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Capitães da Série A topam acabar com direito de imagem no futebol nacional

Antigo Bom Senso se articula em torno do Clube dos Capitães e trata do assunto  - Guilherme Costa/UOL
Antigo Bom Senso se articula em torno do Clube dos Capitães e trata do assunto Imagem: Guilherme Costa/UOL

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

24/05/2017 04h00

A relação contratual de clubes com jogadores de futebol no Brasil pode mudar drasticamente. Com anuência de alguns dos principais líderes de equipes nacionais, a Comissão Especial sobre Reformulação da Legislação do Esporte admitiu incluir em projeto de lei a extinção do direito de imagem, acordo celebrado entre as partes para que instituições possam explorar comercialmente a marca de seus empregados. A proposta pode repercutir até no registro de atletas feito pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

A discussão sobre o direito de imagem no futebol brasileiro é antiga e tem relação com o uso desse mecanismo para fraudes tributárias. No país, tornou-se praxe que a remuneração de jogadores seja dividida e que apenas uma parte seja registrada como salário, com os descontos previstos a um contrato regido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Ainda não existe uma previsão de quando a Câmara votará o texto da Comissão Especial sobre Reformulação da Legislação do Esporte, presidida por Andrés Sanchez (PT-SP). O grupo de trabalho foi criado em 2015 e já apresentou um texto que propõe alterações na Lei Pelé (9.615/98) e no Estatuto do Torcedor (10.671/03), além de estabelecer normas gerais sobre relações trabalhistas, regime de tributação e formação de atletas.

O grande avanço, contudo, é que existe uma sinalização positiva dos jogadores que mais recebem no país. Isso é significativo porque essa seria a fatia que mais perderia com uma mudança na legislação – por terem remunerações maiores, os integrantes desse grupo arcariam com uma tributação mais alta ao incrementar quantias registradas como salário.

A mudança na legislação foi tema de debate no “Clube dos Capitães”, grupo de WhatsApp criado pela Fenapaf (Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol), que tem sido responsável por articular com atletas e parlamentares. Com a anuência dos principais líderes de equipes nacionais, a expectativa da instituição é ter mais facilidade para levar o assunto a outros jogadores.

“Quem tem credibilidade convence mais facilmente. Tem atleta que está sendo preso e teve patrimônio inviabilizado porque achou que ia dar nó na Receita Federal. Jogadores brasileiros deixaram times no meio de contratos para não precisarem pagar impostos em outros países. Tem brasileiro que não entra na França para não ser preso”, disse Felipe Augusto Leite, presidente da Fenapaf.

Segundo o dirigente, a proposta foi apresentada no fim do ano passado à CBF, que aquiesceu. A ideia levada à entidade que comanda o futebol em âmbito nacional foi a exigência de que a carteira de trabalho seja registrada para validar inscrições no BID (Boletim Informativo Diário, que determina quais são os nomes aptos a participar de jogos). Assim, times e jogadores precisariam expor todos os valores envolvidos nos vínculos empregatícios. A implantação, no entanto, ainda depende de viabilidade técnica.

Entre os juristas, ainda há divisão sobre o tema - sobretudo porque o fim do direito de imagem suporia um modelo que alguns consideram contraproducente. Sem um pagamento generalizado, clubes e empregados teriam de celebrar acordos pontuais sempre que pretendessem fazer qualquer uso comercial de um atleta (um produto, um comercial ou uma campanha institucional, por exemplo).

Segundo dados da Receita Federal, um grupo com pelo menos 250 atletas brasileiros acumulou dívidas fiscais superiores a R$ 420 milhões no país entre 2003 e 2016. Autuações e correções somaram R$ 39 milhões apenas no ano passado, de acordo com o jornal “Folha de S.Paulo”.

Entretanto, de acordo com artigo do advogado Pedro Trengrouse e do economista José Roberto Afonso, os atletas formaram a categoria mais tributada do Brasil em 2015. Eles apontam alíquota média efetiva de 20,7% na classe, muito acima dos 7% da média geral nacional. O texto ainda lembra que rendimentos isentos e não tributáveis responderam por 31% de toda a renda declarada no país em 2015. Foram R$ 736 milhões em doações, heranças, ganhos de capital e juros de caderneta de poupança, por exemplo.

“Existe um fenômeno acontecendo no Brasil que transfigura o trabalho em capital. Significa dizer que é cada vez maior o número de pessoas que em vez de vínculo empregatício celebra contratos por meio de empresa. O contrato de imagem foi uma saída que o esporte encontrou para evitar a oneração excessiva de sua folha. O Brasil tem a folha salarial mais cara do mundo, com o maior número de encargos. Todo mundo que pode estruturar uma relação de trabalho por meio de sua empresa tem feito isso. Por que só no futebol não poderia?”, questionou Trengrouse.

Em agosto de 2015, a lei 13.155 estabeleceu um novo paradigma para essa questão trabalhista no esporte. Segundo o texto, o direito de imagem não pode ultrapassar 40% da remuneração total do atleta, limite criado para coibir ou reduzir práticas fraudulentas.

Atualmente, o Congresso tem dois projetos que propõem alterações no sistema de contratos de jogadores de futebol. Além da discussão sobre o tema na Câmara, tramita no Senado a Lei Geral do Esporte, que se pretende um mecanismo para dirimir sobreposições da atual legislação nacional na área.