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Brecha em Código Antidoping permite que atletas joguem mesmo suspensos

Caso de Pedro Ken exemplifica uma brecha na legislação antidopagem brasileira - Bruno Aragão/CearaSC.com
Caso de Pedro Ken exemplifica uma brecha na legislação antidopagem brasileira Imagem: Bruno Aragão/CearaSC.com

Arthur Sandes*

Do UOL, em São Paulo

18/05/2018 04h00

Punido de forma definitiva há poucos dias, Pedro Ken, do Ceará, foi pego com a substância anastrozol em setembro de 2017. A reportagem apurou que em 1º de fevereiro o TJDAD (Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem) decidiu suspender o meia preventivamente. Pela regra, no entanto, o gancho só passa a valer quando o atleta é notificado oficialmente, o que só aconteceria 20 dias depois. Neste intervalo, ele atuou em quatro partidas, incluindo um clássico contra o Fortaleza pelo Campeonato Estadual.

O caso de Pedro Ken exemplifica uma brecha de procedimento que, hoje, permite que atletas suspensos por doping entrem em campo normalmente. O problema está no período entre a suspensão preventiva e a notificação do jogador. Atualmente, não há um prazo oficial que essa comunicação seja feita, segundo o Código Brasileiro Antidopagem, e ela depende apenas da atuação do TJDAD. Na prática, o tribunal consegue definir, sem transparência, quando a suspensão do jogador de fato será iniciada, o que dá margem para arbitrariedades no processo de punição. 

Se Pedro Ken fosse notificado de sua suspensão preventiva de forma imediata, em 1º de fevereiro, por exemplo, ele teria ficado fora do clássico contra o Fortaleza, pela primeira fase do Campeonato Cearente, em 4 de fevereiro, quando sua equipe venceu por 2 a 0. Além do duelo direto, Pedro Ken ainda jogaria outras três partidas até finalmente ser comunicado oficialmente da suspensão. Só que nada disso foi tratado abertamente. Tanto a suspensão preventiva como a notificação do gancho não foram tornadas públicas pelos órgãos envolvidos. 

O doping de Pedro Ken, como de praxe, foi investigado pela Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), mas o tipo de substância fez com que a decisão pela eventual suspensão preventiva passasse pelo tribunal. O anastrozol faz parte de uma lista de itens "específicos", que podem ter sido consumidas sem a finalidade da melhora de desempenho (compostos usados em remédios, por exemplo). Por isso, o TJDAD assume o caso e avalia se o atleta deve, ou não, ser suspenso preventivamente. No caso de Pedro Ken, a decisão foi por um gancho provisório, só que a notificação feita 20 dias depois permitiu que ele atuasse normalmente no período. 

Em contato com o UOL Esporte via nota oficial, a ABCD alega que “não tem qualquer ingerência no prazo e no trâmite do processo, após este ser enviado ao Tribunal”.

O trabalho em torno de um flagrante de doping é naturalmente demorado devido a uma série de análises, revisões e investigações para que não reste dúvidas quanto ao resultado dos exames. Durante este período não há divulgação para que os atletas envolvidos não sejam expostos. Na prática, só se sabe que um esportista foi pego no doping no dia em que seu nome aparece na lista da ABCD. No caso de Pedro Ken, este processo demorou cinco meses.

“Se as coisas funcionarem de acordo com as boas práticas, não há necessidade de um prazo, pois a tramitação está bem descrita no Código”, diz Luis Horta em entrevista ao UOL Esporte. Ele foi consultor internacional da ABCD, ajudou a criar o documento e alerta para a importância da rapidez na determinação de suspensão preventiva. “É um direito dos atletas limpos. Não podemos permitir que um atleta com violação possa continuar a competir, porque neste caso os direitos dos outros atletas não estão sendo preservados.”

Sempre que procurada, a ABCD resumiu-se a esclarecer questões técnicas e procedimentos padrão, mas optou por não conceder entrevistas até o fechamento desta reportagem.

O que é a suspensão preventiva

A suspensão preventiva é um recurso para tirar de competição o atleta que testou positivo, fazendo com que este aguarde o julgamento longe do esporte. Ela está prevista no Código Brasileiro Antidopagem, documento aprovado pela chamada “Lei Antidoping” em 2016 (nº 13.322). Mas a pena prévia não acontece sempre, pois depende da classificação da substância proibida.

Há dois caminhos possíveis: as substâncias “especificadas”, como a de Pedro Ken, podem ter sido consumidas com outras finalidades que não a melhora de desempenho (compostos químicos usados em remédios, por exemplo). Justamente por isso o TJDAD julga caso a caso, avaliando se a suspensão preventiva é necessária ou não.

Na outra situação, as “não-especificadas”, a suspensão preventiva é automática pois trata-se de elementos usados exclusivamente para ganho esportivo.

*Colaborou Demétrio Vecchioli