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Como a China faz a peneiragem e escolheu o Brasil como eldorado no futebol

China vem investindo forte em brasileiros e provocou desmanche no Corinthians - Arte UOL
China vem investindo forte em brasileiros e provocou desmanche no Corinthians Imagem: Arte UOL

Luiza Oliveira*

Do UOL, em São Paulo

11/01/2016 06h01

A China se apaixonou pelo futebol e elegeu o Brasil como principal alvo de suas investidas milionárias. Não à toa vem fazendo a rapa e tirando os principais jogadores do atual campeão brasileiro. Mas o que poucos sabem é porque a China viu o Brasil como menina dos olhos e como faz a seleção de atletas com potencial para brilhar em gramados asiáticos.

A maioria dos estrangeiros no futebol chinês é brasileira. Na última temporada, eram 29 os atletas tupiniquins que atuavam do outro lado do mundo. A diferença é enorme para a Argentina, que foi a segunda nação que mais fornece jogadores e teve apenas cinco atuando nas bandas de lá, segundo dados do site Transfermarkt.

Outra prova do interesse especial da China pelo Brasil são as altas cifras das transferências. Dentre as dez contratações mais caras feitas por clubes chineses, quatro envolvem um brasileiro. O líder é Ricardo Goulart, que custou R$ 65,8 milhões aos cofres do Guangzhou Evergrande. Também estão na lista o ex-Corinthians Paulinho (R$ 61,4 mi )e Alan (R $48,7 mi), do mesmo time, e Renato Augusto (R$ 35,1 mi) que acabou de se transferir para o Beijing Guoan.

Imagem brasileira ainda é forte

O vexame na Copa do Mundo parece não influenciar os asiáticos. O investimento não é à toa. Na China, o Brasil é visto como o eldorado não só pela abundância em quantidade de atletas, mas também pela qualidade histórica. A tradição do país que revelou nomes como Pelé e Ronaldo ainda faz a diferença. "O Brasil é pentacampeão do mundo e, com certeza, isso influencia bastante na decisão de contratar brasileiros. Para nós, o Brasil ainda é um dos melhores do mundo. Para os chineses, todos os jogadores brasileiros são de nível mundial, são de alto nível", conta Sun Xian Lu, coordenador do Tianjin Quanjian, time comandando por Vanderlei Luxemburgo na China.

Na visão do empresário Joseph Lee, que há 20 anos faz a intermediação entre o mercado brasileiro e o chinês, a habilidade dos atletas brasileiros facilita a adaptação no país asiático. “O brasileiro tem muito talento e consegue ter mais flexibilidade e adaptação a um futebol de outro país, consegue se encaixar melhor atuando em um lugar bem diferente por causa da sua técnica. O chinês nunca foi buscar muitos argentinos, uruguaios, paraguaios ou chilenos”, disse. Outro ponto abordado por eles é que pelo biotipo chinês, é melhor aprender com a habilidade de jogadores do Brasil do que europeus, tradicionalmente mais fortes.

Cesar Soller, empresário brasileiro que há anos trabalha na Ásia, ressalta que o interesse chinês é forte porque desde quando começaram a procurar brasileiros, em 2008, o resultado foi bom. "O Muriqui foi pra lá em 2009, como desconhecido no Brasil, e arrebentou lá na China. O Felipão ganhou os principais torneios na China (foi campeão asiático também). Os brasileiros estão se adaptando e dando resultado", explicou.

Forma de captação

Mas como a China monitora e faz a seleção de talentos no Brasil para, em seguida, contratá-los? Um dos caminhos são parcerias que os clubes têm com empresários que ficam por conta de observar e garimpar talentos.

Lee hoje tem uma equipe de olheiros que assiste a jogos in loco e pela televisão das mais diferentes divisões. A equipe analisa quais atletas poderiam interessar o mercado chinês. Flávio Pires também faz esse trabalho com a China há 12 anos e foi o responsável por trazer Zizao ao Corinthians.

Mas os chineses também têm seus próprios meios de garimpagem e cada vez estão mais exigentes e espertos nas contratações. Hoje, já contam com departamentos avançados de tecnologia para analisar minuciosamente cada jogador.

“Antigamente dependia muito do nosso trabalho. Mas hoje eles estão formando também um sistema bem mais completo nos times, nos centros de treinamentos, eles têm profissionais dentro das comissões técnicas e uma estrutura que está ultrapassando os clubes sul-americanos e até a Europa. Eles têm um sistema de análises, sabem cada detalhe do jogador e estão sempre acompanhando. Hoje, para oferecer uma contratação para eles, você tem que estar bem preparado”, brinca Lee.

“Eles têm um controle violento, muito mais que os clubes daqui. Às vezes eles me ligam e falam coisas de um jogador que eu mesmo fico surpreso. Eu pergunto: ‘como vocês estão sabendo?’”, conta Flávio.


Características que agradam

Com tanto tempo de experiência, Flávio já sabe que tipo de jogador tem potencial e pode agradar. “Eles gostam de jogador com velocidade e habilidade do meio para a frente, dificilmente você vai ver contratações de laterais e, às vezes, de zagueiro”, afirma.

O técnico Cuca, que recentemente trabalhou no Shandong Luneng, também acredita que a posição do atleta influencia bastante na peneira. “Eles contratam os estrangeiros para o ataque e meio (...) é proibido contratar goleiro, porque numa ocasião levaram um goleiro, ele fechou o gol e foi campeão, então proibiram a contratação de goleiro. Zagueiros, laterais e volantes são raros. Os chineses priorizam muito do meio para a frente. Eu tentei levar zagueiros para lá e eles falaram: “não, não, nós temos que trazer atacantes. A gente só pode ter três estrangeiros, então vamos trazer do meio para a frente”. Eles pensam que os jogadores mais valorizados são os atacantes que vão dar espetáculo, que vão fazer gols”.

Outra forma comum de fazer os brasileiros cruzarem o mundo é pela indicação dos técnicos. Hoje, nomes consagrados que já comandaram a seleção brasileira, como Mano Menezes, Felipão e Vanderlei Luxemburgo, estão no futebol chinês. E os clubes fazem questão de atender aos pedidos deles.

“A primeira escolha do time foi o Vanderlei Luxemburgo, técnico brasileiro que tem muito conhecimento e é amado no Brasil. O treinador tem que ter conhecimento dos jogadores, então, por conta disso, contratamos atletas brasileiros”, conta o coordenador do Tianjin Quanjian, Sun Xian Lu.

*Colaboraram Ricardo Perrone e Vanderlei Lima