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Tecnologia, teoria e treino: A receita Roger para resgatar Grêmio vencedor

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

10/09/2015 06h00

Olhar o passado para construir o futuro. Este é o mantra de Roger Machado no Grêmio. Com objetivo de resgatar o 'espírito' do clube que conhece tão bem por ter participado da última geração vitoriosa nos anos 1990, o ex-lateral esquerdo que agora treina o Tricolor tem em tecnologia, teoria e treino os pilares para a criação de um futuro tão vibrante quanto os momentos vividos por ele. 

E sobram motivos para acreditar em Roger. Ele não foi apenas um atleta exemplar no Grêmio, onde atuou de 1994 até 2003. Das categorias de base até o título da Libertadores. Foi no clube que ele teve a chance como auxiliar e começou a formar-se técnico. Da mesma forma é vestindo azul, branco e preto que recebe a primeira oportunidade em um clube de ponta.
 
Chegou para substituir Luiz Felipe Scolari, com quem trabalhou e conquistou repetidos títulos. Libertadores, Copa do Brasil, Brasileiro, o passado uniu Felipão e Roger. Mas o presente separa. Um grupo desacreditado, taxado de insuficiente, abalado pela derrota na final do Gauchão. Foi este quadro que o ex-lateral recebeu do antigo comandante. E de cara transformou o elenco em postulante ao título brasileiro. 
 
Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte [a primeira parta da entrevista foi ao ar na quarta-feira], Roger Machado conta como remontou o Tricolor e revela a expectativa de formar um elenco vencedor, como o que teve quando atleta. 
 
UOL: Qual o segredo do Grêmio para uma mudança tão grande de comportamento e rendimento sem mudanças no elenco?
Roger:  Eu acredito muito na minha metodologia e conceito de trabalho. Por isso que nas últimas entrevistas que eu dei, falei do calendário. Frisei que o futebol brasileiro se ajustaria na esteira de um calendário bem ajustado, porque o sucesso do nosso trabalho eu credito a semana de trabalhos que consigo ter. Não sei, talvez, se no momento que eu cheguei aqui, se não houvesse depois dos jogos contra Goiás e Corinthians, uma semana vazia de jogos, e um jogo no fim de semana por três semanas. Foi aí que dei alinhamento tático para o time. Credito à capacidade e entrega dos nossos jogadores aliado a uma semana muito bem organizada de treinos. Que dá o lastro e é a base do trabalho construído. 
 
UOL: Os jogadores falam muito sobre os vídeos que você mostra nos intervalos e mesmo durante a semana de atividades, como funciona esta inclusão da modernidade e da tecnologia no treinamento de futebol? 
Roger: Nós somos visuais, sinestésicos, táteis, gustativos, auditivos, temos vários sentidos. Então parte do trabalho, a maior parte dele, é no campo com repetição e sistematização. Mas também com memória visual e auditiva. Procuro estimular todos estas variáveis para uma maior assimilação do conteúdo que desejo. O vídeo é uma ferramenta magnífica para que se promova ajustes ou ainda para salientar boas movimentações e posicionamentos. Nosso centro de análise com o pessoal do CDD, o Antônio, o Cecconi e o Rafael, me municia com o que preciso para que em cima destes números faça uma leitura adequada para sintetizar e transformar em informação para o jogador utilizar em campo. 
 
UOL: Muitas vezes esta metodologia soa diferente do que se tinha no passado, a evolução... É difícil para o treinador chegar ao mercado brasileiro com um trabalho baseado em estudo e teoria? 
Roger: Na verdade sempre fizemos isso, só que de forma instintiva. A maioria dos treinadores é egresso do campo, ex-jogador. De forma instintiva pelo conhecimento acumulado, se passava isso para os atletas. Hoje a tecnologia é mais presente do que há 20 ou 30 anos. Acaba meu jogo e tenho a partida e movimentações imediatamente no iPad. É uma facilidade grande. Ao longo dos anos, outras metodologias e outros países vieram aqui, e exportamos treinadores. Nossa metodologia está espalhada pelo mundo e tem, nos países que despontam como referência, muito do nosso futebol. A ciência entrou no esporte e talvez o futebol seja um dos esportes que mais resista à ciência e à tecnologia de forma geral. E hoje temos a facilidade de ter este intercâmbio e poder conversar sobre o que é feito em outros lugares. Acho perfeitamente possível, a medida que se tenha abertura para isso. Quando parei para jogar, identifiquei que era o caminho que queria seguir. Há profissionais que entendem que não há necessidade. Não há nada errado nisso. É algo que eu identifiquei importante na minha carreira de ex-jogador e treinador de futebol. 
 
UOL: Vemos muitos jogadores brasileiros em grandes clubes, mas não técnicos brasileiros em grandes clubes. Por que isso não acontece? 
Roger: Em primeiro lugar é a barreira da língua. Vemos técnicos argentinos, chilenos, paraguaios pela América. Uma América Latina que fala espanhol. Na Europa há este intercâmbio. Estando lá, a língua ajudando, isso tudo mostra e expõe o trabalho. Há 30 anos, o Brasil levou muitos treinadores usando intérprete. Mas também o jogador de futebol de modo geral hoje tem uma mentalidade diferente. E o poder de persuasão e o conhecimento tem que se dar diariamente. Para isso é importante a língua local ou inglês fluente. Eu faço inglês, mas em determinado momento paramos porque a correria é um elemento a mais quando se cria a chance de ter uma abertura de mercado lá fora. 
 
UOL: O Grêmio, o que significa toda esta história que tens no clube. É este tipo de espírito tentas resgatar neste momento? 
Roger: Para mim o mais importante acima de tudo é novamente construir o Grêmio vencedor do meu período como jogador na década de 90. Em uma sequência relativamente longa sem conquistas importantes, com estádio novo, marcar uma geração neste período todo que o clube trocou de casa deixa um legado importante para a carreira do treinador e é o que eu passo para os jogadores, que não nos permitamos apenas passar pela instituição, mas deixar algo marcado em conquistas. Na minha vida toda dentro do clube, começar como treinador neste nível de Série A foi fundamental pela facilidade e o conhecimento que tenho de toda instituição. 
 
UOL: Para isso (marcar uma geração), tem que ficar no Grêmio. Como está o processo de renovação de contrato? [O presidente do clube, Romildo Bolzan Júnior, ofereceu proposta de aumento salarial para ampliar o contrato do treinador]
Roger: Já estamos acertando alguma coisa. Contratualmente há uma cláusula de renovação automática para permanecer ano que vem. É meu desejo. Quero sair daqui apenas depois de conquistar muito. 
 
UOL: O grupo está como você pretende em alternativas ou precisa muito para ano que vem? 
Roger: Um grupo de futebol é como um organismo vivo. Está em constante movimentação. Estamos hoje em bom nível, mas há margem para evolução. Retornando à primeira pergunta, se nós tivéssemos semanas livres entre os jogos, tenho certeza que evoluiríamos em outros aspectos. Nosso grupo é grande, mas jovem. E temos um grupo auxiliar, que é a transição, e recorremos muito a este grupo para treinamentos e jogos como alternativa para banco. E tudo isso nos deixa otimistas de ver que conseguimos construir um grupo de homens e grandes jogadores. Muitos deles já com espaço consolidado no futebol brasileiro, mas buscando a conquista pelas vitórias. Além dos jovens que ainda procuram seu lugar ao sol. Isso é uma combinação muito boa para fazermos um elenco vencedor.