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Ex-lateral da seleção explica como sofreu com os egos da Inter de Ronaldo

Gilberto chegou à Inter de Milão em 1999, mas não foi bem no time italiano - AFP PHOTO/ CARLO FERRARO
Gilberto chegou à Inter de Milão em 1999, mas não foi bem no time italiano Imagem: AFP PHOTO/ CARLO FERRARO

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

16/11/2016 06h00

Ex-Flamengo, Cruzeiro, Vasco, Grêmio e Hertha Berlim, Gilberto, hoje já aposentado, teve sucesso praticamente em todos os clubes por onde passou. Em um deles, porém, o ex-lateral da seleção brasileira não conseguiu se adaptar. Jogou pouco e desperdiçou a oportunidade de ter uma carreira ainda mais sólida fora do Brasil. De acordo com o próprio jogador, que concedeu entrevista ao UOL Esporte, uma briga de egos entre algumas estrelas do time, como Ronaldo e Ivan Zamorano, teria sido um dos motivos de seu insucesso na Inter de Milão.

“Em 1999 eu tive a oportunidade de ir para a Internazionale de Milão, mas eu não me adaptei na Itália, fui muito mal. Eu não sei porque fui mal, fisicamente eu não estava mal, apesar de o idioma não ser tão difícil assim, mas eu cheguei no meio da temporada e a Inter não estava bem no campeonato, e tinha muita briga de ego. O Ronaldo Fenômeno estava jogando, mas estava meio machucado, aí tinha o Zamorano, tinha o Roberto Baggio, tinha o Pagliuca, tinha o zagueiro da seleção da Holanda, o Winter, era muita gente e muita gente querendo chamar a atenção, tanto é que o Zamorano jogava com a camisa 1+8, que dava 9, porque o Ronaldo jogava com a 9, e ele colocou 1+8 tipo: ‘ah, a 9 é minha’”, recorda Gilberto.

“Eu cheguei neste clima, e o Zé Elias também estava lá, eu lembro que eu me apresentei e o Zé Elias falou pra mim: ‘negão, fica aqui do meu lado e fica quieto aqui porque o bicho vai pegar hoje’, porque a Inter tinha perdido para o Bologna, isso no domingo, e eu cheguei na segunda-feira, e uma confusão, todo mundo gritando, discutindo, e eu sem entender nada. E eu só via gente esbravejando e gritando... Na verdade a Inter não vinha bem. Perdeu para a Lazio, perdeu para a Udinese e o jogo contra o Bologna, não pode perder, e isso gerou confusão. Eu lembro que o treinador da Inter era o Mircea Lucescu, e ele até gosta de brasileiros, mas as coisas realmente não aconteceram”, lamenta o ex-lateral da seleção.

O pedido de Amarilla

Depois de voltar da Itália e ter uma passagem de sucesso pelo Vasco da Gama, clube pelo qual conquistou a Copa Mercosul e o Brasileiro, em 2000, Gilberto desceu para o Sul e acertou com o Grêmio. Não conquistou nenhum título, mas, nas palavras do próprio jogador, viveu uma de suas melhores fases na carreira.

Lateral-esquerdo Gilberto treina na Toca da Raposa II (26-3-2011) - Washington Alves/;Vipcomm - Washington Alves/;Vipcomm
Imagem: Washington Alves/;Vipcomm
“No final de 2001 eu fui para o Grêmio. Comecei em janeiro de 2002 e na época [o técnico] era o Tite, e assim foi a minha redenção, porque eu joguei demais vestindo a camisa do Grêmio. O Tite me deu muita confiança... Em 2002 e 2003 foi o ápice da minha carreira, e eu cheguei à seleção brasileira vestindo a camisa do Grêmio. Não conquistei títulos, e quando o pessoal do Sul me liga eu até brinco, eu falo: ‘Pô, eu tenho uma dívida com a torcida do Grêmio’, porque eles me abraçaram muito, me deram muita moral e eu não consegui dar um título. Foi o único clube que eu passei e não ganhei. Eu lembro que fui muito bem na Libertadores pelo Grêmio”, recorda Gilberto, que em seguida conta um curioso caso ocorrido durante um jogo do torneio.

“Lembro que uma vez fui jogar na Libertadores e o Amarilla, o árbitro, me pediu a camisa. Ele falou: ‘Pô, você está jogando demais’, aí ele pediu a minha camisa e eu dei a camisa do Grêmio para ele. Depois jogando com a seleção brasileira, ele mesmo apitando alguns jogos, a gente tinha um relacionamento e ele me respeitava, ele via que eu estava jogando e não tinha problema com ele, eu até gostava dele. Quando a gente ia fazer um jogo da Libertadores e via que era Carlos Amarillia eu falava: ‘beleza’, porque ele deixava o jogo seguir, deixava fluir, não ficava parando, não discutia muito, quando tinha que dar cartão ele dava, independente de onde estivesse, qual time fosse, ele aplicava cartão vermelho no adversário. Às vezes tem árbitros caseiros que, jogando em casa, não expulsam ninguém, mas ele não, ele expulsava, então eu gostava quando era ele que ia apitar”, conta Gilberto.

Titular na Copa de 2006? Ele acha que poderia

A boa fase de Gilberto desde o Vasco, passando por Grêmio, São Caetano e Hertha Berlin, clube o qual defendeu entre 2004 e 2007, fez com que o lateral fosse lembrado por Parreira para a Copa do Mundo de 2006. Ele era reserva de Roberto Carlos, titular incontestável para o técnico e para muita gente. Mas não para Gilberto, que acredita que poderia ter tido mais chances ao longo do Mundial, até pela boa atuação do time no jogo em que foi utilizado.

Gilberto participa de treino da seleção um dia depois da estreia - Flávio Florido/UOL - Flávio Florido/UOL
Imagem: Flávio Florido/UOL
“Eu vejo assim: eu poderia jogar? Eu acho que poderia, mas no futebol tem essa coisa da confiança do treinador com o atleta também, e o Parreira tinha confiança tanto no Roberto Carlos, como no Cafu. Vou pegar o exemplo do Ronaldo Fenômeno. De repente, se ele estivesse mal, é o Ronaldo, você sabe que em um lance o cara pode decidir. Eu já vi o Romário decidir ao tocar duas vezes na bola durante o jogo e fazer dois gols, então tem essa questão da confiança do treinador que você não pode menosprezar. Por mais que o cara esteja mal, e não estou dizendo que estava, mas era o Roberto Carlos. Pô, numa falta ele pega e pode colocar na gaveta, ou um chute de fora da área, e o Gilberto nunca jogou uma Copa do Mundo, então tem muito isso”, diz Gilberto, para depois deixar mais clara a sua opinião.

“Agora, do outro lado, era o meu momento, eu estava muito bem na Alemanha. A gente jogou contra o Japão, em Dortmund, eu fiz um gol. Antes, nos dois primeiros jogos, nós fomos muito bem, e o Parreira, contra o Japão, poupou alguns jogadores, entre eles o Roberto Carlos, e eu joguei. O grupo era muito bom, era o meu pensamento: ‘Esse grupo aqui vai ser campeão do mundo, com certeza’. Já tinha sido campeão em 2002 e montou um grupo forte para 2006, e falei para mim: ‘esse grupo vai ser campeão, só espero que o time ganhe as duas primeiras e que o Parreira dê chance para gente jogar no terceiro jogo, porque eu sei que vai ser difícil ele colocar a gente para jogar’, e foi isso que aconteceu”, disse.

Depois de o Brasil vencer a Croácia (1 a 0) e a Austrália (2 a 0) nos dois primeiros jogos da fase de grupos, Parreira resolveu fazer algumas alterações na equipe para o duelo da terceira e última rodada, contra o Japão. Gilberto foi um dos escolhidos, fez até gol e a seleção teve uma apresentação praticamente perfeita diante dos asiáticos. Mas não o suficiente para convencer Parreira de que o time das duas primeiras rodadas precisava ser alterado.

“O Brasil venceu os dois primeiros jogos e, contra o Japão, o Parreira me colocou. Estávamos perdendo e viramos o jogo pra 4 a 1, e todo mundo disse: ‘foi o melhor jogo que a seleção fez’, mas é aquele negócio: você tem que respeitar a cabeça do treinador. Eu respeito o Parreira, mas eu penso que eu deveria ter jogado, ter entrado contra a França [quartas de final], sei lá, contra Gana [oitavas], mas agora não dá para lamentar mais. Contra o Japão, o Parreira poupou o Cafu, Roberto Carlos o Emerson, e colocou o Gilberto Silva, Juninho Pernambucano e eu, fez um time mesclado, e o time rendeu muito, jogou demais”, recorda o ex-lateral.

Bagunça e preparação malfeita em 2006

Para a seleção de Parreira, a Copa do Mundo de 2006 terminou com uma derrota por 1 a 0 para a França, nas quartas de final, gol de Henry. Para Gilberto, sobrou bagunça, e faltou foco.

“Na verdade, foi uma preparação malfeita. Foi muita festa que teve lá... Festa que eu digo é muito oba oba para a seleção brasileira, porque era a última campeã, era a atual seleção campeã do mundo. Teve um jogo treino contra o sub-17 do Fluminense, depois um jogo um combinado contra Lucerna e tiveram 15 mil pessoas. Depois entraram mulatas, samba, era uma bagunça total, era uma falta de organização muito grande para a competição que era, precisava de uma concentração maior e é óbvio que os jogadores acabam entrando na onda também. Você fica ali, aquela festa, você tem que atender todo mundo, se não atender é mal visto: ‘olha lá, o cara é marrento’. Então a gente acabava participando indiretamente e não teve foco para a conquista”, completa Gilberto.