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Socos, pisoteamento e medo. Inquérito traz detalhes de invasão no SP

Protesto de torcedores no CT do São Paulo em agosto terminou em invasão e violência - Vinicius Laureano/arquivo pessoal
Protesto de torcedores no CT do São Paulo em agosto terminou em invasão e violência Imagem: Vinicius Laureano/arquivo pessoal

Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

29/09/2016 06h00

Um mês depois da invasão ao CT do São Paulo pelas organizadas no dia 27 de agosto, a Justiça, em decisão inédita, bloqueou bens de líderes da Independente e da Dragões da Real, principais torcidas do clube. O UOL Esporte teve acesso a todo o inquérito da invasão, que mostra a extensão dos danos, o clima de medo, as agressões e uma possível falha no esquema de segurança da Polícia Militar.

São Paulo pediu reforço um dia antes, e PM deixou o CT sem explicação

Na véspera do protesto, o São Paulo entrou em contato com a PM para solicitar segurança especial diante do risco de incidentes no sábado (27). Em troca de e-mails na manhã da sexta-feira, o gerente de futebol José Carlos dos Santos pede “o imprescindível apoio da Polícia Militar – Choque para evitar ocorrências que possam afetar a Ordem Pública, ocasionando desordens, tumultos e outros ilícitos, colocando em risco a integridade física (...) além de causar danos ao patrimônio público e privado”. A corporação confirma o recebimento.

O São Paulo então relata no processo que, no dia do incidente, dois tenentes do Choque chegaram ao CT às 9h, e participaram de reunião na qual receberam informações sobre a organizada, seus líderes e o protesto. Os policiais, então, deixaram o local, e só retornaram após a invasão – o clube pediu explicações, mas não teve resposte. O UOL Esporte solicitou esclarecimentos da PM desde o dia da invasão, mas também não teve resposta.

Laudos e boletins mostram que portão foi forçado, arrombado e danificado

Logo após a invasão, alguns líderes e vozes da oposição afirmaram que o clube abriu os portões de propósito para as organizadas – casos de Alex Bourgeois, ex-CEO do clube, e Ruy Barbosa, ex-diretor de marketing na gestão de Carlos Miguel Aidar. Os laudos e documentos do inquérito, entretanto, mostram versão diversa.

Além dos depoimentos dos diversos seguranças do clube, o próprio boletim de ocorrência afirma que houve arrombamento. Há ainda um laudo pericial que conclui que o portão foi aberto através do emprego de força excessiva, inclusive ficando com marcas das mãos dos torcedores. O motor foi danificado, e é um dos motivos dos bloqueios de bens dos torcedores.

Seguranças atropelados, jogadores encurralados e líderes coordenando ação

Uma vez aberto o portão, houve a invasão em massa (a PM estima que até 1500 pessoas participaram do protesto). Em depoimentos, um dos seguranças relata que foi chutado pelos torcedores; outro acabou sendo carregado pela multidão. Ainda segundo o relatório policial, os torcedores se posicionaram estrategicamente perto do vestiário, em um local do qual os jogadores não conseguiriam sair sem passar no meio da confusão.

Utilizando um misto de imagens do circuito interno do CT e feitas por pessoas que estavam no local, o investigador Celso Gonçalves Augusto indica que os líderes das torcidas organizadas coordenaram e comandaram todo o processo – seu relatório traz um passo a passo com imagens mostrando eles dando instruções e orientando a multidão.

Socos, pisões, tapas, ameaças e roubo de “troféus”

Dentro do CT, segundo relatos de seguranças, do coordenador técnico René Weber e do analista de desempenho Romildo Batista, ocorreram as agressões. Carlinhos foi agredido com socos na nuca e nas costas, Wesley estapeado, Michel Bastos recebeu tapas por trás. Os três, além de membros da comissão técnica, receberam vários pisões nos pés e chutes na região dos calcanhares.

Nesse momento foram roubadas 14 bolas, 10 camisas, seis squeezes e um cooler. O prejuízo total, sem contar os danos ao portão, foi de R$ 4.600. Um torcedor, chamado Iraldo Santos, foi detido pela polícia enquanto saía com uma bola, e disse aos oficiais tratar-se de um “troféu” da ação.

Envolvimento de Henri Castelli

Mesmo sem estar presente na invasão, o ator Henri Castelli prestou depoimento à PM – o artista gravou um vídeo na semana do incidente, convocando torcedores a protestar. Na gravação, usa palavras fortes, se refere à diretoria como “safados” e “vagabundos”, fala em “corrupção” e em “mostrar a esses vagabundos” – funcionários do São Paulo disseram à polícia que acreditam que o vídeo contribuiu para o alto número de pessoas. Aos policiais, Henri disse que estava no Rio de Janeiro no dia da invasão, e não quis, com o vídeo, incitar nenhuma violência. Disse que os ataques não se dirigiram a nenhuma pessoa específica, e quis apenas expressar descontentamento com o momento do clube e as últimas gestões. Também disse que acreditava que o protesto seria pacífico.

Ausência das principais vítimas e medo de represálias

Maiores vítimas das agressões, Carlinhos, Wesley e Michel Bastos não prestaram depoimentos – Michel, inclusive, apresentou renúncia expressa ao direito de oferecer representação contra seus agressores.

Os atletas até o momento não falam sobre o incidente, mas a reportagem apurou que, por trás do silêncio, pesa o medo de represálias. Wesley e Carlinhos tem atuado no time de Ricardo Gomes. Michel Bastos ficou de fora por cerca de 20 dias após o incidente, e, atualmente, está lesionado.