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Como Telê se sairia hoje? Técnicos que foram jogadores do 'Mestre' opinam

Ex-técnico do São Paulo, Telê Santana hoje completaria 86 anos de idade - Arquivo Folhapress
Ex-técnico do São Paulo, Telê Santana hoje completaria 86 anos de idade Imagem: Arquivo Folhapress

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

26/07/2017 04h00

26 de julho de 2017. Caso Telê Santana ainda estivesse vivo, estaria completando, nesta quarta-feira, 86 anos. Não podemos cravar, mas imaginar: será que ele ainda trabalharia como técnico? E mais: como ele estaria se saindo no futebol de hoje? Já estaria ultrapassado ou saberia se adaptar ao futebol moderno – tanto dentro como fora de campo – e ainda seria um dos grandes técnicos da atualidade?

Para responder essas perguntas, nada como a opinião de ex-jogadores de Telê Santana que hoje trabalham (ou já trabalharam) como técnicos de futebol. Sendo assim, o UOL Esporte conversou com quatro pessoas que se encaixam neste perfil: Muricy Ramalho, treinado por Telê no São Paulo, em 1973, e Doriva, Pintado e Antônio Carlos Zago, que foram comandados pelo Mestre também no São Paulo, mas no início da década de 90. De quebra, ainda falamos com o filho de Telê, que também deu sua opinião sobre o que seria do treinador nos tempos de hoje.

1 - TELÊ DARIA CERTO, HOJE, COMO TREINADOR?

Muricy Ramalho

É difícil a gente falar, mas ele foi técnico de várias gerações. Hoje, pelo menos, ele ia incrementar a parte técnica que hoje é mais deixada de lado. Hoje, os treinadores, os preparadores físicos, visam muito mais a parte física do atleta, o futebol é muito mais intenso, e às vezes a parte técnica é deixada de lado. O Telê teria que se adaptar, mas ia ter um conceito com a estrutura de trabalho... Tudo bem, ele respeitava a parte física, mas ele dava muita importância para a parte técnica, a parte da beleza do futebol, então ele ia sofrer um pouquinho. Hoje o jogador joga com o computador nas costas, e isso era inimaginável na época. Se o Telê estivesse vivo hoje ele não ia acreditar nisso.

Antônio Carlos Zago

Eu acredito que sim, até porque, muitas coisas que ele fazia naquela época, alguns treinadores vêm fazendo hoje; e a questão do trabalho bem feito, o time que ele tinha nas mãos na época de São Paulo, o grupo que tinha, e tudo deu certo.

Doriva

Doriva comanda o São Paulo na partida contra o Santos, pela Copa do Brasil  - Rubens Chiri/saopaulofc.net - Rubens Chiri/saopaulofc.net
Imagem: Rubens Chiri/saopaulofc.net
Daria, com certeza. O conhecimento do Telê era muito grande... O que ele passava, a nível de informação para os atletas, e a maneira que ele conduzia, principalmente, faria dele um treinador de alto nível - como ele foi na ocasião que ele estava no mercado de trabalho. Eu gosto muito da maneira como ele ensinava, a didática de ensino principalmente com os mais jovens... É uma coisa que eu carrego comigo. Eu procuro sempre observar os atletas e ser pontual, por exemplo: mostrar para o lateral a maneira de como ele deve cruzar, como ele tem que bater na bola, o momento dele fazer o cruzamento no segundo pau, deitar o corpo para fazer a bola chegar mais no segundo pau, qual o tipo de cruzamento e batida na bola que ele vai utilizar, isso aí era uma constante dele e ele era muito especifico. e ele ensinava isso, muitas vezes, não foram poucas. Eu sempre procuro observar se o atleta tem essa qualidade; se ele não tem, eu procuro, no dia a dia, mostrar para ele, encorajá-lo a fazer este tipo de passe, porque são situações que fazem o atleta evoluir e muito. e isso foi a minha experiência vivida dos ensinamentos dele e depois eu aprimorar e colocar na prática e isso fazia com que o meu futebol ficasse mais vistoso principalmente na Europa as pessoas reconheciam muito isso e elogiava a minha virtude do passe longo, passe de 40, 50 metros e eu fazia todo o jogo era o que eu mais gostava de fazer, então quer dizer, foi uma semente que o Telê plantou e que deu muito fruto e é uma coisa que eu procuro fazer pra que esses atletas possam evoluir, amadurecer e principalmente aprender.

Pintado

O seu Telê ia poder ajudar muito a modificar as dificuldades que os treinadores têm hoje em dia. Eu tenho certeza que ele seria um profissional que teria ainda mais sucesso porque, hoje, com mais condições, tenho certeza que o seu Telê seria ainda mais campeão e ia acrescentar nessa luta que os treinadores têm em tentar conseguir tempo para trabalhar, fazer um trabalho. O seu Telê seria peça fundamental hoje no futebol brasileiro.

Renê Santana

Eu não sei em qual aspecto ele não daria, porque eu sei que ele está no tempo atrás. Se você olhar um jogo simbólico: São Paulo x Milan. É um show de futebol dos dois times, com o futebol muito vistoso, muito moderno, coisa que muitos times atualmente não conseguem jogar ainda, com velocidade, a intensidade, e com ‘dá lá, toma cá’ o tempo todo. Era o futebol do São Paulo da época... Agora, quanto ao ponto de vista psicológico, ele tratava cada jogador de uma forma diferente, como convinha tratar, aquele ser com a psicologia...

Renê Santana e dona Yvonete junto ao busto de Telê no saguão do Mineirão.  - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução
Cada um tem uma forma de extrair o máximo de cada jogador, e isso meu pai fazia com maestria. Hoje ainda não se faz como ele fazia, tem muita gente que nem se toca por este aspecto, então ele conseguia extrair de cada um muito mais que alguém que se atrela só a jogadas nas quatro linhas... Muita gente não se toca que é o homem, é o atleta quem tem que ser atrelado e integrado ao conjunto, e não o contrário. Esse homem, esse atleta, ele tratava muito bem. Hoje, quando você vê boas jogadas acontecendo e a finalização errada, era uma coisa que não acontecia no time do Telê... Não por castigo, mas ele fazia o jogador se envergonhar de um chute errado; ele também dizia ao jogador que também se sentia envergonhado como treinador... Então pênaltis, faltas ensaiadas, jogadas bem treinadas, jogador que mete a bola no lugar certo, jogadas ensaiadas... Se você lembrar São Paulo x Barcelona, aquela jogada Raí e Cafu, quer dizer... Todo detalhe, todo escanteio era batido com a perna certa pelo jogador certo que sabia onde vai meter a bola... Isso é preparar bem melhor do que hoje é preparado.

2 - QUAL A MAIOR DIFICULDADE QUE ELE IRIA ENCONTRAR?

Muricy Ramalho

A parte técnica, que ele gostava demais, de melhorar o jogador, os fundamentos, do futebol bonito, sem carrinho, sem muita força. Hoje ele ia sofrer um pouco porque é totalmente diferente do que ele pensava.

Antônio Carlos Zago

Talvez o relacionamento com os procuradores, os jogadores ouvirem aquilo que ele pedia... Hoje jogador não ouve tanto o treinador, ouve até mais os empresários deles. Talvez também a coisa hoje seja bem mais profissional do que era na época do São Paulo, no começo dos anos 90; muitas vezes, é lógico, a gente jogava pelo salário, pelo dinheiro, mas também porque gostava muito de futebol, e hoje as coisas também são um pouco diferente... O Telê aconselhava bastante os jogadores e aqueles que o ouviram um pouco mais souberam administrar toda a sua carreira; foi também um dos pontos mais importantes que o Telê tinha, essa questão de ser conselheiro, de ser um paizão, isso aí ajudou muito os jogadores.

Doriva

É difícil você fazer um comentário acerca disso porque todos nós nos adaptamos à realidade que estamos vivendo. Certamente o Telê se adaptaria à realidade que a gente está vivendo, às exigências do mercado... As exigências do mercado naquela época era o trabalho que ele fazia, era posse de bola, era conjunto, fazia a equipe jogar, ele dava pouca importância ao adversário porque, naquela época, os treinadores davam muito mais importância a sua equipe... A parte tática, principalmente aqui no Brasil, não era muito cobrada, era cobrado o talento, o jogo próximo, a técnica, então ele não ia ter dificuldade porque ele conseguiu achar uma maneira de fazer boas equipes naquela época com as informações que ele tinha, e se ele tivesse hoje no mercado com certeza iria se atualizar e fazer grandes trabalhos também porque ele tinha esse olhar crítico para tirar o melhor do atleta, independente da sua qualidade. Eu via isso no Telê, isso era a maior virtude dele.

Pintado

Pintado, ex-jogador do São Paulo - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução
Sem dúvida é a maneira de exigir as coisas, poder exigir a perfeição de todos os lados... Ele exigia profissionalismo de todos os lados. Essa relação profissional, futebol e Telê Santana seria um choque muito grande, mudou muito, hoje em dia é tudo diferente. O seu Telê teria capacidade e inteligência suficientes para se adaptar a tudo a isso, mas ao mesmo tempo ele iria sofrer com muitas situações que ele não admitia. Ele não aceitava de maneira alguma e por isso também seria o ponto que ainda o levaria a conquistar mais títulos. A dificuldade que eu digo é no futebol em geral, o futebol, no geral, mudou muito. Hoje os valores são muito maiores que antigamente, as condições de trabalho são maiores que antigamente, então tem vários fatores. E também essa falta de relação profissional com o clube e o clube com o profissional... Então onde o Telê estivesse ele iria brigar muito por tudo isso, de uma maneira muito positiva.

Renê Santana

Ele não encontraria dificuldade nenhuma. Ele conquistou autoridade. Hoje os treinadores são bem pagos, mas eles não são questionados, não são usados na hora de contratar um jogador. Quem é o cara que entende mais de futebol? É o treinador, é o mais bem pago às vezes do time. Na época, de todos que chegaram ao São Paulo, teve só um que não foi o Telê quem pediu, o Almir, ex ponta direita. Este jogador era do empresário Juan Figuer, e ele estava um pouco fora de forma, mas como o São Paulo estava muito bem preparado este jogador não alcançava o nível dos demais, então o Telê não colocava o Almir e ficava uma pressão para colocá-lo... E o meu pai dizia: ‘eu até quero colocá-lo, mas quando ele tiver alcançado o nível dos demais jogadores’. Se ele [Telê] não quisesse [o Almir], ele ia falar não, porém isso não costuma ser normal nos clubes, então um cara que chega num clube só para contratar jogadores está errado, porque quem sabe o que precisa é o plantel, é o treinador, quem está no campo olhando o futebol e os adversários e recebendo informação. O treinador é o maior conhecedor de futebol, não é o dirigente quem vai escolher.

3 - NO QUE ELE ESTARIA À FRENTE DOS OUTROS?

Muricy Ramalho

Muricy Ramalho, na época jogador do São Paulo, em uma partida contra o Corinthians em 1976  - Gazeta Press - Gazeta Press
Imagem: Gazeta Press
Ele estaria sempre pensando na melhora do atleta. Claro, hoje se dá importância para a parte coletiva porque, individualmente, a gente tem carência no futebol. Hoje ninguém dribla mais, ninguém faz mais um contra um, então ele ia sair na frente neste sentido, ou seja, ele ia sempre dar importância à parte técnica e ele ia melhorar jogadores como sempre fez. Eu aprendi com o Telê e repetia demais os fundamentos, mesmo porque eles têm dificuldades e chegam ao profissional e a gente tem mesmo que corrigir o jogador. Então a repetição é a melhor coisa para o jogador melhorar.

Antônio Carlos Zago

Ele corrigia muito os fundamentos dos jogadores: os passes, o cabeceio, a parte técnica, porque os jogadores, quando saem da base, sempre tem uma coisa que ele fica devendo, que não é o ponto forte dele, e hoje, quando o jogador chega no profissional, talvez esse treinador não tenha tanta paciência para ensinar esses jogadores, coisa que o Telê já tinha na época. Isso aí foi importante para mim, para o Cafu, Vitor, Elivelton e vários jogadores que iniciaram a carreira no São Paulo, que aprenderam muito e tiveram êxito na carreira por aquilo que o Telê fazia: corregia a parte técnica desses jogadores.

Doriva

São tempos diferentes. Na época dele, ele era o hors-concours. Ele fazia as equipes jogarem, muito em função dessa dinâmica que ele dava, dessa importância que ele dava para o time dele. Ele não dava importância no adversário, poucas vezes ele falava do adversário... Para mim, que era marcador, ele dava uns toques: ‘olha, desse aqui você tem que estar mais próximo’, mas para os jogadores que eram mais da criação ele falava: ‘joga, aproxima, troca, trabalha, gira a bola, movimenta, infiltra’, enfim, ele dava as coordenadas para a equipe, e eu acredito que o Telê hoje faria o mesmo sucesso que fez no tempo dele.

Pintado

É claro que ele ainda ia melhorar a maneira de enxergar o futebol. A ideia dele de jogo, hoje, seria a mesma, mas com certeza com detalhes diferentes. A diferença do Telê era a exigência da perfeição, isso ele não iria perder de maneira alguma, ele era incansável quanto a isso, até certo ponto chato, cobrando de todos, de cada um, de uma maneira igual, para que cada um melhorasse a cada dia. Isso era um diferencial muito importante.

Renê Santana

Eu acho que num todo, em tudo, ele estaria à frente de todos os outros treinadores que a gente vê aqui no futebol brasileiro. No futebol mundial tem treinadores muito estudiosos que também contam com jogadores muito bons. No nível elevado dos grandes times europeus, os treinadores são bem atendidos na Europa e eles podem trabalhar e adotar o seu esquema, e são esquemas bem treinados. Na época do Telê não havia tecnologia, mas ele fazia muito bem ou melhor dos que muitos que utilizam a tecnologia hoje... Então, quanto a esquemas, eu desconheço alguém que forme jogador tão bem, que tem um olho tão crítico em selecionar esses jogadores e fazer desses escolhidos um conjunto tão bom quanto ele fazia. Ele pode ser comparado porque teve os desafios com os grandes, os melhores clubes do mundo na época, e ele conseguiu passar: ele ganhou de 4 a 1 do Barcelona [Troféu Teresa Herrera, em 1992], ganhou de 4 a 0 do Real Madrid [Troféu Ramon de Carranza em 1992], ganhou final de Mundial por 2 a 1 do Barcelona em 92, depois ganhou em 93 o Mundial de 3 a 2 contra o Milan, então ele esteve no top da qualidade do futebol através do seu conjunto e através dos jogadores bem preparados, por que? Porque ele não teve investimento do clube, ele só garimpou, em Itu, Marilia, buscando jogador...

4 - SE ENCONTRASSE O TELÊ HOJE... O QUE FALARIA PARA ELE?

Muricy Ramalho

[Risos] Eu ia falar para ele não mudar no que ele pensava do futebol, ou seja, do que ele sempre me ensinou, da beleza, e aí com certeza ia juntar esse pensamento dele com a parte física de hoje que não tem como abrir mão, e o futebol seria um pouco mais bonito, mas com um pouco mais de correria do que antigamente.

Antônio Carlos Zago

Antônio Carlos, ex-zagueiro do São Paulo - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução
Agradecer por todos ensinamentos. Eu, na minha carreira, devo muito ao Telê porque foi o que confiou em mim no início, me deu a oportunidade de me firmar como titular do São Paulo, então só tenho que agradecer. Eu sempre fui um cara que nunca esqueci as pessoas que fizeram bem para mim, e o Telê foi uma dessas pessoas, uma pessoa super importante - como foi o seu Pupo Gimenez também, me levando para o São Paulo. Mas o Telê foi o treinador com quem eu mais aprendi em toda a minha carreira e, até hoje, a  gente procura passar alguma coisa para os jogadores daquilo que eu aprendi com o Telê.

Doriva

Agradecer. O maior sentimento que eu tenho em relação ao professor Telê Santana é a gratidão, é uma gratidão imensa, uma gratidão por ele ter acreditado em mim, por ele ter permitido errar e dar a oportunidade de errar, porque às vezes a gente tem a oportunidade, mas não pode errar porque a pessoa já vem e te tira, e não te deixa adquirir credibilidade... E o Telê me pôs na equipe e me bancou, então eu sou muito grato a ele. A partir desse momento aí a minha carreira deslanchou e eu pude ter uma carreira linda, uma carreira honrada, e foi a partir da oportunidade que ele me deu. Então a gratidão é eterna, nunca irei esquecer do gesto dele.

Pintado

Teria tanta coisa para falar para ele [risos]... Mas primeiro pediria para que ele, cada vez mais, estivesse próximo do futebol, estivesse dentro do futebol, para que ele pudesse ser um apoio para todos os técnicos do Brasil, e que ele continuasse sendo o mestre Telê Santana para todos os jogadores brasileiros.