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Prêmios, jogo do bicho e pênalti: 30 anos da final inesperada do Brasileiro

Diego Salgado

Do UOL, em São Paulo

31/07/2015 06h00

O chute de Ado, ponta do Bangu, passou rente à trave direita da meta defendida por Rafael, do Coritiba, no penúltimo ato da decisão mais inesperada da história do Campeonato Brasileiro, disputada há exatos 30 anos. O Maracanã, tomado por torcedores de diversos times cariocas, emudeceu. O time paranaense, por sua vez, conseguiu entrar para o rol dos campeões nacionais após uma vitória nos pênaltis.

A festa do Coritiba na noite de 31 de julho de 1985 tornou-se a decepção do Bangu. E evitou a consagração de Castor de Andrade, maior bicheiro carioca, presidente de honra do time por anos e, segundo os jogadores da época, técnico e também incentivador.

Castor de Andrade era presença onipresente no clube. Nos vestiários, era comum o comandante do Bangu aparecer com uma mala lotada de dinheiro, oriundo da fortuna acumulada com o jogo do bicho.  "Tinha dólar, cruzeiro. Em alguns jogos ele dobrava a premiação no vestiário. Nós recebíamos toda terça-feira, sem falta", relembra o volante Israel.

O jogador, inclusive, conheceu bem como Castor de Andrade tratava as negociações com os atletas do Bangu. A renovação do contrato do volante, por exemplo, foi acertada ao telefone e incluiu até um automóvel zero quilômetro.

"Tínhamos acabado de vencer um jogo em Porto Alegre e ele me ligou. Meu contrato estava acabando. Eu comentei que queria trocar de carro. Ele me disse, então, para escolher qual eu queria. Eu cheguei no Rio e o carro estava lá", contra Israel.

O meia ganhou um Escort, cujo preço era bem superior ao valor das luvas pedidas para a renovação de contrato. Já o atacante Marinho, segundo Israel, chegou a ganhar um carro da Mercedes em uma negociação com o dirigente.

Na busca da motivação aos jogadores, outras regalias eram postas em prática, como gasolina gratuita às sextas-feiras e prêmios em dinheiro nos rachões de sábado, às vésperas das partidas. "Nossos prêmios eram os mais altos do Rio de Janeiro. Nem precisava mexer no salário", explicou Israel.

De acordo com Ado, o bicheiro até arriscava algumas recomendações táticas nas preleções, depois das orientações do técnico Moisés. "Atacávamos no 4-3-3 e defendíamos no 3-6-1. Ele passava isso para gente. Ele ficava com a gente o tempo todo", relembrou o ponta.

Castor mostrava-se também extremamente centralizador ao fim das partidas, qualquer que fosse o resultado. "Ele dizia que tínhamos de agradar a ele somente. Se ele ficasse satisfeito, ninguém podia reclamar, porque o dinheiro era dele e ele era o dono do time", disse Ado.

Final inesperada

Para chegar à final do Brasileirão de 1985, disputada em jogo único, o Bangu eliminou Vasco e Inter antes de garantir vaga na semifinal. Depois, despachou outra surpresa: o Brasil de Pelotas. O Coritiba, por sua vez, foi líder de um dos grupos da primeira fase. Na sequência, eliminou o Corinthians. Antes da decisão, o time passou pelo Atlético-MG.

Mais de 90 mil torcedores assistiram à decisão no Maracanã. Nas arquibancadas, torcedores de Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo se juntaram à torcida do Bangu. "Todo mundo gosta do time. É a segunda equipe de todo mundo e sempre foi muito querido. Deixamos um legado para as torcidas se unirem", ressaltou Ado.

Mesmo com a torcida contra e uma campanha inferior, o Coritiba do técnico Ênio Andrade saiu na frente, com Índio, em cobrança de falta na entrada da área, aos 25 do primeiro tempo. Lulinha empatou o jogo dez minutos depois.

No intervalo, Castor não precisou motivar os jogadores.  "Nosso time estava muito bem, jogou o tempo todo em cima do Coritiba. Ele não teve muito o que falar, apenas conversou rapidamente", disse Israel.

Gol invalidado e troca fatal nos pênaltis

No segundo tempo, o Bangu foi ao ataque, mas parou nas defesas do goleiro Rafael. Quando balançou a rede do Maracanã, o árbitro Romualdo Arppi Filho invalidou o lance, assinalando impedimento do atacante Marinho, que chegou a driblar o arqueiro do Coritiba antes de marcar.

Após a prorrogação sem gols, o Brasileirão foi decidido nos pênaltis pela segunda vez na história. O Coritiba, frio, acertou todas as cobranças anteriores às séries alternadas. Após cinco chutes certos, chegara a vez de Israel ir à marca da cal.

O volante, porém, preferiu dar lugar a Ado no último instante. "Eu era o sexto (cobrador). Ele pediu para bater e o Moisés viu que ele estava bem para cobrar. Eu não gostava e aceitei",contou Israel.

Ado, de perna esquerda, deslocou Rafael, mas mandou para fora. Gomes, na sequência, marcou e garantiu o título inédito para o Coritiba, campeão em pleno Maracanã, tomado por torcedores do Bangu.

Menos de cinco meses depois, o time carioca voltou a disputar uma final -- dessa vez no campeonato estadual. E mais uma vez a equipe de Castor de Andrade não conseguiu dar a volta olímpica ao perder para o Fluminense por 2 a 1. O bicheiro, que ajudou a levar o Bangu à conquista do Carioca de 1966, morreu em 1997, aos 71 anos, após ficar quase 30 meses na prisão.