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Em Portugal, nem o VAR ajuda para acabar com a guerra entre os 3 grandes

PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP
Imagem: PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP

Luis Aguilar

Colaboração para o UOL, em Lisboa (Portugal)

27/02/2018 04h00

Dirigentes arguidos, clubes investigados pelo Ministério Público e suspeitas de resultados combinados na primeira divisão. Tudo isto na época de estreia do vídeo-árbitro (VAR), ferramenta longe de gerar consenso entre treinadores e jogadores. Assim vai o futebol português…

10 de julho de 2016. Iam decorridos 109 minutos da final do Euro. Éder arrematou, a bola desviou-se de Hugo Lloris e entrou na baliza francesa. A seleção portuguesa sagrava-se campeã da Europa depois de várias tentativas. O país entrou em euforia e pensou-se que a epopeia lusitana em terras gaulesas serviria para pacificar o ambiente interno e as constantes guerras de palavras entre Benfica, Porto e Sporting, os eternos candidatos ao título. Nada de mais errado.

Rapidamente os êxitos da seleção foram novamente trocados pelos ataques entre os dirigentes destes clubes e as constantes dissertações polêmicas de uma nova figura que tem cada vez mais palco no futebol português: o diretor de comunicação. Elemento que usa os canais de televisão oficiais dos clubes e as redes sociais para pôr em causa todas as manobras dos rivais.

As suspeitas tornaram-se mais fortes no último verão (europeu) quando o diretor de comunicação do Porto, Francisco J. Marques, começou a divulgar e-mails do Benfica, clube que ganhou os últimos quatro campeonatos, revelando alegadas pressões de dirigentes encarnados no sentido de controlar árbitros, observadores destes e delegados da liga. Enquanto o Porto diz que os e-mails em causa mostram que o Benfica tentou tirar vantagens desportivas à margem das regras, os tetracampeões negam tudo e queixam-se de crime informático.

O certo é que o Porto, através de Francisco J. Marques, teve acesso a 20 gigas de informação eletrônica de vários responsáveis do Benfica – incluindo o presidente Luís Filipe Vieira e o assessor jurídico Paulo Gonçalves –, material entregue à Unidade de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária. Ao mesmo tempo, os encarnados avançaram com um processo-crime, por difamação, contra Francisco J.Marques e outro contra o Porto, a quem acusam de “concorrência desleal, acesso ilegítimo a correspondência privada, difamação e violação do segredo de negócio”. Os casos estão na esfera da justiça e ainda não têm conclusão.

Em dezembro do ano passado, surgiram várias notícias a dar conta de uma investigação da Polícia Judiciária sobre pagamentos a jogadores do Rio Ave para perderem um jogo com o Benfica, na época 2015/2016, em que os encarnados foram campeões com dois pontos de vantagem sobre o Sporting. Esta investigação insere-se no âmbito dos alegados esquemas de viciação de resultados, que já fez quatro jogadores do Rio Ave arguidos, com suspeitas sobre outro jogo desta equipa, frente ao Feirense, na temporada passada. Sobre este tema, os responsáveis do Benfica disseram “desconhecer todo o assunto” e  não ter “qualquer comentário a fazer.

No meio desta guerra aparece o Sporting. Em 6 de outubro de 2015, num programa do canal TVI24, o presidente dos leões, Bruno de Carvalho, acusou o Benfica de oferecer persentes a árbitros, delegados e observador a cada jogo da equipa A e B. Tratavam-se de vouchers de refeições que, segundo o dirigente leonino, ultrapassavam o valor estipulado pelo Código de Ética da UEFA, o qual prevê que os árbitros possam receber ofertas até183 euros (200 francos suíços). Na justiça desportiva, o “caso dos vouchers” foi arquivado. Porém, em janeiro deste ano, o Ministério Público decidiu concentrar este caso ao dos e-mails num só processo sobre os encarnados. Porto e Sporting aproveitaram este anúncio para relembrar as fortes suspeitas da justiça civil sobre eventuais práticas ilícitas do clube da Luz.

Confusão fora de campo

Mais recentemente, num processo extra futebol, Luís Filipe Vieira foi envolvido na Operação Lex, investigação sobre crimes de corrupção, recebimento indevido de vantagens, branqueamento de capitais, tráfico de influência e fraude fiscal, que tem no centro da ação o juiz desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, Rui Rangel, acusado de receber subornos para influenciar decisões na justiça. Segundo a revista Sábado, Vieira teria pedido ajuda a Rangel na resolução de um processo fiscal de uma das suas sociedades imobiliárias, dando-lhe como contrapartida um “futuro cargo remunerado” numa universidade que o Benfica pretende abrir. De salientar que Rangel foi candidato às eleições do Benfica contra Vieira perdendo por esmagadora maioria para o homem que é presidente das águias desde 2003.

A equipe do Benfica, por sua vez, parece imune a todos estes casos. Depois de um mau início, em que contabilizou zero pontos na Champions, ficando fora, também de forma precoce, na Taça de Portugal e na Taça da Liga, o conjunto de Rui Vitória parece ter encontrado o caminho das boas exibições e segue numa luta com Porto  na tentativa de conquistar o pentacampeonato, algo que, em Portugal, apenas o Porto alcançou.

Porto x Benfica (2017) - FRANCISCO LEONG/AFP - FRANCISCO LEONG/AFP
Imagem: FRANCISCO LEONG/AFP

Vídeo-árbitro no centro da polêmica

Com os três clubes sonhando com o título, as guerras de palavras seguem-se a cada rodada e têm como alvo, quase sempre, as arbitragens e as decisões (ou não decisões) do vídeo-árbitro (VAR). Se, por um lado, os treinadores destas equipes mostram-se favoráveis à tecnologia que estreou esta temporada no futebol português, em momentos diferentes já todos teceram críticas ao VAR. Sérgio Conceição, treinador do Porto, chegou mesmo a afirmar que nos jogos da sua equipe não há VAR, lamentando a falta de intervenção desta ferramenta em relação a decisões que prejudicaram os dragões. “Pode ser bom para o futebol. Agora, conosco em mais uma dezena de casos não houve VAR. Já estamos habituados a que não haja nos nossos jogos”, defendeu o técnico.

O Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), presidido por José Fontelas Gomes, apelou várias vezes à calma, lembrando que se trata de uma tecnologia nova, a ser implementada, com arestas por limar, mas que está funcionando. Discurso partilhado por Pedro Proença, presidente da Liga, ele próprio ex-árbitro internacional. A FPF já garantiu a continuidade do VAR na próxima temporada, apesar das críticas dos principais clubes.

Mas a vida continua difícil para os árbitros do futebol português. Em outubro do último ano, o presidente da FPF, Fernando Gomes, esteve na Assembleia da República e lembrou o clima de constante pressão, ameaças e insegurança que rodeia a arbitragem. A causa, segundo o dirigente, está precisamente no clima hostil promovido pelos clubes, com Benfica, Porto e Sporting. “Na nossa opinião, devemos ter regulamentos mais duros, que inibam as pessoas do futebol de contribuir para a destruição do setor em que trabalham. Muitas das mais violentas insinuações e acusações são feitas às equipas de arbitragem. Em Portugal temos um problema grave de relação com a arbitragem”.

Nesta intervenção, Fernando Gomes mostrou ainda esperança por dias melhores. “Não acredito que não seja possível projetar algumas alterações através desse contributo. Ser campeão da Europa é muito mais difícil do que lutar contra a violência, mas tenho otimismo em relação a essas questões.” Fica a vontade do líder máximo do futebol português, mas longe parecem ir os tempos de bonança depois daquele remate certeiro de Éder.