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Em 5 anos, Barcelona abandona base e acumula gerações perdidas

FC Barcelona/Divulgação
Imagem: FC Barcelona/Divulgação

Thiago Arantes

Colaboração para o UOL, em Barcelona

01/05/2018 04h00

Era 25 de novembro de 2012, no Estádio Ciutat de Valencia. O Barcelona empatava por 0 a 0 com o Levante, pelo Campeonato Espanhol, quando Daniel Alves se machucou, aos 13 minutos de jogo. Quando Montoya entrou em campo para substituir o brasileiro, um sonho tornou-se realidade: o Barcelona jogava com 11 jogadores formados em La Masia, sua mítica escola de futebol de base.

Valdés; Montoya, Puyol, Piqué e Jordi Alba; Busquets, Xavi e Iniesta; Messi, Pedro e Fàbregas. O técnico era Tito Vilanova, também formado na base do clube catalão. O Barcelona vence por 4 a 0, com dois gols de Messi, um de Fàbregas e outro de Iniesta. Era a vitória de uma maneira de formar jogadores que parecia destinada a perdurar por muito tempo.

Cinco anos e meio se passaram até o dia 17 de abril de 2018, no Estádio de Balaídos, em Vigo. Poupando jogadores para a final da Copa do Rei (na qual o Barcelona venceria o Sevilla por 5 a 0, quatro dias depois), o técnico Ernesto Valverde leva a campo um time titular com Ter Stegen; Semedo, Yerry Mina, Vermaelen e Digne; André Gomes, Paulinho, Denis Suárez e Coutinho; Dembelé e Alcácer.

O empate por 2 a 2 marcou a primeira partida em 16 anos em que o Barcelona não teve um único jogador da cantera como titular. E deu início a um amplo debate sobre como as categorias de base do clube têm sido tratadas nos últimos anos.

Desde a saída de Tito Vilanova, por problemas de saúde, em 2013, os jovens das categorias de base praticamente desapareceram do time titular. Seja sob o comando de Tata Martino, Luis Enrique ou Ernesto Valverde, o fluxo de chegada de jogadores de La Masia foi praticamente interrompido. O último a chegar e consolidar-se no time principal foi Sergi Roberto, meio-campista que também joga improvisado como lateral-direito - o primeiro contrato dele com o time principal foi assinado em julho de 2013.

Geração perdida

Sergi Roberto, do Barcelona - AP Photo/Emilio Morenatti - AP Photo/Emilio Morenatti
Imagem: AP Photo/Emilio Morenatti

Desde a chegada de Sergi Roberto ao time principal, o Barcelona continuou produzindo jogadores nas categorias de base e ganhando títulos importantes. Mas o último passo tem sido a maior dificuldade. Um problema reconhecido pelo próprio técnico do time, Ernesto Valverde.

“É preciso lembrar que tivemos uma grande geração, com jogadores especiais como Xavi e Iniesta. Em alguns momentos teremos mais jogadores da base, e outras vezes teremos menos”, afirmou o treinador recentemente, ao ser questionado sobre a falta de jovens de La Masia no elenco.

A geração que pode pedir passagem em breve já é a segunda - para muitos, a terceira - desde que Guardiola e Tito Vilanova deixaram o clube. Em 2014, por exemplo, o Barcelona ganhou a primeira edição da Youth League, versão sub-19 da Champions League, mas nenhum jogador consolidou-se no time principal. Dentre os 11 titulares da vitória por 3 a 0 sobre o Benfica na final, apenas o atacante Munir El-Haddadi continua vinculado ao clube catalão, e atualmente está emprestado ao Alavés.

Desde aquela época, os jogadores da base que nunca puderam se consolidar no time principal - seja por falta de oportunidades ou de qualidade técnica - foram muitos, e em todas as posições: o goleiro Onana foi para o Ajax antes mesmo de passar pelo Barça B; o lateral-esquerdo Grimaldo deixou o clube por falta de oportunidades e é titular no Benfica; Carles Planas e Marc Muniesa jogam juntos na defesa do Girona; Sergi Samper se machucou jogando pelo Las Palmas, no segundo empréstimo em dois anos; o coreano Lee deixou o clube para ir ao Verona; Deulofeu, depois de duas tentativas frustradas de se consolidar, foi cedido ao Watford. E a lista não para de crescer, ano após anos.

Observando apenas os atacantes, o dado é ainda mais assustador. Se na época de Guardiola e Vilanova, jogadores como Tello, Cuenca e Jeffren disputavam jogos eliminatórios de Champions League e clássicos contra o Real Madrid, desde 2013 o muro do time principal ficou alto demais: Sandro, Sanabria, Dongou e Adama Traoré foram alguns dos jogadores que ficaram pelo caminho.

Novo título... Novos ídolos?

Xavi Simons, de 12 anos, é destaque da base do Barcelona - Luis Villarejo/Efe - Luis Villarejo/Efe
Imagem: Luis Villarejo/Efe

Mesmo sem aproveitar os jogadores da base como em outros tempos, o Barcelona continua conseguindo resultados expressivos e aplicando conceitos táticos que têm sua raiz nos times de Johan Cruyff e Pep Guardiola. Foi com jogadores mais frágeis, porém habilidosos, trocas de passes e muita posse de bola, que o time juvenil conquistou nesta semana o segundo título do clube na Youth League, ao vencer o Chelsea por 3 a 0.

Nos campeonatos locais, o Barcelona também sobra. Lidera as ligas catalãs de Juvenis, Cadetes e Infantis (as três categorias com equipes de 11 jogadores) e soma apenas três derrotas em 83 partidas se somadas as categorias.

Todos os fins de semana, a Ciutat Esportiva Joan Gamper - centro de treinamentos do clube e sede da nova Masia, onde acontecem os jogos da base - costumam receber bom público para acompanhar os jogos de categorias que vão de 7 a 19 anos. A atenção da torcida e da mídia já transformou alguns deles em celebridade.

O maior exemplo é Xavi Simons, meio-campista de 15 anos, filho de pai holandês, com um cabelo à la David Luiz e 1 milhão de seguidores no Instagram. Em setembro do ano passado, o super agente Mino Raiola tentou aproximar-se do garoto. O clube reagiu colocando uma cláusula de 3 milhões de euros (R$ 12 milhões) para o garoto.

A popularidade de Simmons preocupa o Barcelona internamente. “É uma situação desconfortável para o clube, ter uma criança de 15 anos com tantos seguidores, com a vida tão monitorada nas redes sociais. O melhor, mesmo, seria que ele não fosse seguido por tanta gente”, disse ao UOL Esporte um funcionário do clube catalão.

Veja lances de Xavi Simons

UOL Esporte

Bem menos popular que Simmons nas redes sociais, mas muito mais próximo de estrear no time principal, Riqui Puig, de 18 anos, é outro garoto prodígio de La Masia. Ele chegou ao Barcelona aos 14 anos, depois de ser revelado pelo Jabac, de Terrassa, mesmo clube em que Xavi Hernández deu os primeiros passos no futebol. Filho de família de classe média-alta, Riqui começou a carreira esportiva jogando tênis, e só aos 16 anos optou de vez pelo futebol.

Peça fundamental no título da Youth League, o meio-campista já participou de treinos com o time principal. Mas, no momento, a ordem - na família e no clube - é manter a calma. “Vamos com calma, um passo de cada vez”, repete o pai do garoto, Carlos Puig, como um mantra. O técnico Ernesto Valverde segue a mesma linha. “Esperamos muito dele, mas ainda é cedo. Ele é do time juvenil, já jogou algumas vezes no Barça B e tem muito do estilo do clube. Esperamos que tenha um grande caminho a percorrer por aqui.”

Antes de Riqui Puig, porém, há outro nome na fila para integrar o time principal. Trata-se de Carles Aleñá, meia de 20 anos, atualmente no Barça B. Em que pese a crise que vive o time filial do Barcelona na atual temporada - corre risco de rebaixamento para a Segunda B, equivalente a uma terceira divisão -, o jovem tem se destacado com boas atuações. Subí-lo para o time principal na próxima temporada é uma das prioridades do departamento de futebol.

Nos bastidores do clube catalão, existe uma cobrança a Valverde para que o trabalho com os jovens da base seja intensificado. O técnico, que ficou conhecido por lançar jovens no Athletic de Bilbao, dá indícios de que - depois de conquistar a Copa do Rei e a Liga Espanhola, da qual é virtual campeão -, passará a dar mais espaço para a base.

“Valverde jogou aqui, sabe a importância de La Masia e é um treinador que conhece a filosofia do clube. É um treinador que tem plenas condições de manter o DNA histórico do Barcelona no time principal”, afirma Joan Vilà, diretor de metodologia do clube. A partir da próxima temporada, será hora de colocar a teoria em prática.