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Violência contra a mulher nos estádios: está na hora dos clubes agirem

Repórter Renata de Medeiros, da Rádio Gaúcha, foi agredida por torcedor - Reprodução/FacebookRenatadeMedeiros
Repórter Renata de Medeiros, da Rádio Gaúcha, foi agredida por torcedor Imagem: Reprodução/FacebookRenatadeMedeiros

Dibradoras

Colaboração para o UOL

13/03/2018 09h47

O 8 de março passou, e as ações promovidas pelos clubes de futebol também - mas o que ficou e permanece a cada jogo no estádio é a realidade de violência que as mulheres vivem seja na arquibancada, no camarote ou nos microfones.

No clássico Gre-Nal, ocorrido neste domingo no Beira-Rio, duas cenas (devidamente registradas em vídeo) escancararam a realidade da mulher num estádio de futebol.

Na primeira, Renata de Medeiros, repórter da Rádio Gaúcha, foi agredida e teve sua câmera derrubada por um torcedor, que ainda a chamou de “puta” quando ela tentava fazer seu trabalho cobrindo o clássico.

Em outro setor do estádio, mulheres eram a maioria em um dos camarotes e, ao olharem para baixo, se depararam com torcedores colorados fazendo gestos obscenos e sexuais para elas.  Tudo também filmado e denunciado nas redes sociais pelas mulheres que se sentiram constrangidas com a situação.

Em plena semana da mulher, duas situações em um único jogo que comprovam como a mulher é tratada no futebol: como “puta”, como objeto sexual, e como alvo frequente de violência. O Internacional chegou a divulgar uma nota lamentando o ocorrido e dizendo que retirou o torcedor do estádio e o encaminhou para o Juizado Especial Criminal, mas ele não foi ao local e o clube ainda busca identificá-lo.

Renata de Medeiros estava ali resistindo a todas as adversidades que as mulheres que trabalham no jornalismo esportivo precisam superar todos os dias. E estava trabalhando. Quantas vezes já não teve que ouvir xingamentos machistas de torcedores que não toleram sua presença ali simplesmente por ser mulher? Quantas vezes não precisou tapar os ouvidos para as inúmeras agressões verbais que sofre na beira do gramado apenas por ousar ocupar um espaço que a sociedade diz e repete todos os dias não ser dela?

A mesma repórter passou por outra situação de machismo quando, ao entrevistar Guto Ferreira, então técnico do Internacional em julho de 2017, recebeu uma resposta totalmente desnecessária com doses de machismo. “Não vou te responder com uma pergunta porque você é mulher e talvez não tenha jogado (futebol). Mas todo jogador que joga tem dificuldades de ter uma tensão a mais no lance final... ", disse o treinador com o intuito de menosprezar o conhecimento de Renata, a única repórter mulher a participar da coletiva de imprensa em questão. 

E, de repente, em um clássico, um torcedor chega a agredi-la fisicamente em um momento em que está vulnerável, com a câmera de celular na mão, trabalhando, num ato de covardia tremenda que chega a chocar.

Do lado de fora do estádio, antes mesmo de chegar ao Gre-Nal, outra torcedora do Inter se sentiu ameaçada no caminho para o Beira-Rio, quando andava na rua sozinha e foi abordada por homens dentro de um carro que estacionaram perto dela e passaram a gritar - de “gostosa” pra baixo. Tomada pelo medo, ela não soube o que fazer e seguiu andando, cabeça abaixada, sem olhar pra trás. Até que uma outra torcedora a viu do outro lado da rua e a acompanhou em segurança para o estádio.

O que dá a esse torcedor o direito de partir pra cima de uma profissional dentro de um estádio de futebol? Ou o que faz com que homens na arquibancada achem “aceitável” e “engraçado” fazer gestos obscenos em direção às mulheres que têm tanto direito quanto eles de estarem ali? E o que permite que outros torcedores estacionem um carro no nosso caminho cerceando nossa liberdade e se achando no direito de dizer coisas sobre nossos corpos?

O que está por trás deste futebol, afinal, que ainda permite que casos como esses sejam acobertados ou “lamentados” pelos clubes, mas nunca combatidos devidamente por eles?

O que aconteceu no Beira-Rio (e no entorno dele) é inaceitável, inconcebível e, ao mesmo tempo, tão simbólico sobre a realidade das mulheres nos estádios. Porque esses casos, infelizmente, não são isolados. Todo domingo tem uma mulher assediada na arquibancada mais próxima de você - leia-se encoxada, apalpada ou alvo de comentários sexuais. Toda quarta tem uma mulher vítima de violência física e/ou verbal no estádio ao lado. Toda mulher que gosta de futebol já viveu uma situação dessas, e isso é a prova de que essa é uma realidade - não é mimimi, não é vitimismo, basta perguntar a qualquer torcedora ou jornalista esportiva que você conheça.

E é simbólico que tenha acontecido no 12 de março - porque o 12 de março, veja só, não é o 8 de março, quando todos os clubes se lembram de que têm torcedoras. O 12, o 13, o 14, e todos os outros dias do mês em que as mulheres são ignoradas pelos seus times, que não conseguem ir além do dia da mulher para pensar em ações que possam aproxima-las, e não afastá-las ainda mais dos estádios.

Quantas meninas presenciaram a cena dos gestos obscenos no camarote que não vão mais querer voltar ao estádio por medo? Quantas jornalistas esportivas não param no meio do caminho por medo? Quantas mulheres você conhece que nunca foram a um jogo in loco por MEDO?

Essa é uma realidade que precisa ser enfrentada de frente, com direito à toda redundância da expressão aqui, pelos clubes brasileiros. E que muitas vezes acaba ignorada porque esses clubes não têm sequer uma mulher em cargos importantes de gestão. Não adianta entregar flores, entregar ingressos, se o mínimo, que é a segurança e atenção, os clubes não estão entregando há décadas.

O Náutico, por exemplo, criou uma Diretoria da Mulher justamente para lidar com ações mais acolhedoras para a torcida feminina. O São Paulo divulgou um manifesto importante na semana passada em que cria um grupo de ouvidoria e discussão só com mulheres para debater ações a serem feitas pelo clube em prol delas. Uma das ações, inclusive, será prestar atendimento a mulheres vítimas de violência no estádio - um excelente exemplo que o Inter poderia copiar para tratar os casos do último fim de semana.

O dia da Mulher acontece em apenas uma data. A violência contra a mulher acontece todos os dias. E o futebol também tem seu papel para combater esse problema - está na hora de assumi-lo.

Dibradoras é formado por duas jornalistas, uma designer e uma publicitária apaixonadas por esportes. O Dibradoras surgiu para provar que mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, elas dibram.