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Do futebol americano ao "soccer": EUA acham goleiro de seleção em SP

Phillip joga no Nacional, da 2ª Divisão paulista, e foi a 3 amistosos pelo sub-20 americano - Ale Vianna/Nacional
Phillip joga no Nacional, da 2ª Divisão paulista, e foi a 3 amistosos pelo sub-20 americano Imagem: Ale Vianna/Nacional

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

13/04/2018 04h00

Em preparação para as Eliminatórias do Mundial sub-20 de 2019, a seleção dos Estados Unidos começou no mês passado uma série de testes para a definição do elenco. Na última convocação estiveram 25 meninos para serem observados de perto pela comissão técnica, com jogadores de clubes como Benfica (POR), Ajax (HOL), Tijuana (MEX), Los Angeles Galaxy (EUA), Colonia, Werder Bremen e Schalke 04 (ALE) e até de um time brasileiro. Corinthians? Flamengo? Cruzeiro? Nada disso. A promessa americana convocada para a seleção sub-20 joga no Nacional Atlético Clube, de São Paulo.

Tradicional revelador de talentos no futebol paulista, o clube disputou a Série A-2, segunda divisão do Estado em 2018 e ficou próximo do acesso, perdido nas últimas rodadas. Aos 18 anos, o goleiro Phillip Chijoke Ejimadu participou de alguns jogos com os profissionais logo após despontar na Copa São Paulo de Juniores, em janeiro. Em todo este tempo ele foi visto por observadores da seleção dos Estados Unidos e então convocado para amistosos contra França (uma derrota por 2 a 0 e uma vitória por 1 a 0) e Atlético de Madri (empate em 1 a 1) realizados na Espanha. 

Após 11 dias de sonho na Europa, Phillip voltou ao Brasil na última semana, retomou os trabalhos no modesto clube paulista e contou sua história inusitada ao UOL Esporte.

Ele é filho de mãe brasileira e pai nigeriano que se conheceram enquanto concluíam estudos nos Estados Unidos. "É essa minha história confusa", brinca. 

Phillip nasceu na cidade de Minneapolis, estado americano de Minnesota, em agosto de 1999. Ele se mudou para o Brasil quando tinha sete anos, ao lado dos pais e de dois irmãos, que hoje têm 15 e 12 anos de idade, e se estabeleceu em São Paulo. Além do país, o garoto americano precisou mudar de hábitos, pois naqueles tempos jogava como offensive guard em uma academia para menores do Oakland Raiders. Do futebol americano ele passou para o "soccer" em terras brasileiras.

Phillip, do Nacional - Divulgação/US Soccer - Divulgação/US Soccer
Phillip é o camisa 12 da seleção sub-20 dos Estados Unidos neste registro na Espanha
Imagem: Divulgação/US Soccer

"Eu jogava com os Raiders e minha vida toda foi fazendo academia, exercício de adulto, desde pequeno. Eu era offensive  guard, a minha função era proteger o quarterback, ​que é o armador, então tinha que proteger ele, para não atacarem ele e finalizarem a jogada. Sempre fui desta parte defensiva, acho que pelo tamanho e força. Quando eu cheguei ao Brasil não tinha futebol americano para minha idade e não dava para brincar com os mais velhos (risos). Acabei entrando no futebol brasileiro e nunca joguei futebol americano no Brasil. Agora como profissão já é tarde demais. Todo esporte tem que ser desde pequeno. Mas quero voltar a brincar", conta a promessa que o futebol americano perdeu.

Da Lusa ao Nacional

Interessado em atividade física desde criança, Phillip resolveu tentar jogar o esporte mais popular do Brasil quando chegou por aqui. Ele aprendeu a ser goleiro e foi aprovado em uma avaliação da Portuguesa em razão da força física e do tamanho - hoje aos 18 anos, mede 1,90m e pesa 90kg. Foram alguns campeonatos pelas categorias sub-11 e sub-13 antes de ser dispensado por razões técnicas após três anos no clube. De lá, fez testes no Nacional e acabou aprovado para o sub-14. Deslanchou.

"Cheguei ao clube e fui de degrau em degrau até o sub-20. Eu era o último goleiro de quatro no nosso elenco de juniores. Só que um dia o goleiro do profissional faltou e eles estavam precisando de goleiro. Eu não estava sendo usado e me subiram porque o preparador (Carlos Gregório) pediu qualquer goleiro do sub-20, só para completar o treino mesmo. Fui ajudar. Mas ele começou a me treinar e gostou do meu trabalho, viu algo em mim e me subiu. Dou graças a Deus por ele ter me subido ao profissional, senão não teria evoluído assim. Isso foi no começo de 2017, estávamos disputando a A-3 que fomos campeões. Já comecei pé quente", diverte-se.

Phillip se identifica com o estilo de jogo do alemão Neuer. Ele atua adiantado, quase como líbero, aparecendo nas costas da zaga para antecipar passes e jogar com os pés. No Brasil ele gosta do gremista Marcelo Grohe, também por inspiração pessoal em sua segurança, velocidade e reposição: "Eu tenho muita explosão e a disputa mano a mano é meu forte, fechar espaço ali".

Do Nacional ao mundo

Convocado para a seleção sub-20 dos Estados Unidos após quatro anos de Nacional, Phillip sabe que "ninguém espera alguém do Nacional ser convocado". Ele é o segundo da história do clube e rompeu uma barreira de 55 anos: o único até então era Waldir Vicente, que esteve na seleção brasileira que disputou o Pan-americano de 1963 (Carlos Alberto Torres e Jairzinho estiveram nesta equipe), em São Paulo.

Phillip, do Nacional - Ale Vianna/Nacional - Ale Vianna/Nacional
Em 2018, goleiro atuou na Copa São Paulo Júnior e na Série A2 entre os profissionais
Imagem: Ale Vianna/Nacional

Seleção nem era o objetivo central de Phillip neste momento. Agora é. "Não é porque fui convocado que vou relaxar. É justamente por isso que tenho que treinar o dobro, me esforçar ainda mais para ser convocado de novo. Foi uma experiência nova, eu nunca tinha sido convocado para a seleção do meu país. Então consegui ir para lá e aprendi muita coisa, técnicas, tipos de treinos, fundamentos, voltei mais maduro ao Brasil, com pensamento diferente do que realmente é ser jogador de futebol". 

Agora de volta ao Brasil em meio a novos sonhos, Phillip segue a rotina: treinamentos de manhã, descanso à tarde, segundo semestre da faculdade de Educação Física à noite e jogos aos fins de semana.

"Eu quero alcançar aquilo que Deus proporcionar. Sonho com clubes grandes, Europa, seleção, terminar os estudos, tudo isso. Sei que no futuro vou colher o que plantei."

*Atualizada às 16h15