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Base corintiana muda conceito e diretor diz: "sem sujeira abaixo do tapete"

Yamada e Nei Nujud comandam a base do Corinthians em 2017 - Dassler Marques/UOL
Yamada e Nei Nujud comandam a base do Corinthians em 2017 Imagem: Dassler Marques/UOL

Dassler Marques

Do UOL, em São Paulo

16/09/2017 04h00

O tempo é curto, mas o diretor Nei Nujud e o gerente Yamada têm feito o possível na base do Corinthians. Eles chegaram ao departamento entre o fim de março e o início de abril para tentar dar sequência a uma reformulação iniciada por Fausto Bittar Filho e o ex-coordenador Rodrigo Leitão, que ocupavam cargos equivalentes nos meses anteriores. Na reta final da administração Roberto de Andrade e sem garantias de permanência, eles arregaçaram as mangas.

Em cerca de cinco meses, a dupla que concede entrevista exclusiva ao UOL Esporte reformulou comissões técnicas, produziu uma cartilha de jogo e metodologia para o departamento, dispensou dezenas de jogadores, cortou custos, mudou a rotina dos profissionais do setor, que hoje atuam quase sempre de maneira integral, e ainda tenta completar a construção do Centro de Treinamento dedicado à base, vizinho do local onde trabalha o time adulto.

E, talvez mais importante, eles tentam mudar a imagem sobre a base do Corinthians. Identificados com o clube, eles foram coadjuvantes na conquista do Mundial de Clubes 2000: Nei como diretor, Yamada como goleiro reserva. Hoje, o desafio é devolver a credibilidade ao departamento que viveu escândalos, e Nujud afirma: "não teremos sujeita abaixo do tapete". 

Confira os melhores momentos da entrevista com Nei Nujud e Yamada:

ENXUGOU AS VAGAS NA BASE
Nei: Encontramos a base estruturada da maneira que estava, mas sem os moldes que entendemos que tem ser. Estava inchada, com quase 300 atletas, e enxugamos a base. Tínhamos time B, o que não concordávamos, no sub-17 e sub-20. Estamos enxugando isso para qualificar e captar em cima do que a gente precisa. Só tínhamos um profissional na captação, e colocamos cinco ou seis, mais um encarregado, para pegar os moleques lá embaixo e não ter que dividir mercado quando chega depois. No começo da pirâmide, aos 9 anos, pode ter quantidade maior de atletas e vai afunilando nas categorias.

NÃO DÁ PARA PREVER O FUTURO
Nei: Queremos deixar um legado, independente da corrente política que vença as eleições nós vamos fazer uma transição de acordo com o que planejamos. Torço pela continuidade, mas nosso plano de trabalho é bem estudado e visível de entender.

SEM SUJEIRA PARA BAIXO DO TAPETE
Nei: O objetivo é resgatar a credibilidade do departamento. Temos que otimizar o que achamos de correto e tocar o barco para frente. O que aparecer será tocado pelas esferas competentes, e não estamos aqui para jogar sujeira abaixo do tapete. Posso garantir que, se tinha [irregularidades], hoje não tem mais. Eliminamos 80 a 100 atletas, e sempre prevaleceu o critério técnico. Hoje não se admite ninguém como atleta sem um parecer favorável assinado pelo técnico, pelo auxiliar, pelo supervisor e captador. São 4 ou 5 assinaturas. Tinha muitas indicações, sim, e nós temos sofrido com relação a isso, uma pressão normal, mas prevalece a comissão técnica.

INDICAÇÕES DE CONSELHEIROS PARA A BASE
Nei: Critério técnico é a palavra chave, seja de quem for. Conselheiro, empresário ou pessoa que indique jogador na base. Critério técnico é o nosso escudo. Se tem uma comissão em quem você confia, que apresenta relatório de que o jogador é bom ou ruim, tem que confiar na comissão. O primeiro parâmetro é o critério técnico.

GASTOS CORTADOS
Nei: Tínhamos um treinador em cada período e realinhamos a realidade financeira. Qualificamos as comissões com um saldo positivo nas finanças. Os números não deixam mentir: houve um decréscimo de quase 50% na folha, sendo 25% efetivamente e 25% de dissídio, de 2014 até hoje. Hoje, temos folha de quase R$ 900 mil por mês. [...] Herdamos o time de Guarulhos, o Sub-20 B, que tinha mais de 34 atletas e hoje tem seis ou sete que honramos o contrato porque somos obrigados. E desses R$ 900 mil, tem uma bolha, porque estão as rescisões. Depois disso, esse número cai mais um pouco. 

Nota da Redação.: Nei se refere à parceria com o Flamengo Guarulhos. O Corinthians emprestava uma equipe de sub-20 reserva em troca do uso das instalações do parceiro.

MUDANÇA PARA O NOVO CT DA BASE
Nei: Trabalhamos para tirar isso do papel e fazer a mudança nessa gestão. O caminho é nesse sentido. Tenho muito otimismo em mudar isso antes do fim do ano. Depende de alguns fatores, é uma negociação nova com uma empresa que está fazendo esse orçamento, com patrocínios envolvidos, e vejo grande possibilidade de realizar esse sonho. Vamos obedecer o projeto inicial e esperamos pela empresa. São obras normais para fazer.

A BASE QUER RECEBER PELA VENDA DE JOGADORES
Nei: Estou reivindicando o mecanismo de solidariedade de quem sai da base. O departamento tem que ter um bônus, agora mesmo vendemos o Léo Jabá [para a Rússia]. Que seja revertido uma parte disso para a o orçamento da base, que é o começo de tudo. Temos que ser vistos como futuro do clube. 

YAMADA EXPLICA MUDANÇA DE AGENTE PARA DIRETOR
Yamada: Administrei bem isso. Entendi o momento difícil do Corinthians, de muitos escândalos, e natural que queriam associar. Me preparei para ser gestor de clube. Em 2011, viajei para a Europa, conheci clubes, trabalhei dois anos como gestor do Audax e em 2016 recebi o convite da Thinkball. Trabalhei por um ano, mas não estava feliz nessa área de atuação. Eu sempre fiquei na retaguarda, não dei entrevista, porque não era o caminho que eu queria seguir. Hoje estou mais preparado na função que eu exerço porque entendi outros aspectos que não tinha até então. O aspecto comercial, de negociações, e jurídico também. Foi uma grande escola.

NR.: Think Ball é a empresa em que o ex-goleiro atuava como gestor. Representa atletas do profissional, como Jadson, e da base, como Renan Areias. 

GRANDES APOSTAS DOS JUNIORES

Fabrício Oya, meia do Corinthians: promessa do sub-20 - Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians - Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians
Fabrício Oya, meia do Corinthians: promessa do sub-20
Imagem: Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians

Yamada: O que nos deixa otimistas é o perfil do jogador, não só a qualidade técnica. Temos o Fabrício Oya (meia), o Carlos (zagueiro), o Filipe (goleiro) melhorou demais o comportamento e o emocional dele, porque tecnicamente é muito bom e privilegiado fisicamente. Nos deixam otimistas pelo aspecto técnico e pelo entendimento de jogo.

O Carlos é um menino fantástico, muito bom fora de campo e com valências físicas importantes da posição. É rápido, tem impulsão, é muito focado e atende duas funções em campo [foi lateral], então tem margem para jogar no Corinthians. O Oya tem melhorado muito, temos visto o esforço dele para se adaptar a outras funções e não ser só o 10, mas às vezes o 8. 

NR.: O gerente ainda citou o volante Renan Areias e o atacante Marquinhos como destaques. 

COELHO NA VAGA DE OSMAR LOSS
Yamada: Eu o conheço há mais de 20 anos. Não sou amigo pessoal, mas tinha uma boa relação. Foi uma grata surpresa o encontrar aqui nessa função, pois ele já vinha acompanhando os trabalhos e ficou dois anos e meio no sub-20, fez cursos na CBF, como a Licença B e é um perfil interessante de treinador. O Coelho tem boa relação com jogadores, tem liderança, tem qualidade de treinamento, então tem nos agradado. Tem uma carreira ainda longa, está iniciando. 

BASE DO CORINTHIANS TEM 'COACH'
Yamada: Contratamos um coach, o Fabinho, que trabalhou 16 anos com Bernardinho. Ele é preparador físico de formação com especialização em treinamento esportivo com ênfase em psicologia do esporte. Ele tem feito um trabalho com atletas só do sub-20 e me chamou atenção o trabalho que ele me apresentou. Faz um trabalho com atletas e com a comissão que tem surtido efeito em dois meses. Vemos a evolução na forma dos atletas interagirem entre eles.

CÉLIO SILVA ASSUMIU O SUB-13 SOB CRÍTICAS
Yamada: No sub-11, 13 e 14, tem que ter perfil bem específico. Tivemos um no sub-11 que era um bom treinador, mas não tinha perfil com os menores. Tem que ser educador, paizão, amigo, professor, e depois vai ser treinador. O que vejo no Célio? É super carismático, não fala palavrão, está sempre feliz, tem uma experiência de vida fantástica, porque passou fome no início da carreira e chegou na seleção, na Europa e tem um feeling legal. Está fazendo faculdade e exigimos que fizesse a Licença B da CBF. Ele tem o perfil ideal para os menores e conhece o clube como poucos.

PRIORIDADES DOS TÉCNICOS DA BASE
Yamada: Na transição do profissional, existia uma dificuldade porque os jogadores chegavam com bom currículo, mas com deficiências para atender a expectativa. O nível de exigência do Corinthians é muito alto, então nossa ideia é atacar o indivíduo dando atenção nas categorias menores até o sub-15. Ali você tem 100% do clube [direitos econômicos]. Então, trabalha muito o indivíduo. Temos uma estratégia interna de testes maturacionais do atleta, e na categoria de base é um divisor de águas para atacar o deficit. Comportamental, físico, técnico...equilibrar o jogador nas idades sensíveis, em que é mais propenso a absorver, para chegar na ponta da pirâmide do Sub-20 mais completo e preparado.

CARTILHA DE JOGO
Yamada: O Corinthians vai propor o jogo construído, você não vai ver um zagueiro rifando a bola. Vamos tentar construir o jogo desde o goleiro. Um jogo apoiado, que é tendência mundial, que é mais vistoso, com uma boa transição defensiva. São padrões, sem tirar a liberdade da comissão técnica. Nos momentos do jogo, temos que seguir a identidade do clube, nossa metodologia de trabalho e nossa visão sobre base. 

INTERCÂMBIO ENTRE CATEGORIAS
Yamada: Um atleta de cada categoria transita na categoria subsequente por duas semanas. Depois, ele retorna para a categoria de origem com um relatório com aspectos a aprimorar, e ali vai me embasar para eu cobrar a categoria de origem. Daqui três ou quatro meses, eu tiro o relatório da gaveta e vou avaliar se o atleta evoluiu ou não. A gente avalia o atleta e a comissão técnica. 

CARILLE E DIRETORIA PARTICIPAM
Yamada: As decisões aqui são em conjunto com a equipe profissional. Carille e eu jogamos juntos, com Alessandro (gerente) eu joguei em seleção de base há 20 anos. As decisões na ponta da pirâmide, no sub-20, são tomadas em conjunto e as relações são muito boas. O Nei divide com o presidente se tem alguma dúvida no aspecto comercial. Eu consultei várias vezes o Leandro Silva, auxiliar do Carille, que trabalhou na base.