Opinião: Sobram piadas e falta respeito com as mulheres no futebol
Quando o apresentador do “Donos da Bola”, da TV Goiânia (afiliada da Bandeirantes), começou a entrevistar a torcedora Karol Barbosa no “Desafio das Musas”, ele não imaginava que essa poderia ser uma das últimas vezes que estaria no ar à frente do programa.
Nem ele, nem a produção inteira do canal tinham visto problema em perguntar para a torcedora se ela era uma “musa aberta às colocações dos outros" ou se “em um clássico contra o Vila, se o juiz põe pra fora, você mete a boca?” ou ainda se “para não sofrer dores localizadas, é importante o médico colocar compressa?”. Fazia parte das "pitadas de humor e descontração” do programa tudo isso.
Exatamente, fazia. Porque hoje, dois dias depois daquela cena grotesca, nem o programa nem o suposto humor que ele trazia existem mais.
Aliás, será que realmente é possível dizer que já existiu humor em constranger uma mulher ao vivo fazendo perguntas de cunho sexual? Dá até para pensar que, em tempos passados, já houve, quando o Rockgol da MTV trazia o quadro Bola na Fogueira com os jogadores convidados do programa respondendo exatamente a esse mesmo tipo de pergunta. Mas é preciso considerar algumas diferenças nas situações aí:
1- O contexto e o momento eram outros. Podemos dizer que o mundo, graças a Deus, evoluiu desde o fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, quando o programa teve seu auge (os preconceituosos diriam que ‘está ficando chato’), e que não há mais espaço para "piadas" com orientação sexual ou constrangimento sexual em rede nacional.
2- O jogador em questão sabia o que iria acontecer e que tipo de perguntas iria responder nesse quadro. E além disso, ele não ia ao programa SÓ para isso. Durante todo o resto do Rockgol, ele respondia outras perguntas (essas realmente sobre futebol) e participava das discussões.
3- No caso do jogador (homem), as piadas sempre foram exceção. Mas a mulher, no contexto do futebol, só é inserida assim: para ser adorno; para ser enfeite; para ser objeto sexual. Não é para torcer, não é para entender, não é para opinar.
Só que nós cansamos de ser piada. Cansamos de comentar jogos (de futebol ou de basquete, como aconteceu, aliás, recentemente) e sermos questionadas sobre a beleza ou até sobre a bunda de jogadores, em vez de sermos acionadas para falar sobre a qualidade técnica deles, como faria qualquer outro comentarista. Cansamos de ir a campo como repórteres e, em vez de nos pedirem para reportar o jogo, pedirem no ar para usarmos uma camisa mais justa da próxima vez (como aconteceu no Donos da Bola versão paulista há alguns anos). Cansamos de responder o que é impedimento acreditando que nosso conhecimento tinha que ser comprovado, chancelado, avalizado por algum homem para sermos levadas a sério.
Hoje nós somos protagonistas, não importa o quanto insistam em ignorar - como fez o programa Donos da Bola ao soltar uma nota claramente subestimando nossa inteligência.
“Nós sabemos que vocês ficaram chocados com a entrevista que nós fizemos ontem com a musa do Goiás. Esse choque é nosso alívio. As perguntas com duplo sentido foram feitas para que todos parassem por um momento e pensassem a respeito do que várias mulheres sofrem todos os dias. Esperamos que cada um que se revoltou seja uma voz real na luta pela igualdade e respeito a todas as mulheres”, dizia o comunicado divulgado no Instagram do programa.
Sabe qual é o nosso alívio, Donos da Bola? É saber que esse programa não existe mais. Enquanto nós existimos - resistimos, aliás, mais fortes do que nunca. Parece que o jogo virou, não é mesmo? Quem são as donas da bola agora?
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