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Crise faz Receita apertar cerco a atletas, e direito de imagem vira vilão

Meia Souza jogou no Fluminense e está sendo cobrado pela Receita Federal - Dhavid Normando/Photocamera/Divulgação
Meia Souza jogou no Fluminense e está sendo cobrado pela Receita Federal Imagem: Dhavid Normando/Photocamera/Divulgação

Eduardo Ohata e Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

16/11/2015 06h00

Os direitos de imagem já foram tratados como aliados de jogadores para ganhar altos salários com dedução fiscal menor do que se fossem contratados em regime CLT, mas se tornaram vilões. Diante da crise econômica que castiga o país, o governo abriu os olhos para um filão para arrecadar mais e mira nos ganhos dos atletas.

A Receita Federal aumentou a tributação sobre direitos de imagens dos jogadores e fiscaliza com mais rigor o que considera que é fora da lei. Para o órgão, receber salários em forma de imagem, prática comum nos clubes, é considerado fraude. Clubes e jogadores têm recebido multas.

O meia Souza jogou no Fluminense em 2011 e 2012 e foi surpreendido, pois agora está sendo penalizado pela Receita. O advogado do jogador, João Henrique Chiminazzo, afirma que as cobranças são feitas de forma retroativa até cinco anos anteriores e trabalha para reverter a situação. "Estamos discutido, mas vai ser difícil ele escapar".

Advogado especializado em direito desportivo, Leonardo Laporta alerta para os atletas que se transferem de clube e mudam de cidade com frequência. Por isso, muitas vezes eles nem sabem que têm essa dívida. "Como o atleta se transfere de um clube para o outro, muitas vezes de cidades diferentes, muitas vezes não é localizado ao ser convocado a responder na Justiça, e só fica sabendo dessa dívida para com o governo quando sua carreira chegou ao fim e não terá mais de onde tirar dinheiro. Tenho um caso no qual o atleta, só de autuação referente a três anos e meio, terá de pagar R$ 3 milhões."

O crescimento no número de caso de atletas afetados pela tributação sobre o direito de imagem cresceu tanto que fez com que Laporta firmasse convênio com outros escritórios de advocacia para conseguir abraçar todos os casos que chegam a ele. "Estou com dez casos. Me associar a outros escritórios foi a forma que encontrei para atender um número maior de jogadores", explica ele.

Jogadores, agora, preferem CLT

Não à toa, muitos atletas já preferem receber os salários seguindo as regras da CLT. Além do cerco da Receita, há também a prática comum de clubes em situação financeira complicada de atrasar os direitos de imagem. No caso da carteira assinada, o clube não pode deixar de pagar em dia sob o risco de o atleta ficar livre.

O Corinthians, por exemplo, já negocia os novos contratos conforme as leis trabalhistas. Segundo o diretor financeiro do clube, Emerson Piovesan, o meia Danilo renovou nos moldes tradicionais de um trabalhador comum. Os contratos de Ralf e Renato Augusto também são negociados na mesma linha.

O goleiro Victor, do Atlético-MG, e o zagueiro Paulo André, do Cruzeiro, também já recebem quase que exclusivamente pela CLT. Advogado dos dois e de nomes como Alexandre Pato, Chiminazzo explica que quase todos os seus atletas estão optando por essa forma de contrato e já têm consciência de que assinar a carteira é mais vantajoso. Segundo ele, apesar da dedução fiscal maior, o atleta sai ganhando porque passa a ter direitos assegurados como FGTS, férias e 13º salário.

Ele culpa os clubes pela prática fraudulenta que era feita com frequência. Segundo o advogado, os atletas não têm conhecimento sobre as leis e são convencidos pelos clubes que é mais vantajoso receber seus rendimentos na forma de direitos de imagem. "O que aconteceu é que alguns clubes impuseram que jogadores se tornassem pessoa jurídica para ser pagos por meio de direito de imagem com uma tributação menor do que o contrato de trabalho normal. Convenciam o atleta de que isso era um benefício, mas o jogador não entendia que isso trazia mais prejuízo, já que não receberia direitos trabalhistas. É um contrato fraudulento".

Já Emerson Piovesan tem outra visão. Ele defende o clube e diz que receber salário na forma de direitos de imagem costuma ser um desejo dos próprios atletas. "Não tinha grandes vantagens para o clube, mas para o atleta tinha. Sempre foi opção do jogador, e o atleta sempre tem preferência. Cada um administra conforme sua preferência, é da negociação. No caso do Alexandre Pato, quando ele apareceu, negociou direito de imagem com uma empresa, então era pago para a empresa, era um modelo diferente. Outros preferem CLT..."

Advogado explica como a Receita apertou o cerco

Leonardo Laporta explica os motivos para o aumento na tributação dos jogadores. "Com o advento da medida provisória 690, a Receita alterou a base de cálculo do imposto sobre o direito de imagem", explica o advogado.

"Antes, como acontece com qualquer empresa, o imposto era calculado sobre um valor chamado de lucro presumido, que gira em 32% do faturamento total. Ou seja, a Receita entende que dos 100% que uma empresa comum arrecadava por mês, descontadas suas despesas operacionais, sobrariam de lucro 32% de tudo o que foi arrecadado. E o cálculo do que é pago de imposto é feito apenas em cima desses 32%".

"Com a mudança na lei, os atletas que recebem por direito de imagem deixam de ser tratados como uma empresa comum. A base de cálculo deles é calculada sobre o valor da arrecadação total, sobre os 100% do que recebem. Ou seja, a Receita considera todo o faturamento como lucro."

O advogado dá um exemplo prático: "Se uma empresa comum fatura R$ 1 mil, a receita calcula que o lucro é de R$ 320, valor sobre o qual incide o imposto. Era assim com os atletas também. Com a mudança na lei, o cálculo dos imposto será feito agora em cima dos R$ 1 mil que o atleta faturou, e não mais sobre R$ 320. Mas assim como uma empresa tem despesas, paga salário de funcionários etc, o atleta também tem despesas para manter a imagem, a receita líquida, não é lucro", diz Laporta.

"Há ainda casos de bitributação que vem ocorrendo nos quis fiscais da Receita desconsideraram totalmente o imposto que os jogadores pagaram como pessoa jurídica, os auturam e os tributaram como pessoa jurídica também (em 27,5%). Ou seja, eles pagaram imposto como pessoa física e jurídica, perderam o que pagaram na emissão da nota, e não tiveram direito a benefícios do regime CLT", diz.

Na visão dele, a Receita incorre em dois tipos de erros de interpretação: "o fiscal da Receita confunde direito de imagem com remuneração e, pela atual legislação, estão confundindo receita com lucro".

A Receita Federal defende seus procedimentos e argumenta que não há erro de interpretação.

‘A Receita Federal tem conhecimento da posição dos advogados [na questão da tributação sobre os direitos de imagem]. Informa, por outro lado, que os casos que foram objeto de autuação não se referem a confusão de remuneração com direito de imagem‘, explicou, por meio de nota.

O caso já entrou no radar da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, órgão que representa a categoria dos jogadores. A entidade está preocupada com as cobranças que os atletas vêm sofrendo. ‘(Essas ações mostram) desespero do governo, que quer criar mais receitas‘, protesta Rinaldo Martorelli, presidente da Fenapaf. "Estamos estudando como frear isso, marcando reuniões com auditores da Receita Federal e consultas ao Ministério Público sobre ações judiciais para quebrar isso. Queremos saber quais os critérios foram usados (para aumentar os impostos)."