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Zago sonha em 'desbravar' Europa, mas vê técnicos brasileiros atrasados

Antônio Carlos Zago sonha com oportunidade de treinar um grande na Europa - Ricardo Duarte/Divulgação SCI
Antônio Carlos Zago sonha com oportunidade de treinar um grande na Europa Imagem: Ricardo Duarte/Divulgação SCI

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

22/05/2017 04h00

Antonio Carlos Zago tem um sonho: treinar um grande clube na Europa. E não trata isso apenas como uma esperança distante, se preparou para tal. Mesmo tendo iniciado sua carreira como técnico pouco depois de se aposentar, foi humilde ao saber que necessitava aprender. Deu passos atrás, virou auxiliar na Roma e no Shakhtar Donetsk, e só então se enxerga capacitado a comandar uma grande equipe no Brasil, para posteriormente atingir o alvo mais alto.

O Inter não é o primeiro gigante brasileiro que Zago assume como treinador. Depois de ser dirigente do Corinthians, ele comandou o Palmeiras. Considerou o trabalho satisfatório, mas é consciente que não estava pronto para tamanho desafio.

Hoje Antonio Carlos acredita que os treinadores brasileiros ainda estão atrás dos estrangeiros. Mas crente na nova geração - da qual se considera parte - antevê voos mais altos para os comandantes de campo do país do futebol.

Confira a segunda parte da entrevista exclusiva concedida pelo técnico do Inter ao UOL Esporte.

UOL: Depois de ser atleta, você começou como dirigente no Corinthians... Como foi a escolha por mudar depois e virar treinador?
Zago
: Depois dos 30 anos, eu comecei a sonhar em ser treinador. A questão de ser dirigente, eu atendi a um pedido de um grande amigo, o Andrés Sanches (ex-presidente do Corinthians). Somos amigos de infância, trabalhamos juntos no Ceasa de Campinas. Eu carregando caixa, ele vendendo plástico. Eu com 16 anos, ele com 17. Eu tive uma lesão de cruzado e ele fez o convite, perguntou se eu queria. Eu falei que pretendia ser técnico, mas ele disse que para isso teria que ter mais experiência. E assim surgiu. Aceitei. O presidente do Santos queria que eu renovasse contrato por lá. Mas aproveitei o gancho e fui para o Corinthians. Mas sempre tive em mente me aperfeiçoar, me tornar treinador.

UOL: E logo no começo da sua carreira teve chance de comandar um grande time, o Palmeiras. Era um pouco cedo, na sua opinião?
Zago
: Era cedo. E também eu não tinha o preparo e a experiência que tenho hoje. Treinadores têm que passar por etapas antes de pegar um grande do futebol brasileiro ou mundial. Eu acabei colocando o carro na frente dos bois. Fui para o Palmeiras em uma época diferente de hoje, o clube não vivia um bom momento. Tanto que no fim daquele ano caiu para Série B. Acabou contribuindo para não ter dado certo naquele momento. Se você ver a porcentagem, eu tinha 59% de aproveitamento de pontos conquistados. O trabalho era bom. Mas o momento não permitia um técnico inexperiente como eu era.

UOL: E você resolveu dar um passo atrás na carreira em seguida, não é? Foi para Europa...
Zago
: Passei por mais alguns clubes em São Paulo. Entre eles o Audax. E um dia me ligaram da Roma para perguntar sobre o Bruno Peres (que hoje defende o clube italiano). Ele era meu jogador no Audax. Pela boa relação que eu tinha (Zago foi atleta da Roma entre 1998 e 2002) o Sabatini (Walter, dirigente) me ligou. Falamos sobre algumas coisas e ele perguntou se eu não queria ir para Itália, trabalhar lá, fazer cursos. Eu disse que era meu sonho. Ele avisou que eu não poderia ter contrato de auxiliar logo de cara porque para isso teria que ter feito os cursos. Mas fui, fiz o curso da UEFA, trabalhei como auxiliar na Roma. Depois mudou o técnico e o Lucescu (Mircea, atual técnico do Zenit, da Rússia) me chamou para trabalhar no Shakhtar (Donetsk, da Ucrânia). Eu fui, mas segui fazendo os cursos na Itália. Ia e voltava, até concluir.

UOL: Pela sua experiência na Europa, você acha os técnicos de lá mais preparados que os do Brasil?
Zago
: Eu tenho certeza que os técnicos lá estão mais preparados. Por ter esta facilidade dos cursos que tem lá, talvez por terem mais interesse em estudar, uma cultura diferente da nossa no Brasil. Estão melhor que nós, sim. Nos últimos anos o nível dos nossos treinadores vem crescendo, o pessoal buscando se atualizar. Acho que um dia chegamos lá.

UOL: O Lucescu, que trabalhou com você, é um técnico que se caracterizou por levar jogadores brasileiros muitos jovens para Ucrânia, para completarem a base lá. Você acha que isso é bom para o futebol brasileiro ou mesmo para os jogadores?
Zago
: Depende do técnico que se trabalha lá. Se for o Shakhtar, um clube que ama o futebol brasileiro e seus jogadores, tem uma paciência impressionante com jovens brasileiros... Às vezes o jogador é mau acostumado no Brasil, muito bajulado, e lá fora é bem mais profissional. Ele aprende essa nova etapa na carreira. Eu acho que quanto mais se ficar aqui para se preparar, é importante para o nível do nosso campeonato. Mas se o jogador tem a oportunidade de sair, com um técnico como o Lucescu, que gosta de brasileiros, é importante também.

UOL: Você começou como técnico há bastante tempo. Mas 'recomeçou' a carreira depois. Por isso, se considera da 'nova geração' de técnicos do Brasil?
Zago
: Eu acho importante ter vivido os dois períodos. Comecei em 2009. E desde lá mudou muito. Isso me ajuda com experiência. Tenho os dois lados. A época antiga, onde os treinos eram diferentes, até hoje, que se tem a ideia de traçar uma metodologia e implantar isso no clube. É o que eu me encaixo mais, este perfil atual. Mas eles (técnicos da atual geração) são mais jovens do que eu. Fiz 48 anos anteontem (Zago atendeu a reportagem do UOL Esporte na sexta-feira), estou com quase 50, eles com 40. Eu sou um intermediário entre a antiga e a nova geração.

UOL: Por essa experiência que você já teve, acha que pode desbravar este mercado da Europa para técnicos do Brasil?
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: Objetivo, desejo, obsessão. É muito difícil chegar a um nível top do futebol europeu. Um Real Madri, Barcelona, Bayern, mas se sonha. Já ficaria contente em treinar um Besiktas, na Turquia, que é um dos grandes do país. Talvez o Shakhtar... É uma entrada mais fácil para chegar nos grandes centros. Então, assim, eu tenho este sonho. Este desejo de retornará Europa e dirigir um grande clube.

UOL: Você acha que a imagem do futebol brasileiro ficou muito arranhada com a Copa do Mundo de 2014 e o 7 a 1?
Zago:
Eu acho que já estava um pouco arranhada antes dos 7 a 1. Foi o final de tudo que vinha acontecendo. Mas depois do Mundial de 2014, aqui os jogadores ficaram mais profissionais, os treinadores procuraram estudar mais, os diretores também. A imprensa também está vendo futebol de uma forma diferente. Antes era só entra aquele, não entrar este. Hoje temos jornalistas que analisam a parte tática, como o time está jogando. Foi um crescimento muito grande.

UOL: Quando você foi apresentado pelo Inter, você citou o caso de racismo ocorrido quando você atuava pelo Juventude antes mesmo de ser perguntado sobre isso. De onde partiu a intenção de falar sobre este tema?
Zago:
Eu sou assim. Na minha vida particular, sou um cara muito simples. Vim dar entrevista de chinelo, porque é assim que eu sou. Seja com o presidente da república ou o João do boteco de Dourados. Sou simples, tenho um coração imenso, sempre procurei ajudar as pessoas que precisassem. Tive uma ótima educação da minha família, mesmo em cima de muitas dificuldades. As pessoas tentam pegar como exemplo até hoje, mas foi algo que aconteceu dentro de campo. Às vezes ali se tem um segundo de bobeira e comete-se erros. Eu cometi. Mas o mais importante é a minha consciência, os meus amigos da raça negra sabem a pessoa que eu sou. E as pessoas que estão comigo são as mais importantes. Fico chateado porque ainda tem sempre um ou outro comentário. Não digo da imprensa, mas muitas vezes de alguns torcedores que não me conhecem e às vezes ainda falam disso.