumprimentar. Eu autorizei e arrumei uma sala para que ele fizesse isso durante dez minutos. Tinha até uma pessoa nossa presente. Eles foram lá, deram boas-vindas ao jogador e foram embora. Agora, não tem como você determinar se as negociações vão acontecer nesse período ou não. Até porque esse é o período de negociações no mundo todo.

Nunca fui procurado para nenhum negócio [envolvendo jogadores] aqui. Até porque as pessoas me conhecem e sabem que eu jamais faria isso.

A cartilha de comportamento da seleção
Não é algo que nós criamos. Isso aí já existia desde que eu jogava. Sempre teve isso na CBF: um manual de instruções para os jogadores. Isso sempre existiu, e o que eu posso dizer é que até agora nós não precisamos chamar atenção de nenhum jogador. Não houve sequer um “cuidado que está pegando aqui”. Não teve nenhum problema, a não ser o caso do Maicon, que foi pontual, na primeira viagem.

Por que a seleção não tem um psicólogo
Porque no momento nós não avaliamos que seja necessário.  Nós tivemos reuniões com comissão técnica e direção e avaliamos que não. Nós temos uma pessoa que é um mobilizador de grupo, que é um brasileiro, que fez um trabalho na seleção há muitos anos e que já trabalhou no Flamengo. O Evandro [Mota] hoje trabalha no Benfica, de Portugal, time que está entre o quinto e o sexto lugar no ranking da Uefa nos últimos cinco anos. Eles têm um trabalho muito interessante e são referência, mesmo com um orçamento menor, e vieram aqui para contratar esse profissional. Sempre que a seleção é convocada, ele é chamado para fazer esse trabalho de mobilização. Nós não avaliamos que precisássemos internamente de um psicólogo, que eu acho até que seria uma coisa muito interessante em um clube, onde existe tempo para conversar com os jogadores. Você não consegue entrar na parte psicológica dos jogadores com cinco ou seis dias de convivência.

Neymar
Teve aquele problema depois do jogo [derrota por 1 a 0 para a Colômbia na primeira fase da Copa América]: ele foi expulso, ficou muito chateado e queria falar com o árbitro. Alguns jogadores, a comissão técnica e o nosso segurança tentaram tirá-lo do túnel, mas ele disse que queria conversar com ele. Eu falei também que era melhor ir embora para não se complicar, mas ele disse que queria apenas conversar e que sabia o que estava fazendo. Acho que isso amadurece ele. A gente muitas vezes amadurece errando, como ele reconheceu, e passando por uma situação adversa.

Não é que nós desistimos [do recurso]. Nós tivemos uma informação de que o artigo em que ele foi denunciado tem pena mínima de três jogos, mais o jogo da automática. Foi isso que aconteceu.

A atual geração de jogadores brasileiros
Acho que você não consegue comparar as gerações. Não tem como. O que eu posso dizer é que esses jogadores estão nos principais clubes do mundo. A gente sabe que são jogadores de alta capacidade também por isso, mas eles queimaram algumas etapas. Como saíram muito cedo do Brasil, enfrentam outra competição, outras regras, outros comportamentos e um fair play totalmente diferente. A gente não pode negar que a Copa América as Eliminatórias... o mundo sul-americano tem outras regras que são vistas todo dia. O futebol é diferente dentro de campo, e a gente viu no Chile. A gente tem de se adaptar e aprender. Eu fiz uma colocação lá que eu faço sempre: qual é a única forma de você ganhar experiência? Indo para o front. Você precisa estar na linha de frente. Se eu estudar tudo que tiver na biblioteca sobre Copa América, vou sair e dizer que sou um cara experiente em Copa América? Mentira, eu não vou ter experiência. Se eu reunir alguns jogadores que participaram de Copa América e eles me contarem as histórias de quando apanharam no Uruguai ou não tiveram oxigênio na Bolívia, vou saber tudo sobre Copa América? Também não é verdade. Na realidade, só tem uma forma: jogar a competição sul-americana, passar pela dificuldade e ter o que a gente viveu no Chile agora.

Não houve sequência [de gerações anteriores na seleção]. A gente percebe isso hoje. Há alguns jogadores experientes, como Miranda e o próprio Thiago, que já está com mais de 30 anos. A gente tem alguns jogadores, mas percebe que eles não disputaram esses campeonatos que dão liga – ou então disputaram pouco. É outro fair play, é outro futebol, e a gente tem de adaptar e explicar o máximo sobre como eles vão enfrentar. Na hora do jogo eles vão ter de arrumar soluções. O futebol é assim.

O comportamento dos jogadores fora de campo
Os jogadores hoje têm uma forma de se comunicar, é a geração de mídia social. Temos que procurar a linguagem para nos comunicarmos com eles. Nas viagens de avião ou ônibus, uma equipe da Europa vai toda concentrada, não dá um sorriso. A nossa em 1994 era samba, uma barulheira danada, algo impensável em equipe europeia. Os tempos mudaram. O nível de exigência dos clubes em que eles jogam é tão grande ou maior do que quando eu jogava, por exemplo. A exigência é grande, e nesse intervalo cada um tem uma reação. Tudo que eles falam em redes sociais que envolva a vida deles é problema deles. Se envolver a seleção, aí vamos intervir. E não precisamos agir assim até agora.

O Arrigo Sacchi [técnico da seleção italiana na Copa de 1994] é um grande amigo meu. Mostrei a ele um vídeo do nosso ônibus antes da final, e ele disse que não conseguia entender como ganhamos tocando samba e cantando como malucos. Ele não consegue entender, mas é assim no Brasil. As pessoas se preparam de outra forma.

Jogadores que atuam em regiões em que o futebol é menos competitivo
Esse é um caso que estamos vivendo agora. Tivemos jogadores transferidos para mercados não tão nobres do futebol, como se diz, que não são de primeira linha. Só tínhamos uma forma de saber como seria isso: convocando e vendo como seria o rendimento. É claro que vamos estudar sobre isso, avaliar, pensar. Gostaríamos que todos estivessem jogando em mercados muito competitivos. O problema é a competitividade, o que eles perdem um pouco. O que eu posso garantir é que um jogador que vai para um centro desses, para estar no nível dos outros, não vai poder fazer só o que manda o scriptzinho de treinamento dele. Ele vai ter de fazer alguma coisa a mais ou não vai conseguir chegar ao nível na época da seleção. A gente vai estudar isso, vai avaliar, e a única forma de saber era chamando alguns jogadores para ver o resultado na prática.

Isso é opção de cada um. Se ele perguntar você pode até falar que o mercado tal é mais competitivo, mas essa é uma coisa estritamente dele. É uma decisão dele, e ele vai arcar com a consequência dessa decisão.

Nós temos um programa de tecnologia. As pessoas podem não saber, mas nós temos muita coisa de alta tecnologia aqui na CBF. Temos um programa que dá acesso a todos os jogos do mundo todo: jogos inteiros, lances fracionados, quantas bolas um atleta cruzou numa partida, qual velocidade... é um software, e nós temos controle de qualquer jogador, não importando onde ele jogue.

A seleção brasileira depois da Copa América
A palavra diz: é uma seleção, e ela é feita naturalmente. Nós temos a incumbência de escolher os jogadores que devem seguir com a seleção e os que devem ser trocados, até para que outros tenham oportunidade. Essa é uma avaliação constante, e não é porque outro dia foi a Copa América. Em toda vez, mesmo se você ganhar um título, você vai ter de fazer a nova temporada, a nova avaliação, e ela é dinâmica.

A seleção brasileira depois da Copa do Mundo de 2014
Estamos tentando e conseguimos melhorias. Os resultados mostraram que conseguimos resgatar coisas importantes que o Dunga sempre falou. Primeiramente, jogar com alegria – o que é difícil depois daquele 7 a 1. Outro ponto é incentivar o drible. O Dunga quer isso, que os jogadores voltem a usar essa arma do futebol brasileiro. Porque se conseguirmos igualar a parte tática com qualquer futebol do mundo, ainda temos o diferencial da técnica. Nós e a Argentina. Percebemos uma evolução, sim. Foram 11 jogos contra adversários qualificados, partidas convincentes. Tivemos dois resultados negativos que são muito ruins pelo momento, mas mostraram onde é preciso intervir. Estamos avaliando e buscando melhorar.

A seleção brasileira ainda coloca medo nos adversários. Vimos nosso jogo contra o Peru e o jogo seguinte deles. É outro jogo. Você vê que toda vez que jogam contra o Brasil eles têm algo a mais. O respeito é muito grande. Sempre que um time ganha do Brasil a repercussão é mundial.

A seleção desistiu de ter um centroavante fixo?
Estamos buscando e gostaríamos de ter. Analisamos a Argentina. Eles têm seis atacantes com essa característica na Copa América e dois muito bons ficaram fora. Nós não conseguimos ter isso hoje. Estamos buscando, vendo onde tem. Há um menino da sub 20, Judivan, que é uma promessa, mas teve lesão séria. Estamos buscando no Brasil e fora. Não temos mais alguém com essa característica [de jogar como centroavante], mas estamos buscando.

O “jeito Dunga” de ser
Não posso avaliar a reação das pessoas a isso. Posso dizer que ele internamente é uma pessoa muito tranquila, muito firme em tudo que fala, mas ele é muito brincalhão. É um grande contador de piadas, uma pessoa bem descontraída e engraçada. O que eu posso dizer é que é muito difícil você passar a vida inteira sendo atacado. É uma defesa dele. Mas nunca ninguém reclamou disso no grupo, na seleção ou na comissão técnica. O relacionamento dele com a imprensa eu percebi que melhorou muito, mas ele tem um passado e foi muito atacado. A gente tem de lembrar de algumas coisas que aconteceram. Não sei qual seria a minha postura no lugar dele com as críticas, mas posso dizer que ele é uma pessoa que tenta pregar a harmonia o tempo todo. Para algumas coisas, ele também não admite que seja questionado: a honra, a honestidade, e isso ele faz muito bem em rechaçar.

As críticas de ex-jogadores à atual seleção brasileira
Quando você dá qualquer opinião tem que se sentir capacitado e certo de que tem idoneidade para falar. Se eles acham que têm, podem falar o que quiserem. Não vou falar se as críticas são boas ou ruins. Todo mundo tem o direito de criticar, principalmente quando sabe da sua situação. Se eles acham que têm o direito, não sou eu que vou dizer que não. Estamos aqui para ouvir e analisar se é construtiva, oportuna ou se é feita para atingir alguém na parte pessoal. Procuro ter muita serenidade e separar bem se foi ex-jogador, jogador atual e se está sendo oportuno ou não. Se tiver alguma coisa que me ajude a construir, vou usar. Se não, não ligo.