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São Paulo celebra 25 anos da primeira Libertadores, e o Brasil agradece

Os campeões mundiais Muller, Raí, Palhinha e Ronaldão  - Bruno Thadeu/UOL
Os campeões mundiais Muller, Raí, Palhinha e Ronaldão Imagem: Bruno Thadeu/UOL

Bruno Grossi*

Do UOL, em São Paulo

17/06/2017 04h00

Zetti mal havia terminado uma de suas mais emblemáticas defesas da carreira. Nem sequer comissão técnica e elenco haviam conseguido se juntar para comemorar em campo. O gramado do Morumbi, entretanto, já era território tomado pela torcida do São Paulo. A Copa Libertadores da América de 1992, antes tratada como “porcaria” por Telê Santana, entrava para a história do clube e mudaria o rumo do futebol brasileiro na competição.

“Aquela invasão da torcida, aquela festa, nosso time, tudo isso fez com que outros times do Brasil passassem a desejar mais a Libertadores, pela repercussão que nossa conquista ganhou. Definitivamente, foi um marco”, relembra o então diretor de futebol  Kalef João Francisco. Até aquela noite de 25 anos atrás, em 17 de junho, eram apenas cinco títulos de equipes brasileiras na Libertadores, contra 15 dos argentinos. No último quarto de século, o número saltou para 17, contra 24 de clubes da Argentina. Ou seja, vitória verde e amarela por 12 a 9 no período.

A contagem das taças serve como prova da mudança de mentalidade, bem como o relato de dirigentes da época de clubes rivais. Pouco depois da festa pela conquista da América no Morumbi, o Palmeiras passava a sonhar alto ao fechar parceria com a Parmalat. O responsável por gerir o projeto milionário era José Carlos Brunoro. Da torcida e dos dirigentes alviverdes, ouvia que o principal objetivo era sair da fila de quase 17 anos sem títulos. Não importava como. O dirigente, porém, tinha ambições próprias: “A ideia era encerrar a fila em até três anos e conseguimos antes, em 1993 com o Campeonato Paulista. Só falavam nisso no clube. Para mim, ainda era preciso igualar o São Paulo em termos organizacionais e de estrutura para, depois, crescer a ponto de conquistar a Libertadores e disputar um Mundial."

Brunoro, hoje executivo do Desportivo Brasil, também vê o feito tricolor em 1992 como essencial para a modernização do futebol brasileiro. Foi como um estalo para que os rivais se preocupassem e até para que clubes mais modestos sonhassem alto. “Todos passaram a ter a Libertadores como sonho de consumo. Falar em Projeto Tóquio tornou-se um padrão. Tanto para dirigentes quanto para torcedores, mesmo de equipes pequenas. Todos passaram a se importar com internacionalização da marca, até em países que não tinham tanta força na América do Sul, porque viram o que gerou ao São Paulo enfrentar e derrotar um europeu (o Barcelona) no Mundial. Foi um marco”.

No São Paulo, que em 1974 já havia sido vice-campeão, a Libertadores voltou a ter força na metade final da década de 1980. Sob o comando do então presidente Carlos Miguel Aidar, que voltaria em 2014 para uma gestão manchada por denúncias de corrupção e um pedido de renúncia, o clube lançou o audacioso Projeto Tóquio, que tinha como objetivo a conquista do Mundial de Clubes, no Japão. O plano ganhou força com o título do Campeonato Brasileiro de 1986, mas aos poucos esmoreceu diante da venda de jovens formados no Tricolor e até do pouco interesse daquele que seria o símbolo são-paulino no bicampeonato de 1992 e 1993 na Libertadores.

Telê Santana já havia amenizado a fama de pé-frio com o Brasileirão de 1991, um ano após ser vice contra o Corinthians. O futebol bonito de seu São Paulo era elogiado e contrastava com as dificuldades e a violência impostas pela Libertadores. Viagens que apertavam o calendário – os tricolores chegavam a jogar a cada dois dias – e adversários desleais. Assim, a estreia em 1992 foi marcada por um revés por 3 a 0 para o Criciúma em Santa Catarina e pela decisão dos dirigentes: o foco principal passaria a ser a Libertadores. “Vimos que os jogadores e a comissão técnica sentiram muito esse jogo contra o Criciúma e decidimos que seria preciso uma resposta. Todos éramos muito unidos e fomos juntos até o fim acreditando no título. Jogávamos como campeões”, disse Kalef.

O prêmio da mudança de mentalidade, do projeto a longo prazo iniciado cinco anos antes, veio na decisão contra o Newell’s Old Boys. Derrota por 1 a 0 em Rosário, vitória por 1 a 0 no Morumbi. Decisão por pênaltis, título e mudança de patamar. O São Paulo passou a ser exemplo de gestão, planejamento e até de logística, pelas práticas implantadas pela comissão técnica de Telê Santana.

Kalef João Francisco teve de se acostumar com insistentes ligações de cartolas de outros clubes buscando informações sobre a Libertadores. A maioria dos pedidos, recorda, tinha ligação com a logística para encarar viagens longas, principalmente em jogos na altitude. O São Paulo tornou-se referência por testes simulados de ar rarefeito e pelo planejamento de chegar às cidades mais altas logo antes das partidas, amenizando os efeitos da altitude. “As pessoas procuravam o Turíbio (Leite de Barros, fisiologista) o tempo todo. O trabalho dele foi muito importante para que o time aguentasse a maratona de jogos e as dificuldades de La Paz e Oruro, na Bolívia)”, conta.

Embora tivesse o São Paulo como exemplo, José Carlos Brunoro precisava buscar outros meios de conhecer as práticas bem-sucedidas. Ao contrário de outros clubes que procuravam o Tricolor e eram recebidos com paciência, o Palmeiras mantinha relação de rivalidade forte, com clássicos marcados por brigas entre jogadores e comissão técnica. Era o duelo das potências do início da década de 1990. “Ninguém queria me receber na época (risos), então não dava muito para conversar, mas sem dúvida o São Paulo serviu para todos crescerem”, brinca Brunoro.

A visão é compartilhada também por quem faturou a Libertadores antes da primeira taça tricolor. Nunes, centroavante do Flamengo campeão em 1981, lembra que o time liderado por Zico poderia ter mais títulos do torneio se o levasse mais a sério: “A Libertadores era mais difícil do que hoje. Tínhamos alto nível, mas não éramos imbatíveis. Depois, certamente o título do São Paulo foi um marco, como o Santos havia feito nos anos 1960”.

TÍTULOS BRASILEIROS NA LIBERTADORES ANTES DE 1992
1962 – Santos
1963 – Santos
1976 – Cruzeiro
1981 – Flamengo
1983 – Grêmio

TÍTULOS BRASILEIROS NA LIBERTADORES DEPOIS DE 1992
1992 – São Paulo
1993 – São Paulo
1995 – Grêmio
1997 – Cruzeiro
1998 – Vasco da Gama
1999 – Palmeiras
2005 – São Paulo
2006 – Internacional
2010 – Internacional
2011 – Santos
2012 – Corinthians
2013 – Atlético-MG

*Colaborou José Eduardo Martins