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Reinaldo, ex-SP, foi empacotador e perdeu pai antes de carreira emplacar

Reinaldo em ação pelo Flamengo, em 2000 - Ana Carolina Fernandes/Folhapress
Reinaldo em ação pelo Flamengo, em 2000 Imagem: Ana Carolina Fernandes/Folhapress

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

05/11/2017 04h00

É quase impossível falar sobre Reinaldo da Cruz Oliveira sem falar sobre seu pai, José Bemvindo, morto há quase 20 anos. A vida e a carreira do atacante, que teve passagens marcantes por Flamengo e São Paulo e hoje, aos 38 anos, ainda joga profissionalmente (defende o Brasiliense), estão totalmente ligadas a José, citado por Reinaldo como ‘maior incentivador no futebol’.

O UOL Esporte conversou com Reinaldo por telefone e, logo na primeira pergunta, relacionada ao início da carreira e ao trabalho que teve quando ainda era criança, José Bemvindo já acabou citado.

“Eu trabalhava no supermercado de Itaguaí (RJ), no supermercado onde o meu pai trabalhava, ele era gerente de laticínios. Eu era empacotador, estudava de manhã, chegava lá tipo 13h30, 14h, e trabalhava o resto do dia, e também jogava no futebol amador da cidade. A minha família tem um time em Itaguaí que se chama Bola Preta, eu jogava nesse time, e foi um rapaz da minha cidade, chamado Alexandre, que me viu jogar. Eu tinha 14 anos. Ele gostou e me levou para fazer um teste no Barra da Tijuca FC. Eu passei no teste, joguei no juvenil e, com 15 anos, fui para o Flamengo”, lembra Reinaldo, que em seguida conta sobre a influência do pai em sua carreira e, principalmente, sobre o drama que viveu em 1998, quando ainda tinha 19 anos de idade.

Reinaldo comemora gol marcado pelo PSG sobre o Lille - Philippe Wojazer/Reuters - Philippe Wojazer/Reuters
Imagem: Philippe Wojazer/Reuters
“A influência do meu pai [na carreira] é completamente toda. Meu pai infelizmente faleceu com 46 anos, novo demais, depois da final da Copa do Mundo de 98. Muitos familiares falam que ele faleceu por causa do jogo [França 3 x 0 Brasil]. Ele era muito patriota, amava futebol, e naquele jogo muitos brasileiros sofreram. Só que naquele dia meu pai dormiu normal, e infelizmente na segunda-feira ele não acordou. Muitos alegam que foi por causa disso, muita emoção, mas eu procuro achar que não foi isso. Mas o meu pai deu muita moral para o futebol amador da minha cidade. Ele nunca foi jogador profissional, mas em Itaguaí ele tinha muita moral. Ele sempre jogou bola muito bem. Eu sempre fui peladeiro, aquele moleque de rua que jogava mesmo no asfalto, e eu sobressaí. E o meu pai foi o meu maior incentivador no futebol”, admite.

Muitos familiares falam que ele faleceu por causa do jogo [França 3 x 0 Brasil]"

O dia da fatídica final entre França e Brasil, em 1998, ainda está mais do que vivo na memória de Reinaldo. O clima, que já não era dos melhores por conta da derrota brasileira, tornou-se trágico na manhã seguinte. “Todo mundo assistindo, eu, meu pai, tios, a família... E o meu pai saiu, foi para a barraca de boteco para jogar sinuca, tomar a cervejinha dele, e segunda-feira tinha que trabalhar. Ele voltou bem, por volta de 21h30, 22h, tomou seu banho e foi dormir. E quando era cedo nós levantamos e minha mãe foi no meu quarto, chamando eu e minha irmã, desesperada: ‘olha o seu pai, olha o seu pai’, e ele já estava com a língua presa entre os dentes. Conseguimos levar ele ao médico, mas chegando lá ele já tinha falecido. Ele praticamente faleceu nos meus braços; no caminho para o hospital deu infarto. Quando ele chegou ao hospital já estava em óbito”, recorda Reinaldo, que iniciou a carreira justamente no clube de coração do seu pai, o Flamengo. “Ele era torcedor do Flamengo. Flamenguista fanático”, revela Reinaldo, lamentando que seu pai não o tenha visto jogar como profissional no Rubro-Negro.

Ele praticamente faleceu nos meus braços; no caminho para o hospital deu infarto"

“Não viu. Eu cheguei no Flamengo em 96 e já consegui subir para o profissional em 97. Ele me viu jogar nos juniores... No profissional eu fiquei dois jogos no Brasileiro de 97, e em 98 meu pai me viu no banco. Mas jogar mesmo, como eu joguei a partir de 99, ele não viu. Só na base”, diz.

Reinaldo - Brasiliense/Oficial - Brasiliense/Oficial
Reinaldo defende atualmente o Brasiliense
Imagem: Brasiliense/Oficial

Além do Fla, clube pelo qual estreou em 1999, Reinaldo acumulou passagens por outros quase 20 times na carreira, incluindo PSG, Santos, Botafogo, Figueirense... Olhando para trás, Reinaldo – que cogita se aposentar em 2018 – se sente orgulhoso de tudo que fez no futebol. “Só Deus sabe o dia de amanhã, mas eu estou encarando o próximo ano como a minha última temporada, e eu espero fazer o máximo possível que der no Brasiliense e terminar uma carreira vitoriosa. Um cara que saiu de Itaguaí, que era empacotador no supermercado, ter jogado nesses clubes gigantes que eu joguei... Com todo o respeito, o cara tem o seu valor, e por onde eu passei, eu não vou falar que fui um craque, mas fui um jogador importante para a equipe”, acrescenta.

Um cara que saiu de Itaguaí, que era empacotador no supermercado, ter jogado nesses clubes gigantes que eu joguei..."

SUBSTITUIU ROMÁRIO LOGO NO 1º ANO DE PROFISSIONAL

A minha história no Flamengo... Eu substituí nada mais. nada menos que o Romário. Aconteceu o seguinte: teve um jogo quarta-feira, Flamengo e Americano pelos juniores, e o Romário estava treinando na Gávea, treino à parte na caixa de areia, e pelo Romário estar lá dava motivação para todo mundo. E eu fiz três gols neste jogo, joguei demais, e na quinta-feira o Romário falou: ‘Tem um moleque nos juniores, puxa ele que ele é bom’, e mandaram eu treinar no profissional na quinta-feira. Mandaram a van me levar para a Barra, antigo FlaBarra; cheguei e o falecido Carlinhos me colocou no coletivo... Eu destruí no coletivo, fui muito bem nos coletivos de quinta e sexta, e no sábado eu já estava relacionado para a final, o primeiro jogo da final de 99 [Carioca], contra o Vasco da Gama. Eu achei que era até uma pegadinha. ‘Caraca, estou relacionado para esse jogo’. Aí eu fui para o Maracanã, já era tudo novo para mim, e eu não parava de pensar no meu pai. ‘Caraca, eu estou no Maracanã’. Só aquela chegada, milhões de torcedores, o clássico dos milhões, uma final ainda, a torcida do Flamengo...

Reinaldo comemora gol do Bahia, logo no início da partida contra o Vasco, que terminou empatada em 1 a 1 - Ricardo Ramos/AGIF - Ricardo Ramos/AGIF
Imagem: Ricardo Ramos/AGIF
Resumindo: no vestiário, aquecendo, o Romário sente a panturrilha, mas até aí não passava na minha cabeça jogar. Pô estavam lá o Caio [Ribeiro] e o Leandro Machado, eram as primeiras opções. Aí o preparador físico vai lá, conversa com o médico e volta correndo e fala: 'Ó, o Carlinhos falou que o Reinaldo vai jogar'. Todo mundo tomou aquele susto: 'Putz, o cara subiu na quinta-feira e vai jogar domingo no profissional, numa final de campeonato'? Mas graças a Deus correu tudo bem. O Romário falou para mim, eu lembro como se fosse hoje: 'Rei, joga como se você estivesse jogando nos juniores, joga como você jogou quarta-feira que as coisa vai dar certo'. Eu entrei, claro, nervoso, a final era contra o Vasco e o Vasco vinha com jogadores todos no auge, tinha sido campeão brasileiro de 97, mas graças a Deus correu tudo muito bem, e nos outros dias eu fui muito elogiado e isso me deu confiança para seguir minha carreira.

‘PROFESSOR’ ROMÁRIO E SEUS PRINCIPAIS PARCEIROS DE ATAQUE

O Willian (Bigode) foi um dos grandes que fez dupla de ataque comigo e que eu tive a felicidade de jogar. Eu joguei com muito atacante bom: o Luis Fabiano, França, Edilson Capetinha... O Romário foi meu professor, eu treinei muito com ele no dia a dia, sobre como se comportar como atacante; claro, não com a mesma qualidade dele, porque é impossível chegar no nível desses caras, mas a forma que eu vi o Romário treinar. Muita gente fala que o Romário não treina, mas o Romário treinava o que ele precisava. Ele precisava do quê? De arranque, finalização, treinava muita musculação... Tudo o que ele precisava, ele treinava. Ele não ia treinar que nem um louco porque o Romário precisava de espaço curto e, numa bola, ele decidia. O Edilson Capetinha então... Era brincadeira. É difícil ver um jogador rápido e inteligente, e o Edilson era isso: ele era rápido e ao mesmo tempo era inteligente.

QUERIA TER FICADO NO SÃO PAULO E FEITO HISTÓRIA

No São Paulo foi onde eu aprendi, onde o meu futebol evoluiu. Posso falar que foi uma das melhores fases da minha carreira porque a essência que eu tive, a química que eu tive com a torcida do São Paulo, é um privilégio na minha vida, é uma torcida que eu amo de paixão, que eu respeito. Aonde estou, estou torcendo pelo São Paulo. Eu queria ter continuado no São Paulo e o São Paulo tentou, eu estava tão bem... O São Paulo tentou o reempréstimo, mas o PSG não aceitou, o treinador que assumiu lá veio me acompanhar aqui e disse que não abria mão. Eu queria ter feito história no clube. Não ganhei nenhum título de expressão no São Paulo, só fui campeão do Supercampeonato Paulista de 2002, mas a minha passagem no São Paulo, para mim, foi uma das mais importantes da minha carreira.

PASSAGEM PELO SANTOS E OS TREINADORES QUE MAIS LHE MARCARAM

O Vanderlei Luxemburgo tinha acabado de voltar do Real Madrid, e eu estava praticamente acertado com o Cruzeiro. Eu ia viajar para BH, e foi quando o Luxa me ligou, e trabalhar com o Luxemburgo é sensacional. Eu tive três treinadores que me ensinaram demais: Luxemburgo, Zico e Oswaldo de Oliveira. Isso no profissional, ´porque na base tudo o que aprendi eu devo ao meu treinador no Barra da Tijuca, o Douglas... E o Eduardo Húngaro, que foi aquele que treinou o Botafogo na Libertadores; esses dois foram meus treinadores na base e me ensinaram demais. E voltando, eu fui para o Santos, cheguei lá, CT Rei Pelé, estrutura maravilhosa... O Vanderlei fez 17 contratações, fez um timaço. Fomos campeões paulista em 2006 e terminamos em terceiro no Brasileiro. Foi uma honra ter jogado no Santos, simplesmente o clube do Rei. Infelizmente era um clube que eu queria renovar também, jogar a Libertadores de 2007, e o Vanderlei queria que eu renovasse, mas eu recebi uma proposta irrecusável do Al-Ittihad, da Arábia Saudita. Na época eu estava fazendo 31 anos e não pude recusar.

O meu sonho era ter trabalhado com o Muricy Ramalho. Todo jogador fala bem do Muricy, é um cara sensacional. Nunca trabalhei com o Muricy Ramalho, com o Abel Braga, mas também trabalhei com Vanderlei Luxemburgo, Zico, Oswaldo de Oliveira, então isso compensa.

NÃO PENSA EM SER TREINADOR DE FUTEBOL

Treinador eu não penso muito. Eu quero estudar, fazer cursos para gestor, E de repente trabalhar na base. Revelar jogadores é mais o meu perfil.