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"Técnico brasileiro não vinga fora porque não sabe tática", diz Zago

Antônio Carlos Zago está à procura de uma nova equipe para treinar - Mário Angelo/Folhapress
Antônio Carlos Zago está à procura de uma nova equipe para treinar Imagem: Mário Angelo/Folhapress

Danilo Lavieri

Do UOL, em São Paulo

07/08/2015 06h01

Três anos e meio fora do país foram o suficiente para que Antônio Carlos Zago mudasse de ideia radicalmente sobre o conceito de ser técnico de futebol. De volta ao Brasil após trabalhar e estudar na Europa, o ex-zagueiro vê a falta de incentivo às categorias de base e a baixa qualidade dos treinadores e dirigentes como os principais obstáculos para que a crise técnica no esporte mais popular do país seja superada.

Em entrevista ao UOL Esporte, Zago admitiu que iniciou sua carreira de treinador de maneira precoce e que os cursos que fez no Velho Continente enquanto trabalhou na Roma-ITA e no Shakhtar Donetsk-UCR mostraram que é preciso mudar para que o Brasil não viva apenas do passado no cenário mundial do esporte.

"Técnico brasileiro não vinga fora porque não sabe de tática”, analisou Zago. “Vamos ver aqui na América do Sul: a evolução da Colômbia é impressionante. O Equador evoluiu, o Peru também. Temos de acordar depois de um longo tempo dormindo.”, completou.

Na entrevista, Zago ainda apontou seus favoritos para o Campeonato Brasileiro e criticou até a atitude de Michel Bastos e outros jogadores que deixam o gramado reclamando por terem sido substituídos.

Michel Bastos

  • Ricardo Nogueira/Folhapress

    Outro dia achei muito estranho o Michel Bastos ser substituído e sair reclamando. Quando ele estava na Roma, ele nunca discutiu com ninguém. Então eles pensam que voltam ao Brasil e podem voltar com os erros de antigamente.

    Antônio Carlos Zago, Sobre jogador que reclama ao ser substituído

Confira a entrevista completa de Antônio Carlos Zago:

UOL Esporte: Como foi sua passagem pela Europa e por qual motivo resolveu voltar ao Brasil?
Antônio Carlos Zago: Eu estava há três anos e meio fora e minha mãe já está com idade, tenho filhos e minha família precisa de mim. Além disso, vejo vários treinadores indo para a Europa para se reciclar e eu estive por lá fazendo justamente isso. Agora, quero fazer o caminho inverso. Fiz cursos e fui auxiliar em times da Liga dos Campeões. Não é pouca coisa.

UOL Esporte: O que você aprendeu no curso que nunca teve acesso no Brasil?
Zago
: Fiz o curso A e B da Uefa e também o maior de todos dele. São cursos de 40 dias, 60 dias e depois de um ano. Você estudou para ser jornalista, certo? Todo jogador que termina a carreira acha que está pronto para ser treinador ou dirigente. E eu já não vejo isso como via antigamente. Preciso me preparar. Foi isso que eu fiz. Aprendemos detalhes de tática, métodos de treinamento, psicologia, comunicação, técnica, fisiologia... Na Itália, fiz um curso de tática, com Capello, Ranieri. Isso acrescenta para todo mundo.

UOL Esporte: Mas você chegou a iniciar a carreira no Brasil. Coordenou Corinthians, treinou Palmeiras, São Caetano e outros... O que te fez procurar essa atualização?
Zago:
Depois de encerrar a carreira, eu queria ir para a Europa. Mas apareceu o convite para dirigente no Corinthians. Eu não estava preparado, mas o trabalho foi bem feito. Entrei no Corinthians e, em quatro anos, eles foram campeões de Libertadores e Mundial. Foram porque deram continuidade no trabalho que eu iniciei. E aí comecei a receber convites de São Caetano, Palmeiras, Barueri... Até que teve o convite da Roma. O que eu planejava fazer antes, acabei fazendo quatro anos depois.

Antônio Carlos Zago (2º de pé da dir. para esq.) fez parte do esquadrão palmeirense montado na Era Parmalat - Folhapress - Folhapress
Zago (2º de pé da dir. para esq.) fez parte do esquadrão palmeirense na Era Parmalat
Imagem: Folhapress

UOL Esporte: E você acha que os cursos para treinador deveriam ser obrigatórios?
Zago
: Todo mundo que faz algo diferente vai querer falar que precisa fazer, só porque já fez. Mas eu estou dizendo porque é importante mesmo. Os treinadores que estão iniciando agora deveriam fazer. Os consagrados não vão fazer nunca. Duvido que vão dar o braço a torcer, especialmente por já terem nome no mercado. E não precisa ir na Europa. Aqui mesmo temos cursos.

UOL Esporte: O que você espera encontrar agora no Brasil depois de quase quatro anos fora?
Zago:
Eu já trabalhei aqui e sei como é a cultura. Cobram imediatismo e tem alguns conceitos diferentes. Mas é meu país e eu estou preparado. Pode ser clube de Série A ou de Série B, que hoje é muito competitiva. Tenho tudo para me tornar um grande profissional.

Zago

  • Divulgação/Shakhtar Donetsk

    O treinador brasileiro diz que a língua dificulta, mas todo mundo consegue se virar. Não precisa falar a língua de lá para sair. Técnico brasileiro não vinga fora porque não sabe de tática.

    Antônio Carlos Zago, Sobre técnico brasileiros não vingarem no exterior

UOL Esporte: O que você vê de grande diferença entre os técnicos estrangeiros e os brasileiros?
Zago:
Eu vejo que o futebol mudou. Não temos mais grandes jogadores como tínhamos antigamente. Antigamente, os treinadores trabalhavam em cima da qualidade técnica dos jogadores. Hoje, se o treinador não tiver um algo a mais na parte tática, fica difícil para continuar no mercado. Taticamente, os argentinos e até os chilenos estão à frente. O treinador brasileiro diz que a língua dificulta, mas todo mundo consegue se virar. Não precisa falar a língua de lá para sair. Técnico brasileiro não vinga fora porque não sabe de tática. Eles são vistos lá fora com deficiência na parte tática. Não chega a ser ultrapassado, mas precisamos melhorar.

UOL Esporte: Você consegue traçar um paralelo entre essa falha e o 7 a 1 contra a Alemanha?
Zago:
Eu acho que o 7 a 1 foi uma partida atípica, totalmente diferente, foi um pouco de tudo. Não que a Copa tinha sido excelente para nós, porque já tínhamos passado dificuldades no Chile. Mas é reflexo disso. O trabalho de formação no Brasil, a começar das categorias de base, é ruim. Se na base a gente tivesse profissionais mais capacitados para trabalhar, acho que teríamos uma qualidade melhor na equipe de cima. Esse é um trabalho que precisa ser revisto. Temos de mudar alguma coisa.

UOL Esporte: O brasileiro perdeu o respeito lá fora?
Zago:
Em geral, no mundo, todos são fãs do brasileiro, mas a gente parou no tempo e os outros evoluíram. Vamos ver aqui na América do Sul, a evolução da Colômbia é impressionante. O Equador evoluiu, o Peru também. Temos de acordar depois de um longo tempo dormindo. Começa na organização, nas categoria de base. Os treinadores também precisam crescer nas categorias de base. 

UOL Esporte: Se você fosse reorganizar o futebol, começaria pela base?
Zago:
Sim. A começar de quando o jogador chega no clube. Temos problemas com jogadores de 10, 11 anos. As coisas são muito precoces no Brasil. Outro dia fui em um jogo e cheguei no vestiário e os moleques estavam no celular minutos antes da partida. Muito estranho. Na nossa época, além de não ter o celular, claro, a gente não poderia ter outra distração. Tínhamos outras opções além do celular, mas a exigência do treinador não permitia que a gente tivesse isso. Temos algumas exceções, mas a maioria dos jogadores fica pronto com 20 anos.

Zago comemora gol ao lado de Aldair e com Francesco Totti no Italiano, pela Roma - AP Photo/Felice Calabro - AP Photo/Felice Calabro
Zago comemora gol ao lado de Aldair e com Francesco Totti no Italiano, pela Roma
Imagem: AP Photo/Felice Calabro

UOL Esporte: Juan Carlos Osório, treinador do São Paulo, se assustou com o egoísmo dos jogadores brasileiros. Você acha que isso é um reflexo? Acha que o jogador pensa em dinheiro e tudo menos no futebol?
Zago:
É questão de preparo, de como vamos conversar com os atletas. Não sei se é tanto pelo dinheiro. Estou torcendo muito pelo Osório, porque é um cara que estudou e merece. Outro dia achei muito estranho o Michel Bastos ser substituído e sair reclamando. Quando ele estava na Roma, ele nunca discutiu com ninguém. Então eles pensam que voltam ao Brasil e podem voltar com os erros de antigamente. O jogador sair e falar que não gosta de ser substituído é conversa para boi dormir. Falta educação, não só no futebol, mas culturalmente falando. É diferente do que acontece na Europa. Mas isso tem mudado aos poucos.

UOL Esporte: Como foi trabalhar em um país que vive problemas com guerra?
Zago
: Quando estávamos trabalhando lá, em determinado momento, colocaram postos de bloqueio para sair do país. Era todo dia ir trabalhar e passar por um posto para ir ao treino. Precisávamos abaixar o vidro, se identificar e ficar de cara com aquelas bazucas. Era uma tensão todos os dias.

UOL Esporte: Como você está enxergando este Brasileiro? Tem favoritos?
Zago:
Estou vendo o Tite muito bem. Perdeu vários jogadores e, ainda assim, deu uma nova cara ao Corinthians e manteve o padrão tático. O jogador entra e sabe o que precisa fazer. Isso é muito importante. O Atlético-MG também está bem, assim como o Palmeiras. São meus três favoritos.