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Conheça comunidades anti-homofobia no futebol e como elas atuam

Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

10/08/2015 12h00

Mais do que só gols, pontos, vitórias e recordes, o esporte em diversos momentos potencializa debates sociais por atitudes e sentimentos expressados por pessoas com status de ídolo ou simplesmente pelo comportamento do ser humano diante de algumas situações. Mais popular dos esportes mundiais, o futebol já protagonizou, entre vários casos, muitos que envolveram homofobia. 

Felizmente, porém, muita gente que gosta de futebol e repudia a discriminação vem se mobilizando contra esse cenário. Reunidos em comunidades na internet, torcedores e amantes do esporte formaram grupos que combatem a homofobia no Brasil e no exterior. Algumas dessas representações ainda são pequenas, outras já contam com milhares de seguidores, algumas comunidades são ligadas a determinados times, enquanto outras representam entidades que apenas apoiam a causa, sem relação com alguma equipe. Conheça algumas delas a seguir.

Bambis, com orgulho

No Brasil, a Bambi Tricolor, ligada ao São Paulo, é uma das comunidades anti-homofobia no futebol mais atuantes. Sua página no Facebook é atualizada regularmente e conta com 3,5 mil seguidores. Além de compartilhar posts sobre a causa em geral, a Bambi Tricolor se posiciona oficialmente sobre determinados temas. A comunidade lançou, por exemplo, um manifesto contra a nova mania das torcidas de gritarem “bixa” na hora em que os goleiros adversários repõem a bola.

O grupo critica, por exemplo, que são-paulinos devolvam na mesma moeda aos rivais quando ouvirem xingamentos homofóbicos.: “Esses tricolores acusam o golpe, vociferam e negam a desonrosa pecha atacando com as mesmas armas que lhes feriram: dizer que os outros é que são gays”.

Evidentemente, apesar do apoio que recebe, a comunidade precisa também lidar com os raivosos de sempre. E procura sair com classe. A um torcedor que escreveu “vocês mancham a imagem do soberano com essa página ridícula”, a “Bambi” respondeu “Você mancha a nossa página glamurosa com esse avatar horroroso e mesmo assim a gente tem que tolerar... fazer o quê, não é mesmo?”. Para outro, que postou “Essa página só pode ser do Curintia, olha o respeito com o Tricolor”, a réplica foi “se você perdesse 5 minutos lendo qualquer post, concluiria que não, não é feita por corintianos. Não é tão difícil! Vamos lá, você consegue!”

Rivais gaúchos contra a homofobia

Outra comunidade anti-homofobia é a “QUEERlorado”, que desde 2013 reúne torcedores do Inter em prol de um futebol sem preconceitos. A página tem 3,4 mil seguidores e, assim como a “Bambi Tricolor”, traz tanto notícias sobre a campanha do time quanto relacionadas com a questão da homofobia. O grande rival do Inter também tem sua comunidade na rede social, porém com menos adeptos: a “Grêmio Queer”, que publica conteúdo com viés semelhante ao da "QUEERlorado", possui hoje 1,2 mil seguidores. 

Uma das fundadoras da "QUEERlorado", Fergs Heinz conta que, em geral, as pessoas próximas apoiam a ideia, mas lamenta que os clubes não apoiem com mais afinco tais iniciativas. “No começo, recebíamos mensagens com ameaças. Hoje, de tempos em tempos ainda surge algum seguidor equivocado que questiona os assuntos abordados na página, mas fica claro que é porque a pessoa está desinformada sobre o conteúdo dela”, diz Fergs. Ela acredita que, apesar da maior visibilidade que os gays vêm conquistando nos últimos anos, eles ainda enfrentam “muito preconceito naturalizado e disfarçado de piada”. Para ela, “esses são os mais difíceis de serem superados. Principalmente nas músicas que a torcida canta nos estádios ou nos xingamentos, sempre tem muita homofobia percebida como parte do jogo".

Outro time do Sul do Brasil com comunidade anti-homofobia relevante é o Atlético-PR. A página “Furacão – Sem homofobia” conta com 1,4 mil seguidores. 

"Palmeiras Livre"

Voltando para São Paulo, a “Palmeiras Livre” tem 3,4 mil seguidores e o slogan “torcida que canta e vibra contra o preconceito”. “O futebol é um ambiente extremamente machista e opressor. Acho que falta um posicionamento do clube e dos jogadores em relação à homofobia. Depois de séculos de omissão, na final do paulista deste ano é que fizeram uma campanha contra o racismo, em parceria com o governo do Estado. Desta forma, me parece que ainda há um longo caminho pela frente.” diz Thais Nozue, administradora da “Palmeiras Livre”.

Para ela, isso se deve porque, no Brasil, tradicionalmente futebol é “coisa para macho”. “As pessoas não aceitam gays, mulheres palpitando no futebol. Eu vejo o futebol como reflexo da sociedade: é assim fora e dentro dos estádios. Falta posicionamento político no futebol. Falta coragem e hombridade. E muito, muito respeito.”

Assim como a “QUEERlorado”, a “Palmeiras Livre” inspirou sua criação na “Galo Queer”, movimento anti-homofobia e anti-sexismo de torcedores do Atlético-MG que hoje possui 1,3 mil seguidores no Facebook e foi um dos pioneiros neste tipo de iniciativa.

Gaivotas da Fiel

Em detrimento ao número de torcedores na arquibancada, o Corinthians, time da maior torcida paulistana, é o que parece ter a menor representação entre os que formam o chamado Trio de Ferro. Ao buscar por “gaivotas da fiel” – teoricamente, a torcida gay do Corinthians - no Facebook, são encontradas várias páginas tirando sarro da iniciativa. Na suposta página oficial do grupo (Gaivota da Fiel), estão apenas 1,5 mil seguidores, e o tom é muito mais festivo e descontraído do que de militância. Praticamente não há posts debatendo questões relacionadas aos direitos dos homossexuais ou sobre a homofobia no futebol, como ocorre nas demais comunidades.  

Mobilização no exterior

Outra comunidade anti-homofobia no Facebook, esta estrangeira, é a “Football V Homophobia”, com 1,7 mil seguidores. O grupo é parte de uma campanha feita pela entidade britânica “Pride Sports UK”, que promove a igualdade e o desenvolvimento esportivo entre a comunidade LGBT.

Escritora, ativista e apaixonada por futebol, a canadense Keph Senett é uma das envolvidas com o “Football V Homophobia”. Ela explica que a campanha vai muito além da internet. “A campanha atua junto a clubes profissionais e amadores, torcedores e organizações ligadas ao futebol. Em fevereiro, promovemos um mês de atividades como jogos de exibição, conferências e treinos.”

Keph acredita que a homofobia tem, no futebol, consequências diferentes para homens e mulheres. “O futebol ainda é considerado como um domínio do homem. Mulheres que invadem esse espaço correm o risco de serem vistas como possuidoras de qualidades masculinas”, diz a ativista. “Essa percepção tem muito a ver com o porquê de, no futebol feminino, as jogadoras profissionais já serem automaticamente consideradas lésbicas”.

Keph lembra que, enquanto no futebol feminino diversas profissionais já “saíram do armário”, e não receberam atenção da mídia, no masculino a ideia é a de que um jogador simplesmente não pode ser gay. “Do mesmo modo que a habilidade é ligada à masculinidade no futebol feminino, o sexismo atua para sugerir que os melhores jogadores do futebol masculino devem ser héteros. Isso, claro, não faz nenhum sentido”, completa Keph. 

Por enquanto, as ações das comunidades mencionadas aqui estão restritas à internet. É importante reforçar que elas não são torcidas organizadas.