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Primeiro técnico de Gabriel Jesus revela mágoa por ser esquecido

Vanderlei Lima e Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

04/09/2015 06h01

Gabriel Jesus já virou o novo xodó da torcida do Palmeiras, ganhou até música em sua homenagem e se tornou uma das gratas revelações do Campeonato Brasileiro. Mas nem todo mundo está em festa com o sucesso do jovem de 18 anos. O clube que formou o jogador, o Pequeninos do Meio Ambiente, se sente renegado por Gabriel.

José Francisco, conhecido como Mamede, foi o primeiro técnico do garoto quando ele ainda tinha oito anos e hoje é diretor de esportes do time da Zona Norte de São Paulo, onde Gabriel jogou até os 14 anos. Ele lamenta que palmeirense nunca cite o Pequeninos em suas entrevistas.

Mamede acredita que a postura distante seja uma recomendação do empresário para que o clube não pleiteie a sua parte como clube formador. “Eu gostaria tanto que ele ligasse para mim e que conversasse mais. Ele agora está enaltecendo os amigos, enaltecendo a mãe, mas ele não está falando da gente e ele tinha que falar da gente porque, poxa, a gente ficou com ele por seis anos, trocando chuteiras, dando chuteiras, cesta básica, todas essas coisas”.

Podemos falar um pouco sobre o Gabriel de Jesus?

“Ninguém fala do meu time (Pequeninos do Meio Ambiente). Todo mundo fala do time que ele ficou seis meses e depois foi para o Palmeiras. Ele jogou comigo dos 8 aos 14 anos, praticamente nós criamos o Gabriel no nosso time. Aí vem o tal do Anhanguera, saiu a reportagem da Globo falando que ele saiu do Anhanguera, ele não jogou nem dois meses lá, comigo foram seis anos. Eu estou achando que isso aí é coisa do empresário dele, ele deve estar com medo de a gente querer ganhar. Eu não quero ganhar um real do Gabriel, eu quero que ele seja feliz e vá para a seleção, para a Europa. Eles estão com medo porque a gente tinha que pleitear porque é o clube formador dele e eu não quero nada disso, eu já falei para o Gabriel. Falei para o procurador dele que eu não quero nada, eu quero simplesmente que ele fale que saiu do clube Pequeninos do Meio Ambiente.

O Gabriel mantém a amizade com você, ele ainda liga para você?

“Eu tenho o WhatsApp dele, sempre passei incentivo para ele, tanto é que quando eles foram eliminados na seleção eu conversei com ele. Só que ultimamente eu estou chateado com ele porque eu tenho certeza que isso aí é coisa de empresário, porque não custa ele falar. Eu estava esperando ele falar isso nas entrevistas, ele devia ter falado que na várzea fazia muitos gols no clube Pequeninos do Meio Ambiente. Já faz uns três meses e eu prometi para mim que não vou mais ligar para ele. Se ele quiser, ele liga para mim, se ele quiser aparecer lá no clube, ele aparece. Toda vez que que falei com ele pelo WhatsApp, ele me dá o retorno, mas é um retorno assim curto, ele escreve ‘legal’, ‘positivo’, ‘hahahaha’, sabe? Não tem sequência na conversa. ”

Como o Pequeninos do Meio Ambiente é mantido?

“Eu falei para o empresário dele, que era o Fábio Caran na época, eu falei: 'não queremos nada'. 'Se você chegar na seleção brasileira profissional e você quiser ajudar o nosso time, é de bom grado’, isso eu falei para o Gabriel Tetinha na nossa confraternização de final de ano e ele falou: ‘nunca eu vou esquecer do Pequeninos do Meio Ambiente’.

Você acha que ele será ingrato contigo?

“Ah, vai depender dele, da minha parte não porque eu não levo rancor de ninguém. Eu sou uma pessoa do bem, nós começamos este trabalho há 22 anos com o meu filho, com o filho do presidente, o filho do diretor de esportes e aí nós fomos levando e levando e hoje eu estou com o meu time sub-11 nas quartas de final do estadual, então graças a Deus a gente tem se mantido com muito suor. A gente ganha pão com mortadela para dar às crianças aos sábados e a gente vai continuando o nosso trabalho.”

Tem algo que você queira desabafar e falar para mim?

“Ah, desabafar... eu gostaria tanto que ele ligasse para mim e que conversasse mais. Ele agora está enaltecendo os amigos, enaltecendo a mãe, mas ele não está falando da gente e ele tinha que falar da gente porque, poxa, a gente ficou com ele 8 anos, trocando chuteiras, dando chuteiras, cesta básica, todas essas coisas. Principalmente pela imprensa porque é importante saber do nosso trabalho, a gente não cobra um real das crianças. Todo final de semana são 200, 300 pães com mortadela. A gente põe dinheiro do bolso, a gente deixa de sair com a família, com mulher, com filhos, com netos. Eu já tive 11 meninos dentro do meu Fusca, ninguém acredita nisso.”

Hoje, vendo o Gabriel atuar, o que mais chama a sua atenção que você lá atrás orientou?

“O nervosismo dele, parece que ele não é nervoso, mas ele é muito nervoso. Ele foi várias vezes expulso porque ele não gosta de perder nem par ou ímpar, então quando ele estava perdendo o jogo ele começava a ficar muito nervoso. Cansei de falar isso para ele, colocava a mão na cabeça e dizia: “Gabriel, pensa um pouco porque senão você vai ser expulso”. Ele já tinha tomado amarelo ou alguma coisa. E ele está hoje levando muito isso em prática. Eu percebo que ele tem mais tranquilidade ao jogar, eu não sei como vai ser daqui para frente, porque daqui para frente os caras vão pegar ele mais, porque até então ele está sendo uma surpresa”.

Você disse que ele era nervoso. Isso pode ter acontecido pela criação que ele teve?

“Não, era dentro do jogo somente, ele não gosta de perder no par ou ímpar. Ele não era nervoso fora de campo, não era problemático, era um garoto de bem com a vida, sempre dando risada, muito legal com todos nós, respeitoso com todos nós”.

Quando você conheceu o Gabriel de Jesus viu que era um garoto diferenciado?

“Ah, lógico. O Gabriel nunca faltou a treinos, a nenhum treino, ele era o primeiro da turma a puxar os exercícios, ele nunca faltou a nenhum jogo, ele foi um garoto super dedicado. A gente falava para ele: ‘Gabriel, você tem que ter a cabeça no lugar porque eu tenho certeza que você vai ser profissional’. Em 2013, foi o último ano dele com a gente e ele foi artilheiro do campeonato do Cuebla, é um campeonato que tem há vários anos. E quando a gente entregou este troféu para ele, eu falei: “Gabriel, eu tenho certeza que você vai ser profissional, mas você nunca esqueça da sua raiz”. E ele falou: “Eu também tenho certeza que vou ser profissional e nunca vou esquecer da raiz”.

Por que ele ganhou o apelido de Gabriel Tetinha?

“Até me arrepia falar isso. É porque quando ele jogava, ele falava pra mim: “Ih esse time vai ser uma tetinha, vai ser mole, a gente vai ganhar fácil”. O Gabriel era terrível, então ficou Gabriel Tetinha. Se eu chegar no estádio do Palmeiras e der um grito ‘Gabriel Tetinha’, ele vai olhar porque ele vai saber que é o Pequeninos, só a gente lá que conhece este nome dele. ”

Você sonha um dia ver o Gabriel fazer um gol e dedicar a você?

“Não precisa dedicar a mim, e sim ao Pequeninos do Meio Ambiente. Vixi... eu vou até chorar de emoção. Eu sou palmeirense, a minha família inteira é palmeirense, seria um sonho, nossa senhora.”