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1ª mulher a treinar a seleção pilotou até trator pra se manter no futebol

Emily Lima substitui Vadão, que chegou à semifinal da última Olimpíada - Eduardo Knapp-20.fev.2013/Folhapress
Emily Lima substitui Vadão, que chegou à semifinal da última Olimpíada Imagem: Eduardo Knapp-20.fev.2013/Folhapress

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

02/11/2016 06h00

A esta altura muita gente já sabe que a seleção brasileira feminina de futebol terá pela primeira vez, depois de 30 anos de existência, uma treinadora mulher. Mas pouca gente sabe o que Emily Lima, atual vice-campeã da Copa do Brasil e campeã paulista, passou para chegar até ali.

Paulistana, filha de um comerciante português, ela tem 36 anos e está no futebol desde o fim da infância – nos anos 90, foi volante de equipes como o São Paulo e chegou às categorias de base da seleção.

Convidada a atuar na primeira divisão da Espanha no início dos anos 2000, deixou o Brasil para viver o sonho de ser jogadora na Europa. O salário era suficiente para viver, mas não para viajar de férias para casa, e por isso Emily dividia seu dia entre treinos, jogos e diversos trabalhos que ela conseguia para complementar a renda.

Chegou a montar persianas e manufaturar caixas de vinho. Quando o clima cooperava, dirigia um trator em fazendas da região para ajudar na colheita. O clube garantia residência e alimentação, o dinheiro extra ela guardava para usar no Brasil.

“Ela é muito focada nos planos dela”, conta o irmão de Emily, o jornalista esportivo Weber Lima, com quem a futura treinadora da seleção começou a jogar bola. “Ela se dedicava realmente à vida de atleta, não saía à noite, nunca fumou, nunca bebeu e, como tinha um tempo livre de manhã, resolveu procurar trabalho. Aprendeu a dirigir trator e foi pra colheita.”

Emily - Rafael Ribeiro/CBF/Divulgação - Rafael Ribeiro/CBF/Divulgação
Emily foi a primeira mulher a chegar a uma equipe de base do Brasil, em 2013
Imagem: Rafael Ribeiro/CBF/Divulgação

Como volante, Emily se destacou na liga espanhola, e acabou sendo convocada à seleção portuguesa. Mais tarde, apontaria como o momento mais importante da carreira o dia em que estreou pela seleção do país onde nasceu o pai, que havia morrido anos antes.

Antonio, o pai de Emily, sempre esteve presente nos momentos importantes da carreira da filha, desde os primeiros jogos no dente-de-leite. Torcedor da Portuguesa, ele não frequentava tanto o Canindé, mas viajava pelo Estado para assistir aos jogos da filha.

A volante encerrou a carreira precocemente, antes dos 30, por conta de joelhos problemáticos. Como nunca esteve perto de ter uma profissão fora do futebol, ela logo decidiu se preparar para virar treinadora.

Muito estudo e inspiração em Guardiola

Emily é descrita como uma pessoa “muito estudiosa” por aqueles com quem já trabalhou. “Está sempre lendo sobre tática e métodos de treinamento, e sobre a vida e o trabalho de grandes técnicos como o [Pep] Guardiola”, afirma o ex-jogador Luiz Antonio Ribeiro, o Luizão, que foi auxiliar dela no Juventus da Mooca.

Em 2013, Emily se tornou a primeira mulher a comandar uma seleção de base brasileira, no caso a feminina sub-17. Convidou o amigo Luizão para trabalhar com ela. Em 2015, aceitou o convite da prefeitura de São José dos Campos (SP) para treinar o time local, tradicional no futebol feminino.

Com o São José, tornou-se a primeira treinadora mulher campeã do Paulista e chegou à final da Copa do Brasil, quando perdeu para o Audax-Corinthians, em Osasco (SP).

Emily Lima - Eduardo Knapp-20.fev.2013/Folhapress - Eduardo Knapp-20.fev.2013/Folhapress
Imagem: Eduardo Knapp-20.fev.2013/Folhapress

Também fez recentemente um estágio com o técnico Cuca do Palmeiras, atual líder do Brasileiro. No curso de treinadores que Emily frequentou na CBF, ela era a única mulher em uma turma de cerca de 50 homens.

Fabiana Rossetti, a supervisora do São José com quem Emily trabalhou na temporada 2016, descreveu como “um prêmio” sua contratação para o comando da seleção feminina, que ficou na quarta posição dos últimos Jogos Olímpicos, no Rio.

“Agora, que as mulheres realmente comecem a enxergar a possibilidade de ter uma carreira no futebol não só jogando bola, mas também como treinadora”, disse ela, que apontou o machismo resistente do meio como um obstáculo à ascensão feminina. “No futebol a mulher tem que provar todo dia que é competente, o machismo ainda existe. É automático que a pessoa ache que o futebol é um ambiente exclusivamente masculino.”

A indicação de Emily para o cargo é cercada de expectativas positivas, e as pessoas que conhecem seu trabalho de perto acreditam que ela tem tudo para dar resultados em campo. Fora dele, o marco histórico também é importante. “Essa é uma profissão que precisa ser percebida como da mulher também”, afirma Fabiana.