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Como Dunga irritou jogadores e o maior desafio de Tite: liderá-los

Danilo Lavieri, Guilherme Palenzuela, João Henrique Marques, Paulo Vinicius Coelho e Pedro Lopes

Do UOL, em Nova Iorque (EUA), Paris (França) e São Paulo

16/06/2016 06h00

A maior parte do elenco de 23 jogadores que representou o Brasil na péssima campanha da última Copa América já reprovava o trabalho de Dunga, demitido na terça-feira, e não sentia prazer em defender a seleção brasileira sob o comando do treinador. Segundo apurou o UOL Esporte, houve, desse grupo de atletas, quem tenha ficado aliviado pela decisão de Marco Polo Del Nero em trocar o treinador. Agora, o principal desafio de Tite, sucessor na seleção, é recuperar o prazer dos jogadores em defender o Brasil.

As críticas dos jogadores que não aprovavam mais o trabalho de Dunga passam invariavelmente pela gestão de pessoas - muito mais pela postura do treinador como líder do que pelos conceitos de futebol aplicados em treinos e jogos. O distanciamento entre figuras importantes do elenco e técnico aumentou com episódios como a cartilha de comportamento, os afastamentos de Thiago Silva, Marcelo e David Luiz - cada um por seu motivo -, e aquilo que foi visto como tratamento privilegiado a Neymar em alguns casos.

Faltaram explicações

Críticas de diferentes lados passam pelo mesmo argumento: enquanto outros treinadores preferem aplicar o corretivo individual na frente de todo o grupo, Dunga preferiu em alguns casos tomar uma decisão, fazer uma mudança e não comunicar nem o atleta nem o elenco. Segundo o zagueiro Thiago Silva já manifestou publicamente, foi assim com ele ao perder a braçadeira de capitão e o posto de titular da equipe. Segundo os atletas, outros casos como esse criaram uma atmosfera de distanciamento com o treinador que impedia o grupo de saber o que ele pensava.

Dunga-Gilmar Rinaldi - Elise Amendola-11.jun.2016/AP - Elise Amendola-11.jun.2016/AP
Dunga e Gilmar Rinaldi fracassaram com a seleção brasileira
Imagem: Elise Amendola-11.jun.2016/AP

Mais de um jogador disse se sentir em um ambiente de apreensão nos últimos 12 meses de seleção brasileira. A discrição é que alguns atletas acreditavam que poderiam ser sacados da seleção por tempo indeterminado, como aconteceu com Thiago Silva e, mais tarde, Marcelo e David Luiz, por cometerem um erro dentro ou fora de campo. Com isso, o ambiente da equipe deixou de ser prazeroso.

Time queria volta de Thiago Silva

O antigo capitão de seleção teve a postura criticada na Copa do Mundo de 2014, reclamou por perder a braçadeira e cometeu erro dentro de campo na Copa América de 2015. Desde então, não apareceu mais em convocações. Influente sobre alguns dos principais jogadores da seleção, mantém aliados e é defendido por muitos, que discordam do veto.

Estes jogadores consideram Thiago um dos melhores zagueiros do mundo e entendem que a seleção perde em qualidade e em liderança sem ele. Depois da Copa América de 2015, o Brasil teve desempenho irregular nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018 e aumentou, então, a insatisfação do elenco com Dunga por manter fora um jogador considerado dos melhores pelos ex-companheiros.

Thiago-Silva - Rafael Ribeiro/CBF - Rafael Ribeiro/CBF
Thiago Silva reclama de não ter sido comunicado quando perdeu a braçadeira
Imagem: Rafael Ribeiro/CBF

Cartilha de comportamento: o início da cisão

Dunga assumiu a seleção depois do 7 a 1, com um time bombardeado por críticas pelo que parecia ser falta de comprometimento: atletas com comportamento de superstars, brincadeiras na TV e na internet e protagonizando diversas peças publicitárias. Para acabar com tudo isso, o técnico instituiu uma cartilha de comportamento com uma série de normas de conduta que incluíam proibição a postagens de fotos da concentração em redes sociais, uso de chinelos, brincos e bonés, e obrigação de cantar o hino nacional.

Há dentro da CBF quem avalie que tal cartilha marcou o início da cisão entre treinador e jogadores, que não poderiam criar nunca relação íntima com um distanciamento tão grande. Um ano depois, Dunga afrouxou a cartilha e diminuiu as restrições. Mesmo assim, marcou-se com um grupo pela rigidez.

Neymar pode o que outros não podem

Dunga decidiu fazer de Neymar o líder da seleção brasileira quando lhe deu a braçadeira de capitão. Escolheu, como ele próprio explicou, um líder de superioridade técnica que pudesse tirar a pressão sobre os companheiros. Em um período curto de tempo, porém, Neymar protagonizou episódios de conduta reprovável e a reação de Dunga contrastou com a esperada de um comandante tão rígido, que instituiu cartilha de comportamento e que viria a barrar Thiago Silva: teve, com o craque, nível maior de tolerância.

Neymar-seleção - Paul Gilham/Getty Images - Paul Gilham/Getty Images
Neymar: líder da seleção de Dunga
Imagem: Paul Gilham/Getty Images

Na Copa América de 2015, Neymar cometeu erro enquanto vestia a braçadeira de capitão que poderia ter rendido a ele dez jogos de suspensão em competições da Conmebol: foi expulso contra a Colômbia, tentou agredir um árbitro e teve sorte por uma punição branda, com apenas quatro jogos de gancho. A conduta foi condenada dentro da CBF, que nem tentou apelar contra a suspensão e decidiu que Neymar poderia voltar ao Brasil, mesmo estando apto para jogar uma possível final no torneio. Com Dunga, no entanto, não houve consequências visíveis.

Neymar voltou à seleção brasileira como capitão mesmo depois do deslize - após a Copa América, membros da CBF disseram que o atacante teria que reconquistar seu espaço na seleção após erro tão grande, o que não se comprovou. Depois, Neymar recebeu autorização para se apresentar com um dia de atraso à seleção para o jogo contra o Uruguai nas eliminatórias, sendo que os companheiros de Barcelona Lionel Messi e Luis Suárez se apresentaram às seleções de Argentina e Uruguai um dia antes, na mesma data. O atacante jogou contra o Uruguai, recebeu cartão amarelo, foi suspenso e não jogou contra o Paraguai.

Mesmo com todo o tratamento diferenciado, afirmou-se na CBF antes da Copa América que Dunga tinha restrições a Neymar pelas atitudes fora de campo. Para alguns jogadores do elenco, a tolerância do técnico com o atacante, porém, mostrava o contrário. Segundo o relato, houve quem ficou incomodado por entender que não se criaria senso coletivo dentro da seleção com rigor tão alto para todos os atletas à exceção de Neymar.

Há quem seja grato

Dentro da seleção brasileira que disputou a Copa América, há também quem seja grato a Dunga. O zagueiro Miranda foi esquecido por Luiz Felipe Scolari na Copa do Mundo de 2014 enquanto era titular absoluto do Atlético de Madri campeão espanhol e finalista da Liga dos Campeões. Na mesma condição e no mesmo clube, o lateral esquerdo Filipe Luis viveu a mesma situação. Com Dunga, Miranda virou titular absoluto e vice-capitão, tido como exemplo de comportamento. Filipe Luis ganhou toda a confiança para ser titular com o veto a Marcelo.

Miranda-seleção - Wong Maye-E/AP - Wong Maye-E/AP
Miranda virou titular com Dunga depois de ser preterido por Felipão
Imagem: Wong Maye-E/AP

Há outros três jogadores que participaram da Copa América que também se dizem gratos ao treinador e que não se mostram aliviados ou felizes pela demissão. Cada um por seu motivo específico, mas de modo geral grato pela confiança demonstrada e pelas oportunidades que outros treinadores não concederam.

Para comissão, torneio resolveria problemas do passado

Comissão técnica e Gilmar Rinaldi reconheciam que tiveram problemas de relacionamento com jogadores no passado, mas viam na competição nos Estados Unidos a chance de ouro para retomar o controle do grupo e definir o que considerariam uma arrancada para consolidar um grupo forte para a Copa de 2018 e, principalmente, sem resquícios do 7 a 1. A seleção teve conflitos que ficaram expostos, como o com Thiago Silva, Marcelo e Jefferson, mas também sofreu com outros episódios que não vieram à tona. Durante a Copa América Centenário, membros da comissão gostavam de afirmar com confiança que o grupo finalmente havia se fechado de novo. Em mais de um episódio, membros que trabalhavam com o time apontavam que Dunga tinha contornado e deixado os conflitos no passado. O título viria para coroar tudo: "Vai ganhar e você vai ver o que vai acontecer com esse grupo", bradavam. Nos primeiros momentos de dificuldade, no entanto, os ressentimentos do passado voltaram à tona. A eliminação foi a gota d'água.

Dunga viveu relação diferente de 2010

Se Dunga caiu da seleção brasileira com um grupo de jogadores que, em maioria, não aprovava seu trabalho e não sentia mais prazer em representar a seleção, viveu o oposto durante a primeira passagem. O time que construiu para a Copa do Mundo de 2010 tinha relação muito mais próxima e amistosa do treinador, com jogadores que confiavam plenamente nele, gostavam de trabalhar com ele e seguiam fielmente a conduta apontada como ideal e o modelo de jogo adotado.

Dunga cai pelos resultados: venceu 18 jogos, empatou cinco e perdeu três em dois anos, mas teve aproveitamento de apenas 51% em jogos oficiais - só conseguiu vitórias sobre Venezuela, Peru e Haiti, e acumulou dois fracassos em Copa América e uma campanha ruim nas eliminatórias. Tais resultados, no entanto, foram obra da dissonância entre técnico e jogadores. 

Dunga-Jorginho - REUTERS/Kai Pfaffenbach - REUTERS/Kai Pfaffenbach
Dunga levou o Brasil às conquistas da Copa América e da Copa das Confederações
Imagem: REUTERS/Kai Pfaffenbach