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Família de Caio Ribeiro dava lições de etiqueta a atletas do SP dos anos 90

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

05/12/2016 06h00

O atual comentarista da Globo Caio Ribeiro Decoussau era um jogador diferenciado no início da carreira, a começar pelo nível socioeconômico de sua família. Diferentemente da maioria dos boleiros que jogavam no São Paulo no início dos anos 1990, Caio era filho de um médico dono de um importante laboratório na capital e morava em uma casa considerada uma mansão pelos outros atletas.

Um de seus melhores amigos daquela época, Toninho, que também jogava de atacante, lembra os bons modos de Caio e como eles contrastavam com os da maioria dos outros são-paulinos.

“Jogador é tudo largado”, lembra o amigo, “mas o Caio era o cara que limpava a boca depois que comia, nunca falava palavrão, sempre foi muito educado.” Como a família Decoussau morava perto do Morumbi, o atacante sempre convidava os colegas para passar as tardes junto de seus pais. Nessas tardes e em festas dadas pela família, os são-paulinos aprenderam muita coisa com os pais de Caio, Dorival e Nara Decoussau.

“A tia [Nara] sempre me ensinava como sentar à mesa, como andar, como sair dos lugares, como entrar, como guardar dinheiro, como falar melhor”, diz Toninho. “São lições que a gente leva para vida. Sou muito grato a eles por tudo que me ensinaram.”

Craque, riquinho e bonito: a vida de Caio Ribeiro na base

Foi o próprio Toninho quem inventou um apelido que colou em Caio em seus primeiros anos no Morumbi: “Riquinho”, uma referência a um popular personagem de desenhos e filmes dos anos 90. Em uma reportagem da revista “Placar”, de 1995, o atacante de 19 anos era descrito como “Craque, rico e bonito”.

Hoje comentaristas, Caio Ribeiro e Denílson treinam pelo São Paulo em 1995 - FSP - FSP
Hoje comentaristas, Caio (e) e Denílson treinam pelo São Paulo em 1995
Imagem: FSP

“Ele levava na esportiva, até porque, apesar de ter uma condição de vida melhor, nunca colocava o dinheiro na frente, nunca esnobava ou tratava mal ninguém. Ia para favela, comia o mesmo que todo mundo, falava com tudo mundo”, afirma Toninho.

“Ele era o boyzinho da turma”, comenta o lateral Pavão. “A gente pegava dois ônibus pra ir treinar, e ele já tinha carro, um Kadetti, quando ninguém mais tinha.” Convidado para festas como a de aniversário de 18 anos de Caio, Pavão era um dos mais impressionados com a casa da família.

“Todo mundo não via a hora de ir na casa dele. Eu que morava num predinho, numa casinha humilde, adorava ir lá. Casona boa, piscina, tudo. Pra nós era uma mansão, uma casa muito fera. Todo mundo queria andar com o Caio porque ele era muito gente boa.”

Caio ajudava amigos e fazia sucesso com mulheres

Toninho lembra que Caio sempre dava um jeito de ter seus amigos por perto, mesmo quando seguranças de balada tentavam impedir os outros jogadores de entrar.

“Ele tem uma resenha boa, uma carinha boa, e sabia debater bem, conversar bem. Era sempre muito educado”, disse Toninho. “Então quando queriam barrar a gente, ele era o primeiro que assumia a situação, trocava uma ideia com os seguranças e dava um jeito.”

Amaral faz exercícios na seleção olímpica ao lado do ex-atacante e atual comentarista de TV Caio Ribeiro  - Folha Imagem/Arquivo - Folha Imagem/Arquivo
Imagem: Folha Imagem/Arquivo

“E era rápido demais. Lembro uma vez no avião, quando tinha uma aeromoça que todo mundo estava olhando. Um de nós tentou se aproximar e quando viu ela já tinha dado o telefone pro Caio”, conta Toninho.

Caio era o campeão de cartinhas enviadas por fãs. À “Placar” de 95, ele dizia que recebia 50 cartas por semana, e que uma fã havia invadido a sala de fisioterapia do clube atrás dele.

“Expressinho” marcou época sob comando de Muricy

No começo dos anos 90, o time principal do São Paulo, capitaneado por gente como Raí e Cafú, estava ganhando tudo, o que dava chance para jogadores jovens mostrarem serviço em outros torneios. A geração de Caio Ribeiro e Rogério Ceni já havia sido campeã da Copa São Paulo de Juniores em 1993, e um time com a mesma base, batizado de “Expressinho Tricolor” e comandado por Muricy Ramalho, venceria a Copa Comenbol de 1994.

Mas, além do lado esportivo, deixa saudade nos jogadores da época a amizade forjada nos vestiários. Jamelli, autor de três gols na final da Copa São Paulo contra o Corinthians, lembra da personalidade extrovertida de Caio na base.

“Ele sempre foi muito brincalhão e fazia piada com todo mundo”, disse. “Ganhou um carro do pai antes de ter a carta [habilitação]. Eu tinha a carta, mas dirigia um fusquinha sofrido. Por algum tempo eu deixava o Fusquinha em casa e saíamos com o carro dele, que era bem melhor. A gente ia pra praia, pro shopping, pra fazenda da família dele no interior, comer uma esfirra...”

Rachas e o dilema de largar o futebol e ter uma vida comum

O pai de Caio, o médico Dorival Decoussau, se tornou conselheiro vitalício do São Paulo e chegou a se envolver na diretoria do clube. Ele conta que durante a adolescência o filho viveu o dilema que muitos jovens jogadores sofrem: dedicar a vida ao futebol ou tentar uma carreira comum?

“Um dia tivemos uma conversa bastante responsável”, relembra o médico, “na qual ele me perguntava: ‘Pai, o que eu devo fazer?’ Eu não sabia. Vida de jogador é difícil, e ele podia ter seguido outra carreira. Eu perguntava se ele estaria disposto a um dia ter que ir a um time menor, jogar no interior. Aí veio a proposta da Inter de Milão, que financeiramente era indiscutível, e ele aceitou.”

Caio Ribeiro e Roberto Carlos foram companheiros na Internazionale de Milão - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Imagem: Reprodução/Twitter

Antes, ainda adolescente, Caio havia passado no vestibular para administração de empresas e chegou a conciliar os estudos acadêmicos com os treinos. Ao todo, ficou apenas dois anos como profissional do São Paulo e jogou menos de cem vezes antes de partir pra Itália. Lá atuou pela Inter e pelo Nápoli, sem nunca ter mostrado todo o futebol que aparentava ter no começo.

O amigo Toninho lembra outro episódio no qual se pode perceber um Caio Ribeiro ainda jovem, caminhando sobre a fronteira da adrenalina com a irresponsabilidade:

“Teve um dia que a gente estava voltando pro CT e apostou um racha. Eu tinha um Escortinho e passei, ganhei dele. Ele veio atrás pulando lombadas e mais lombadas, depois arrebentou o carro todo, as molas todas, o carro ficou todo batido. Ele disse para mãe dele que não sabia o que tinha acontecido e que tinha emprestado o carro para um amigo.”

Depois de se aposentar dos campos, Caio fez um curso e gestão esportiva e virou comentarista meio por acaso. “Ele nunca se preparou propriamente para isso, mas como se comunica muito bem, começou a adorar a profissão”, afirma o pai. Hoje, Caio faz parte da equipe principal de comentarista da Globo de São Paulo.