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Ricardo Teixeira obteve US$ 10 milhões em propina, diz delator do Caso Fifa

Ricardo Teixeira foi presidente da CBF entre 1989 e 2012 e hoje é acusado de corrupção - Reuters
Ricardo Teixeira foi presidente da CBF entre 1989 e 2012 e hoje é acusado de corrupção Imagem: Reuters

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Nova York (EUA)

04/12/2017 16h42

Na segunda parte de seu depoimento na Suprema Corte do Brooklyn, nos Estados Unidos, o empresário J. Hawilla, ex-proprietário da empresa Traffic, que negociava direitos de transmissões para Copa América e Copa Libertadores, disse que pagou ao ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, cerca de US$ 10 milhões apenas em propina ao longo dos anos.

"Para ele eu pagava através de doleiros. Começou com US$ 1 milhão, depois foi para US$ 1,5 mi, US$ 2 mi, US$ 2,5 mi e por fim US$ 3 milhões. Todos esses pagamentos eram referentes aos direitos de merchandising, publicidade e transmissões da Copa América", relatou o delator, que ainda disse ser "muito difícil fazer qualquer coisa sem pagar propina".

O ponto mais importante da segunda parte de seu depoimento nesta segunda-feira, no entanto, foi o assim descrito por Hawilla "golpe de Estado" que o ex-presidente da Conmebol, Nicolas Leoz, com quem ele sempre negociava a propina e os contratos, sofreu por parte do chamado "grupo dos seis", formado por dirigentes das federações de futebol da Venezuela, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Bolívia.

A Traffic tinha um contrato assinado para transmitir as edições de 2007, 2011 e 2015 da Copa América, mas Leoz assinou um segundo contrato com a empresa Fullplay, dos argentinos Hugo e Mariano Jinkins, negociando os mesmo direitos.

Segundo Hawilla, isso aconteceu porque ele estava se recusando a continuar pagando propina. Ele então foi à África do Sul para a Copa de 2010 tentando entender o motivo disto e porque ele não havia sequer sido avisado da mudança após 23 anos prestando esse tipo de serviço para a Conmebol. Leoz então lhe disse que havia sido obrigado a assinar o novo contrato por pressão do grupo dos seis, que era maioria na entidade e ameaçava depor Leoz de seu cargo.

"Forcei uma reunião e aí o (Luis) Chiriboga, do Equador, veio, em tom bem agressivo, e disse: "Para não perdermos agora quem manda na Conmebol somos nós e a Traffic está fora. Quando perguntei o porquê, ele disse que era porque eu sempre tinha acertado tudo com o Grondona (Julio, ex-presidente da federação argentina morto em 2014), o Teixeira e o Leoz e sempre deixado os outros de fora. Foi um golpe de Estado."

Hawilla então disse que eles não podiam negociar duas vezes um mesmo produto e que isso era contra a lei. Chiriboga então o desafiou a levar o caso à Justiça, o que Hawilla acabou fazendo.

O primeiro processo, na Justiça americana, não surtiu efeito porque estava sendo feito contra a Conmebol e seu presidente, Nicolas Leoz. Aí Hawilla e seus advogados resolveram mudar a tática e processaram nominalmente cada um dos dirigentes do grupo dos seis. Só então eles retrocederam e resolveram abrir espaço para negociação.

"O Hugo Jinkins, da Fullplay, através do Kleber Leite, que estava associado a eles em alguns eventos, resolveu fazer a intermediação comigo. Tivemos uma reunião e ele disse que os dirigentes do grupo dos seis estavam tendo muitas despesas, pois os advogados americanos eram muito caros, e propôs encerrar a ação legal e dividir o contrato da Copa América de 2015, 2019 e 2023, mais a Copa Centenário de 2016, em três partes, incluindo aí a Torneos y Competências (TyC)."

Hawilla então questionou porque a Torneos y Competencias estava sendo incluída, sendo que a empresa não trabalhava com esse tipo de serviço, ao que Jinkins respondeu se tratar de uma exigência de Grondona. "Como o Grondona era muito poderoso, eles quiseram mantê-lo na negociação para que ele continuasse recebendo propina."

"Bênção" do papa argentino

Segundo Hawilla, após muita discussão, o acordo foi aceito e, assim, foi criada a Datisa, uma das empresas que virou alvo das investigações do governo americano sobre lavagem de dinheiro.

Em 13 de março de 2013, ainda de acordo com o depoimento de Hawilla, foi feita um reunião entre ele e os outros dois sócios da Datisa para determinar como seria essa operação com três sócios. "Eu me lembro bem desta data, porque foi quando foi eleito o papa argentino. A reunião ficou parada por umas duas horas por causa disso, porque eles estavam todos comemorando a eleição do papa argentino. Quando a reunião acabou, eles me chamaram para uma conversa reservada. Nesta hora eu já sabia que se tratava de corrupção. E eu já estava enojado desse assunto, não queria mais falar disso, mas como eles sabiam que eu tinha hora para sair, deixaram para o final, e acabei aceitando pela pressão do tempo. Não estou me eximindo de responsabilidade, eu cometi um erro e persisti nele. Quando eu estava indo até o elevador, o Mariano (Jinkins, da Fullplay) me acompanhou e disse que eles já tinham gasto US$ 10 milhões (em propina) e falou: 'Não se preocupe, eu já acertei tudo com todos'."

Além disso, houve ainda outros envolvidos nos pagamentos de propina para o ex-presidente da Concacaf, Jeffrey Webb, relativo à Copa América Centenário, que aconteceu em 2016 nos Estados Unidos. Segundo Hawilla, Alejandro Burzaco, da Torneos y Competencias, informou-lhe que já havia acertado pagar US$ 10 milhões a Webb, mas que em seguida recebeu uma ligação de Mariana Jinkins dizendo que ele (Jinkins) também tinha participado da negociação.

Nesta hora, Hawilla fez o seguinte comentário ao promotor de Justiça americano: "Ou seja, o que era uma humilhação para mim, para ele era motivo de orgulho." Ninguém se comoveu.

O "homem" de Ricardo Teixeira

Quem fazia as negociações de propina com Teixeira, segundo Hawilla, era José Margules, mais conhecido como José Lázaro, através de três empresas de fachada: Valente, Espoarte e Somerton. Segundo ele, Lázaro cuidava, além dos pagamentos de propina, da reserva de satélites e de toda a transmissão televisiva dos eventos ao redor do mundo. "Era sua especialidade". Além disso, essa propina seria para que Teixeira garantisse que todos os jogadores principais da seleção estivessem presentes na Copa América.

Para Grondona, os pagamentos eram feitos através de uma empresa de turismo chamada Alhec, que cuidava de toda a logística da seleção argentina de futebol. Durante seu depoimento, a promotoria mostrou os comprovantes de dois destes pagamentos, totalizando US$ 1,4 milhões. O intermediário destes pagamentos era a Torneos y Competencias.