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Bolívia amplia investigação e vê suspeita de segundo sócio oculto da LaMia

Matt Varley/Reuters
Imagem: Matt Varley/Reuters

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

28/11/2017 17h25

Um ano após o acidente do voo que levava a delegação da Chapecoense até Medellín, a Justiça da Bolívia ampliou por mais seis meses o prazo de investigação sobre o caso, que envolve a companhia aérea LaMia. Um novo indício que deverá ser considerado é a possível presença oculta de um político boliviano importante como sócio da empresa – que poderia também ser responsabilizado pela tragédia.

A suspeita é de que o político em questão seja parceiro do ex-senador venezuelano Ricardo Albacete Vidal, que controlava a LaMia de forma sigilosa, junto com a filha Loredana, através de "testas-de-ferro" na Bolívia – como revelou áudios divulgados nos últimos dias pela imprensa do país.

Oficialmente, Marco Antonio Rocha Venegas (foragido) e Miguel Quiroga Murakamy (piloto falecido na tragédia) foram os proprietários da companhia aérea identificados nos dias subsequentes ao acidente. O diretor-geral Gustavo Vargas Gamboa também exerceu controle acionário da empresa durante um período. No entanto, a linha de apuração mais recente indica que a operação estava submetida ao venezuelano Ricardo Albacete e a um dono ainda desconhecido, de cidadania boliviana.  

"Recebemos a informação de que existe um sócio que tinha vínculos grandes com Ricardo Albacete, e os dois eram sócios da LaMia. Temos uma informação, mas no momento não podemos dar nomes", afirmou ao UOL Josmeyr Oliveira, advogado brasileiro que representa a Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Vôo da Chapecoense (AFAV-C) e monitora o trabalho de investigação na Bolívia.

Conexão Venezuela está por trás de controle da LaMia

No último domingo, o jornal boliviano "El Deber", de Santa Cruz de la Sierra, revelou uma série de conversas em áudios que descortinam a operação autêntica da LaMia. A família Albacete dirigia a empresa através da administradora Miriam Flores e do diretor-geral Gustavo Vargas Gamboa – única pessoa da companhia que foi presa até o momento no caso. Todos os áudios divulgados são anteriores ao acidente de novembro de 2016.

Ex-senador Ricardo Albacete, o proprietário original da LaMia, na sua versão venezuelana - Reprodução - Reprodução
Ex-senador Ricardo Albacete, o proprietário original da LaMia, na versão venezuelana
Imagem: Reprodução

Apesar dos esforços dos funcionários da empresa para ocultar a conexão Venezuela-Bolívia desde o acidente da Chapecoense, a operação foi evidenciada pelo trabalho de investigadores técnicos ligados ao Ministério Público boliviano. O documento de 30 páginas em posse dos procuradores reúne mensagens em áudio, fotografias e 109 conversas por aplicativos de celular na interação entre Loredana Albacete e funcionários da LaMia.

Ao UOL, o advogado de Gustavo Vargas Gamboa, diretor da LaMia que cumpre prisão domiciliar, admitiu a ligação da companhia investigada com a família Albacete, mas descreveu a relação como apenas uma cooperação comercial.

"O que me foi informado pelo senhor Vargas é que as aeronaves foram alugadas da família Albacete e que eventualmente eles ajudavam a LaMia em algumas operações econômicas, pelo fato de a LaMia ser uma empresa iniciante. Mas os valores eram sempre compensados", afirmou o advogado Jerjes Justiniano.

Durante o ano, questionado sobre as suspeitas de ligação, Ricardo Albacete afirmou que "deixamos o mesmo nome para não perder a pintura do avião. Nós arrendamos as aeronaves a eles, mas elas são operadas pela empresa boliviana". No entanto, um dos áudios obtidos pelas autoridades entrega uma conversa entre Oriana Joffré e Miriam Flores, funcionárias da LaMia na Bolívia, bem no meio da crise Chapecoense: "Deus queira que Loredana nos ajude". No mesmo diálogo é dito que a empresária venezuelana enviaria um "consórcio de advogados de Londres" para lidar com a questão. 

Contrato da Chape tinha rastro de ligação com venezuelanos

Uma nova complicação de investigação surgiu nas últimas semanas, com a aparição da Kite Air Corporation Limited como suposta proprietária real da aeronave que caiu em Medellín. A empresa em questão pertence a Loredana Albacete.

O contrato entregue pela Chapecoense ao Ministério Público brasileiro aponta a LaMia como dona da aeronave. Mas o pagamento de US$ 130 mil pelo fretamento do voo foi efetuado em uma conta da Kite Air em Hong Kong.

Com controle da família Albacete, a LaMia original nasceu na Venezuela com a sigla "Línea Aérea Mérida Internacional de Aeronavegación", em referência a Mérida, estado venezuelano. Na Bolívia, a LaMia Corporation S.R.L. conseguiu sua autorização de operação em 31 de julho de 2015 e inicialmente registrou três aeronaves, mas pouco depois duas delas perderam a permissão de voo. O modelo que caiu tinha matrícula vigente até 1º de janeiro de 2017.

Mais seis meses: prazo ampliado para investigação

Líder da frente de procuradores da Fiscalía boliviana (Ministério Público do país), Freddy Larrea conseguiu nesta semana com Martín Camacho, juiz encarregado do caso, a ampliação do período de investigação por mais seis meses.

Célia Castedo mostra documento que seria plano de voo da Chape  - Reprodução/SporTV - Reprodução/SporTV
Célia Castedo: asilo no Brasil após acusação de homicídio na Bolívia
Imagem: Reprodução/SporTV

A expectativa é de que o empresário venezuelano Ricardo Albacete passe a figurar em breve entre os acusados. Até este momento, a Justiça boliviana acusa quatro pessoas pelo caso – dois deles hoje cumprem prisão domiciliar: Gustavo Vargas Gamboa, ex-diretor-geral da LaMia, e Joons Teodovich, funcionário da agência nacional de aviação civil, na teoria um dos responsáveis pela autorização do voo de Santa Cruz de la Sierra até Medellín.

As outras duas pessoas acusadas formalmente têm status de foragidos: Marco Antonio Rocha Venegas, um dos sócios oficiais da LaMia, e a controladora de voo Celia Castedo Monasterio, que conseguiu asilo provisório no Brasil e vive atualmente na cidade de Corumbá, Mato Grosso do Sul. O Ministério Público boliviano solicitou à Interpol a prisão dos dois acusados "em qualquer parte do mundo". 

Na última segunda-feira, Celia Castedo soube que seu pedido de renovação de asilo no Brasil fora aprovado. A ex-funcionária da AASANA (Administração de Aeroportos e Serviços Auxiliares à Navegação Aérea) agora seguirá com a batalha de defesa à distância.