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Arena secreta: Corinthians omite dados de Fiel Torcedor, auditoria e Caixa

Dassler Marques

Do UOL, em São Paulo

21/07/2017 04h00

Marcada por dificuldades, a gestão da Arena Corinthians por parte do presidente Roberto de Andrade esbarra na falta de transparência em vários aspectos. Localizado no site oficial do estádio, o item "transparência", que deveria trazer informações importantes para torcida e imprensa, não é atualizado com as contas desde março de 2016. Não é um esquecimento ocasional.

O reparcelamento com a Caixa Econômica Federal, a relação com a parceira Omni, o programa Fiel Torcedor, a saída da empresa gestora do Fundo de Administração que não se confirmou, um possível acordo para rescisão com a Odebrecht... A lista de problemas é longa e causa questionamentos. Em geral, poucas ou nenhumas perguntas sobre o assunto são respondidas pela gestão Roberto de Andrade, eleito justamente pelo grupo político que leva "Renovação e Transparência" no nome.

"Tudo o que diz respeito à gestão [da Arena] está sendo muito questionado. Você ouve questionamentos sobre ingressos, sobre acesso, sobre a Omni, sobre tudo", reclama Roque Citadini, candidato pela oposição e membro da auditoria interna realizada pelo Conselho Deliberativo do Corinthians no estádio.

"Infelizmente, o aspecto transparência foi relegado a um segundo plano na gestão atual", protesta Raul Corrêa da Silva, diretor financeiro das últimas duas gestões e que divide a mesma auditoria do Conselho. "O que a mídia cobra de informações do clube e da Arena poderia tranquilamente figurar no site oficial do clube. (...) Estamos no século 21 e temos uma regra muito clara que se aplica a qualquer atividade: sem transparência, não existem negócios", afirma.

Presidente anunciou saída de parceira. Mas ela não saiu

arena corinthians - Rodrigo Coca/Estadão Conteúdo - Rodrigo Coca/Estadão Conteúdo
Imagem: Rodrigo Coca/Estadão Conteúdo

Mencionada por Citadini, a empresa Omni concentra uma parte grande das reclamações. Ela é responsável, além de todo o programa Fiel Torcedor, pela maior parte dos contratos referentes ao estádio: administração da Arena e controle de bilheteria e estacionamento. Este último, em especial, é uma batalha por enquanto perdida por Roberto de Andrade.

Há cinco meses, o presidente anunciou, por meio de nota oficial, que havia rescindido o acordo que permitia à Omni operar o espaço. Anunciou, ainda, que a empresa especializada Indigo iria assumir a propriedade por quatro anos, o que amarrava esse contrato para o próximo mandatário. Até hoje, porém, é a Omni quem controla o estacionamento.

Sem habilitação para executar esse serviço, a parceira chegou a receber multas da prefeitura de São Paulo, o que levou Andrade a se decidir pelo rompimento do contrato. A Omni, porém, fez valer o acordo, persistiu e segue no estacionamento da Arena. Nunca houve qualquer tipo de nova comunicação ou declaração do Corinthians sobre o caso. Quando procurada pela reportagem, a Omni também se calou.

"A Omni ampliou tanto as atividades dela que não sabe bem onde isso começa e onde termina. É uma questão que precisa ser resolvida. A ideia que o clube colocou na construção do estádio é que seria gerido por empresa de grande relevância. Citaram empresas americanas que administram estádios. No fim, essa parte acabou esquecida e ficou com a Omni, uma empresa até onde sei só trabalha com o Corinthians. Não sabemos porque ela segue no estacionamento", declarou Citadini.

"Aparentemente foi uma decisão tomada sem uma devida e merecida análise prévia", opina Raúl Corrêa. "Um clube do porte do Corinthians apresenta modelos de governança e compliance, que impedem negócios sem clareza. Existem orçamentos, aprovações, recebimentos do contratado, aprovação do recebido, aprovação da diretoria administrativa, revisão do jurídico, da diretoria financeira e duas assinaturas em cada pagamento. Não há sentido essa ausência de transparência referente a contratos", disse ainda.

Se a Omni segue no Corinthians após ter saída anunciada, o mesmo ocorre com a BRL Trust. Responsável por gerir o Fundo de Administração da Arena, a empresa renunciou ao posto no início de abril em publicação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas segue à frente.

Questionada pela reportagem sobre esse ponto, a Arena Corinthians se limitou a dizer que o assunto "está sendo tratado pelos cotistas e refere-se à substituição do gestor, não trazendo qualquer impacto ao projeto".

Fiel Torcedor não está claro em balanço. Roberto prometeu mudar

fiel torcedor - Dassler Marques/UOL Esporte - Dassler Marques/UOL Esporte
Imagem: Dassler Marques/UOL Esporte

Outro ponto é o Fiel Torcedor, que, embora integre as contas do clube e não da Arena, também está relacionado ao estádio. O programa de sócios (hoje são 116 mil, segundo o Movimento Futebol Melhor) foi criado e é gerido pela mesma Omni, que tem direito a aproximadamente 50% do valor em troca da administração.

No balanço patrimonial do Corinthians, porém, esse faturamento não é transparente. O programa faz parte de uma composição com "Premiações, Fiel Torcedor, Loterias e outros", o que gera reclamações de oposicionistas e até situacionistas pela dificuldade em entender o que é englobado pela empresa.

O vínculo é válido até 2019 e foi ampliado ainda por Mário Gobbi, antecessor. Roberto de Andrade, em entrevista à Fox Sports no fim de 2015, afirmou que mudaria os percentuais em um novo contrato, o que não ocorreu.

"Estou tentando fazer um aditivo no contrato, um contrato novo, porque vem desde a origem que foi montado o Fiel Torcedor. O Corinthians não pôs um real e eles fizeram todo investimento em tecnologia, materiais, em tudo. O percentual ficou 50% na época e está vigente até hoje. Já estou conversando, estamos bem avançados para fazer um novo contrato onde os percentuais serão bem maiores ao Corinthians", declarou.

Segundo parecer de suplentes do Conselho Fiscal do clube, elaborado pelos conselheiros Max Anselmo Carvalho e Haroldo José da Dantas Filho, o Fiel Torcedor enfrentou grandes dificuldades em 2016. A previsão era de arrecadar R$ 23 milhões, mas o resultado final foi de R$ 11,2 milhões. Desses, a Omni ficou com R$ 4,5 milhões, conforme o relatório.

Auditoria sem selo de independência ainda não foi entregue

O presidente Roberto de Andrade também sofre críticas pela escolha de uma auditoria sem know-how no mercado para esse tipo de trabalho.

Indicada pelo arquiteto Aníbal Coutinho - ele nega a participação -, a Cláudio Cunha Engenharia ficou incumbida de avaliar o trabalho da Odebrecht na construção do estádio e encontrar divergências no projeto original. Já o escritório do advogado do estádio, Paulo Molina, amigo de infância do ex-presidente Andrés Sanchez, analisa as questões jurídicas e coordena o trabalho.

Segundo apurou a reportagem, a escolha dessa auditoria não foi bem aceita pelo Fundo de Administração da Arena Corinthians, que preferia a contratação de uma empresa renomada para fazer o serviço. Assim, o Corinthians assumiu os custos de aproximadamente R$ 1 milhão pelo trabalho.

"Hoje vivemos a época da reputação. Para as empresas, isso é fundamental. E em um ambiente que envolve paixão, ciúmes e vaidade como o futebol, o fundamental se transforma em vital. Diante deste cenário, é cada vez mais imperativo para as empresas a associação de sua marca com iguais. Não estou falando de qualidade de produtos ou serviços, mas de empresas percebidas como iguais. (...) Formada também por homens sérios, a administração de Roberto Andrade resolveu associar a marca Corinthians com empresas de menor renome", declarou Raúl Corrêa da Silva.

Ainda em setembro de 2015, a Odebrecht afirmou ter encerrado sua participação na obra da Arena Corinthians, o que motivou o clube a contratar uma auditoria para aferir itens não executados pela construtora no projeto original.

Após meses de indefinições por parte do clube na escolha de uma empresa, a Cláudio Cunha iniciou os trabalhos, mas ainda não conseguiu se encontrar com o presidente Roberto de Andrade para entregar os relatórios, que estão prontos. Fontes ligadas à diretoria asseguram que o clube não dispõe de recursos para pagar pelo serviço, e que por isso não recebeu o engenheiro.

Em nota à reportagem, o Corinthians se negou a fornecer detalhes sobre o trabalho da Cláudio Cunha e disse que "as questões a respeito da auditoria estão sendo tratadas por uma comissão formada com essa finalidade e não iremos comentar até termos a conclusão do trabalho". O clube também havia dito que Roberto de Andrade provavelmente receberia o relatório na última semana, o que não ocorreu até a publicação da matéria.

Só 8 parcelas foram pagas. Acordo com Caixa não foi fechado

Iniciado em julho de 2015, o pagamento de parcelas da Arena à Caixa Econômica Federal foi interrompido em março do ano passado. Desde então, o Corinthians paga apenas juros e discute um novo acordo de parcelamento. O motivo da pendência foi uma negativa do banco, que se recusou a conceder uma carência solicitada pelo clube.

Já no fim do ano passado, membros da diretoria asseguravam que o novo parcelamento havia sido fechado com a Caixa Econômica, mas ele não foi anunciado até hoje. Em entrevista ao site Globoesporte.com, no começo de julho, Roberto de Andrade afirmou que o acordo estava prestes a sair. "Está faltando a Caixa dar um 'ok'". Segundo ele, a dívida hoje é de R$ 985 milhões.

Corinthians diz que negociação com Odebrecht é especulação

odebrecht - Robson Ventura/Folhapress - Robson Ventura/Folhapress
Imagem: Robson Ventura/Folhapress

Em abril, a Odebrecht também procurou o clube com a proposta de um acordo para que deixasse o Fundo de Administração da Arena e o Corinthians quitasse a dívida que tem a construtora.

O ex-presidente Andrés Sanchez declarou que "a Odebrecht não se senta com ninguém se não for comigo" e negou que isso estivesse prestes a ocorrer. O avanço dessas conversas, porém, depende da conclusão das auditorias - seja a de conselheiros, seja a contratada pelo clube.

Perguntado sobre esse possível acordo, o Corinthians também evitou fornecer detalhes. "Não comentaremos a respeito da questão envolvendo a Odebrecht, pois trata-se de especulação".