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Cidade que recebe seleção tem estádio de R$ 700 mi e times sem água e bola

A cidade da Arena que custou R$ 700 milhões (foto) sofre com um futebol sem recursos - Portal da Copa
A cidade da Arena que custou R$ 700 milhões (foto) sofre com um futebol sem recursos Imagem: Portal da Copa

Pedro Ivo Almeida

Do UOL, em Manaus (AM)

06/09/2016 11h00

Manaus está em festa para receber a seleção brasileira. Embalada pelo clima de feriado prolongado – Independências de Amazonas (dia 5) e Brasil (7) – desta semana, a cidade servirá de palco para a aguardada estreia do técnico Tite diante da torcida brasileira, nesta terça-feira (6), na Arena da Amazônia, no duelo entre Brasil e Colômbia pelas Eliminatórias da Copa do Mundo 2018.

Dentro do estádio que custou mais de R$ 700 milhões, cerca de 40 mil pessoas empurrarão a seleção em busca da recuperação no torneio. A renda da partida com estrelas com Neymar e James Rodríguez deve superar a casa dos R$ 5 milhões. Tantos números e cifras, no entanto, escondem a face real do futebol na região amazônica.

Enquanto o time da CBF mobiliza quase 100 profissionais para um simples treino e tem mais de uma tonelada de equipamentos para uma atividade na Arena, clubes de Manaus sofrem e chegam a ficar sem água e bola por diversas vezes.

Convidado no último mês de agosto para treinar o Rio Negro durante o Campeonato Amazonense, o ex-jogador Dodô relatou o caos em sua aventura amazônica e explicou os motivos que o levaram a desistir do projeto após pouco mais de três semanas no estado.

“É algo muito amador, sem qualquer estrutura. Já sabia que não seria uma coisa farta ou parecida com outros lugares maiores, mas passei por situação em que não tinha água para refrescar os atletas nos treinos. E estamos falando de uma cidade quente. Foram vários dias assim. Cheguei a ficar sem bola. A experiência com bola foi até bacana, jogadores interessantes, um mundo novo. Mas a estrutura é complicada. E vi que é algo comum. Eu pedia, solicitava, implorava, mas não conseguia resolver”, contou o ex-atacante com passagens por seleção brasileira, São Paulo, Santos, Botafogo, Vasco, Fluminense e outros clubes.

Dodô chegou a comprar, do próprio bolso, materiais para treinar o time. "Era delicado. Até temos alguns campos para treinos e estádios, coisas construídas ou reformadas para Copa do Mundo e Olimpíadas. Mas nunca conseguíamos utilizar. É muita burocracia e custo para times que não têm condições de resolver isso. Eu não conhecia Manaus. Adorei o povo, eles gostam de futebol, mas precisam de mais atenção, não apenas obras e campos. São outros aspectos básicos. A situação é precária”, contou Dodô.

Consultado pela reportagem, o presidente do Rio Negro, Thalles Verçosa confirmou os problemas com Dodô e do time, mas se esquivou de explicar o caso.

“Eu não me meto muito nessa coisa de futebol. Somos um clube com outras atividades. Falta, às vezes, mais experiência no futebol. Estamos tentando acertar, mas é complicado”, comentou.

Responsável pelo futebol no estado, o presidente da Federação Amazonense, Dissica Tomaz Valério, reconheceu a situação delicada no esporte local. “São problemas que ocorrem em vários clubes”, lamentou.

“Não estamos parados. A seleção passa aqui, mas não muda muito. Estou negociando para ter até 5% da renda desse jogo da seleção, mas é difícil. E seria uma verba para manter a folha da Federação, fazendo com que os clubes não paguem nada a nós e se preocupem apenas com suas contas. Ainda brigo há algum tempo por um projeto do poder público investir em centros de treinamento. Ideia seria fazer dois ou três CTs, bem simples, a cada ano. Queremos investir na base e em estrutura, mas não é fácil”, argumentou o dirigente.

Ainda tentando explicar a dura realidade do futebol local, o presidente atribuiu às dificuldades financeiras dos times locais ao processo de globalização do esporte. “Antes, o povo local acompanhava os times da região e ajudavam os clubes a se manter. Hoje, só querem saber dos times de fora. Ligam a TV, tomam a cervejinha e casa e assistem campeonatos europeus. Não vão a estádios, não consomem, não geram receita”, disse Dissica, que fechou a última temporada com uma média de 300 torcedores por jogo nos campeonatos locais.

“Temos uma Arena, estamos até bem estruturados ali. Mas não temos interesse de público ou investimento. É triste, mas essa é a nossa realidade”, finalizou o dirigente.

Nesta terça, festa e uma doce ilusão com Brasil x Colômbia, na milionária arena. Na ressaca de quarta-feira (7), no mesmo palco, a realidade. O humilde campeonato segue sua tabela com Nacional x Manaus. No estádio da Colina, sem qualquer badalação, o humilde Rio Negro recebe o Nacional Borbense.