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Obsessivo por Copas, rival do Fla vai lotar estádio e promete invadir o Rio

Gustavo Figueiredo/Especial para o UOL
Imagem: Gustavo Figueiredo/Especial para o UOL

Gustavo Figueiredo

Especial para o UOL, de Avellaneda (Argentina)

06/12/2017 13h20

Para quem sai da cidade de Buenos Aires rumo ao estádio do Independiente, palco da final da Copa Sul-Americana nesta quarta-feira, às 21h45 (de Brasília), é necessário cruzar o Riachuelo, o pequeno rio poluído que delimita o município ao sul. Em uma margem, a rica capital, na outra, poucos metros adiante, as cidades proletárias da província. 

Chegando em Avellaneda, a proximidade marcante entre opostos é ainda mais evidente. Portões de Club Atlético Independiente e Racing Club literalmente se espelham e se encaram, uma rua e uma viela separam o vermelho sangue e o azul celeste dos times rivais. Ontem pela tarde, ali mesmo, margeando as grades da porção azulada daquela zona – era impossível organizar diferente –, sócios do Rojo faziam fila em busca do último lote de ingressos liberado para o jogo contra o Flamengo.

“É muita expectativa, são quase dez anos afastados de uma final como essa”, me disse mais cedo Alejandro, funcionário do clube responsável pela estrutura das tribunas de imprensa do estádio. Maior ganhador da Libertadores, com sete títulos, o Independiente se orgulha de suas conquistas, a maioria conseguida na década de 1970, quando o clube ganhou o apelido de ‘Rey de Copas’. São no total 16 troféus continentais e intercontinentais que descansam na sede do clube, a um quilômetro do estádio que, não sem motivo, em 2009 foi rebatizado pela torcida com o nome de Libertadores de América.

As "Copas" são a obsessão: casa cheia visitante ausente

Na Argentina, a Sul-Americana vale muito. Aliás, por todo o continente – exceto no Brasil – vencê-la é muitas vezes mais valorizado que um título nacional. Ganhar o que eles chamam de “Copas”, os torneios internacionais decididos em mata-mata, é considerado o diferencial de um time verdadeiramente poderoso. “La Copa Libertadores es mi mi obsesión”, diz a clássica música cantada por todas as ‘hinchadas’ da Argentina. A Sul-Americana, digamos, é a obsessão plano B. E isso não é pouco não.

Funcionário limpa vitrine de troféus continentais na véspera da final: Rey de Copas - Gustavo Figueiredo/Especial para o UOL - Gustavo Figueiredo/Especial para o UOL
Imagem: Gustavo Figueiredo/Especial para o UOL

A última glória desse naipe para o Independiente foi a do título da mesma Copa Sul-Americana, em 2010, quando venceu nos pênaltis o Goiás, revertendo em Avellaneda a desvantagem de dois gols trazida do Serra Dourada. E lá se vão sete anos de ausência do Independiente nos altos postos do futebol latino-americano. E lá se vão milhares de torcedores dispostos a enfrentar sol, fila e mensalidades atrasadas pra testemunharem da arquibancada a volta do rei.

No fim da tarde de ontem, o clube anunciou que todas as quase 50 mil entradas da torcida local para a final estão esgotadas. Em compensação, apenas 700 torcedores rubro-negros se farão presentes em Avellaneda, número muito aquém dos quatro mil brasileiros esperados. Na internet circularam rumores de que Hugo Moyano, o poderoso presidente do Independiente, ex-secretário geral da principal central sindical do país (CGT) e ex-vice-presidente do Partido Justicialista (a principal legenda peronista) em Buenos Aires, se irritou com a ausência da torcida do Flamengo, o que significa que mais ingressos poderiam ter sido disponibilizados para a assistência local.

De fato, a procura foi muito grande em Avellaneda. Somente sócios ativos conseguiram ingressos. O número e a força dos associados nos clubes argentinos impressionam. Alguns torcedores morreram com carnês em dia na mão; nenhum dos sócios inadimplentes estará presente.

Tampouco estarão presentes os eventuais jornalistas brasileiros não-credenciados para partida que por ali estiveram tentando arranjar alguma brecha. “Tenta vir amanhã, cedo, e procura os ‘pibes’ (garotos) da ‘barra’ (torcida organizada) na esquina das ruas Alsina e Ricardo Enrique Bochini. Costuma ter revenda”, disse Rubén, um homem de seus 50 anos, morador do bairro, que "morreu na fila" sem ingresso para ele, para seu filho e para seu neto, três carteirinhas em dia no bolso.

Outra ausência: a barra em cana

Ali próximo à dita esquina, para desafogar a eventual decepção dos excluídos da partida, uma típica ‘parrilla’ de bairro (pequenos botequins com churrasqueira) oferecia sanduíche de ‘tchurrasquito’ e cerveja de litro. Do lado de dentro, uma decoração digna de museu em homenagem aos ‘Diablos Rojos’ de Avellaneda.

Na metade 'roja' de Avellaneda, 'parrilla' tem decoração digna de museu - Gustavo Figueiredo/Especial para o UOL - Gustavo Figueiredo/Especial para o UOL
Imagem: Gustavo Figueiredo/Especial para o UOL

Por trás do balcão, Martín estava duplamente animado: a perspectiva era de boas vendas no dia seguinte e, principalmente, de uma vitória do Rojo. “Hoje fecho 4h da tarde. Amanhã estou aqui cedo, com todos os faróis acesos, para ficar aberto até a madrugada”, disse cheio de sorriso.

Foi Martín quem alertou que dificilmente haverá revenda da La Barra del Rojo, a barra brava do Independiente. Há apenas somente uma semana, uma operação policial prendeu por associação criminosa 20 integrantes da cúpula da torcida, entre eles os atuais vice-presidente e secretário-geral do clube. Um dos detidos chegou a reagir a tiros quando os policiais arrombavam o portão de sua casa, ferindo três agentes. Segundo o noticiário, os detidos são acusados de fazer parte do grupo de Bebote Álvarez, líder da barra, preso desde outubro do ano passado.

“Você tá querendo ingresso, não tá? Não é o primeiro que passa hoje atrás disso. O povo gosta de reclamar da Barra, mas quando não tem revenda da torcida reclama, tá vendo?”, disse Martín, sempre simpático, mostrando que as coisas são complexas e contraditórias. “Chega cedo amanhã que de repente pinta algo. Mas duvido. Maionese? Chimichurri?”, disse, engatando os papos e entregando meu sanduíche.

Invasão ao Maracanã?

Martín toca a bodega há três anos e mostra com alegria e vaidade os recortes na parede. Aponta para as duas fotos assinadas por Ricardo Bochini, ‘El Bocha’, ídolo de infância de Diego Maradona, ídolo maior do C.A. Independiente, jogador símbolo da equipe multicampeã nos 1970, e homenageado com o nome da rua ali da esquina.

Martín vai torcer pro Independiente hoje do lado de trás do balcão; semana que vem, estará no Maraca - Gustavo Figuiredo/Especial para o UOL - Gustavo Figuiredo/Especial para o UOL
Imagem: Gustavo Figuiredo/Especial para o UOL

“Já comprei minha passagem para ir ao Maracanã no jogo final!”, disse decidido, com sorriso de canto de boca. “Já fui ao Rio duas vezes, a primeira com 21 anos, adorei. A segunda há poucos anos com mulher e filho, não gostei, muitos assaltos, não me senti seguro. Mas vou voltar, pra ver o Rojo campeão no Maracanã de novo”, completou, se referindo ao título da Supercopa de 1995, diante de mais de 100 mil flamenguistas. O bodegueiro é um dos quatro mil ‘hinchas’ que devem invadir as terras cariocas.

Quatro mil ou mais

Na segunda-feira, o Independiente anunciou pacotes em dois voos fretados para o Rio, com ingresso incluído. Em duas horas as passagens estavam esgotadas. Ontem à noite, por volta de 22h, nova oferta anunciada pelo clube, desta vez pacotes de ônibus. À meia-noite, praticamente três ônibus lotados. Tudo isso antes mesmo do primeiro jogo.

Pela internet, sócios que já compraram passagens por conta própria se queixam de que a venda de pacotes em parceria com empresas de transporte pode deixá-los sem ingresso, em um castigo injusto por excesso de fidelidade ao time. “O problema é que até agora são apenas quatro mil entradas que serão disponibilizadas. É pouco”, escreveu um torcedor no twitter. “Está todo mundo se preparando pra ir pro Rio! Vai ser uma invasão”, disse o parrillero Martín.

Será? Pode ser. O Rey de Copas encara a final como a volta à sua essência.