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Polícia diz que súmula de jogo foi adulterada para beneficiar Botafogo-PB

Marcello De Vico e Gabriel Carneiro

Do UOL, em Santos e São Paulo

18/05/2018 04h00

Com mais de seis meses de investigação, a Operação Cartola, deflagrada no mês de abril pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, continua trazendo à tona diversos esquemas de corrupção no futebol da Paraíba. Um deles diz respeito à adulteração da súmula de uma partida do Campeonato Estadual deste ano, entre Botafogo-PB e CSP, no estádio Almeidão, realizada em 11 de fevereiro, domingo de Carnaval, e que terminou empatada por 3 a 3.

O resultado, porém, acaba sendo o menos importante neste episódio. O UOL Esporte teve acesso a áudios e documentos obtidos pela Polícia Civil que comprovam a articulação entre cartolas e membros da arbitragem para mudar um detalhe da súmula que poderia vir a prejudicar o Botafogo-PB, mandante da partida em questão – válida pela sétima rodada do Estadual.

Depois do apito final do juiz Francisco Santiago, uma briga entre jogadores dos dois times tomou conta do campo do Almeidão. No mesmo instante, torcedores presentes nas arquibancadas passaram a atirar objetos (como chinelos) em direção ao gramado (veja vídeo abaixo), o que poderia provocar a perda de mandos de campo do Botafogo-PB em um eventual julgamento.

Botafogo-PB solicita mudança da súmula, e é atendido

Foi então que a movimentação nos bastidores teve início. A ideia dos dirigentes do Botafogo-PB era conseguir que o árbitro da partida não relatasse os objetos arremessados na súmula – ou ao menos minimizasse a situação. De acordo com relatório da Polícia, um homem não identificado revela a Zezinho, presidente do clube, que as imagens da TV Belo comprovam a atitude dos torcedores. O presidente, por sua vez, entra em contato com José Renato, agora ex-presidente da Comissão de Arbitragem da Federação Paraibana de Futebol (FPF) - demitido há cerca de um mês, após a deflagração da Operação Cartola.

Na conversa entre os dois, Zezinho pede a José Renato que fale com o juiz da partida para que ele não coloque na súmula sobre os objetos jogados em campo – algo que ele já teria admitido que colocaria. Já no dia seguinte, após duas conversas entre José Renato e Santiago, o árbitro atende ao pedido do presidente da Comissão. O que se vê em seguida – entre áudios e transcrições da Polícia – é uma série de negociações para que a súmula inicial não seja publicada e então seja alterada afim de não prejudicar o Botafogo-PB com possíveis punições.

Depois de negociações em que ainda são citados o presidente da FPF, Amadeu Rodrigues, o vice de futebol do Botafogo-PB, Breno Morais, e o vice jurídico do Botafogo-PB, Alexandre Cavalcanti, entre outros, a súmula acabou alterada. No dia 14 de fevereiro, três dias após a partida, todo o quarteto de arbitragem retornou à FPF para assinar a nova súmula. No documento que pode ser encontrado no site oficial da FPF, Francisco Santiago relata os objetos, mas diz que ‘não conseguiu identificar a torcida responsável pelos arremessos’.

Trecho de súmula do jogo entre Botafogo-PB x CSP, pelo Paraibano - Reprodução/SIte oficial da Federação Paraibana de Futebol - Reprodução/SIte oficial da Federação Paraibana de Futebol
Imagem: Reprodução/SIte oficial da Federação Paraibana de Futebol

B.O. quatro dias após o jogo: “por causa do Carnaval”

Para aliviar ainda mais a situação do Botafogo-PB em um eventual julgamento, os cartolas usaram um ‘laranja’ para registrar o boletim de ocorrência (B.O.) e assim assumir a culpa pelo arremesso dos objetos no Almeidão. No B.O. obtido com exclusividade pela reportagem do UOL Esporte, ainda é possível observar que foi utilizado um ‘endereço fake’.

Boletim de ocorrência registrado por suposto torcedor do Botafogo-PB assumindo culpa por arremessar objetos no gramado II - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Para completar, o B.O. foi registrado apenas no dia 15 de fevereiro, ou seja, quatro dias após a partida. A justificativa foi de que o atraso aconteceu por conta do Carnaval. Além disso, de acordo com relatório da Polícia, o advogado que representou o suposto autor do arremesso no boletim de ocorrência é o mesmo que trabalha para o Botafogo-PB – Thiago França.

Botafogo-PB sequer foi denunciado

Apesar das claras imagens com os objetos arremessados por torcedores e da súmula (mesmo adulterada), o Botafogo-PB não chegou sequer a ser denunciado pelo Tribunal de Justiça Desportiva de Futebol da Paraíba (TJDF-PA). O clube continuou mandando seus jogos no Almeidão até o fim da competição – inclusive no segundo jogo da final, contra o Campinense-PB, em que venceu pelo placar de 2 a 0 e conquistou o título estadual.

O que dizem os citados

Procurado pelo UOL Esporte, o árbitro Francisco Santiago negou estar envolvido na adulteração e disse que tudo não passou de uma reformulação da súmula. “Tenho passado momentos terríveis, pois tenho uma conduta decente”, defendeu-se o juiz, para depois analisar o teor das conversas.

Relatório da Polícia Civil tem conversa entre árbitro e bandeirinha sobre adulteração de súmula - Reprodução - Reprodução
Trecho de relatório com diálogo entre árbitro Santiago e bandeirinha Neto
Imagem: Reprodução

“Ele [Zé Renato] me falou que gostaria de fazer um adendo à súmula e eu falei que poderíamos refazer a última parte da súmula. Mas na verdade não houve adendo, apenas melhorei o texto. Na súmula está a verdade, o relato dos objetos. Na hora dos arremessos eu estava observando a conduta dos atletas. Ele realmente falou isso [para dar uma melhorada na súmula]. Mas não interferiu no meu relatório”.

Amadeu Rodrigues, presidente da Federação Paraibana, em trecho de relatório da Polícia Civil - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Em relação à presença de Amadeu Rodrigues nas conversas, Eduardo Araújo, advogado da FPF, diz que se tratava apenas de uma consulta jurídica do Botafogo a Amadeu. “Se houve adulteração foi entre os árbitros e a CEAF [Comissão de Arbitragem], antes de chegar na FPF”.

Alexandre Cavalcanti, vice jurídico do Botafogo-PB, em trecho de relatório da Polícia Civil - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Já o vice jurídico do Botafogo-PB, Alexandre Cavalcanti, que aparece em conversas sugerindo que um torcedor vá à delegacia para registrar o boletim, fez o seguinte esclarecimento ao UOL Esporte:  “Minha orientação foi jurídica, que fosse feito o boletim. Em relação ao torcedor, esse é um torcedor folclórico que conhece todas organizadas e, numa outra oportunidade, dedurou um torcedor que jogou um rádio no campo”.

Breno Morais, vice-presidente do Botafogo-PB, em trecho de relatório da Polícia Civil - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Breno Morais, vice de futebol do Botafogo-PB, por sua vez, conversa com um advogado e diz que precisa registrar um boletim de ocorrência mesmo sem ter identificado o torcedor, para aliviar a situação do clube. À reportagem, disse o seguinte: “Giusepe é um advogado e simplesmente perguntei a ele qual delegacia estava aberta para fazer um BO. Claro que era para aliviar o clube, já que não tivemos condições de identificar o autor. Só isso é mais nada”.

UOL Esporte também tentou contatos com o ex-presidente da Comissão de Arbitragem, Zé Renato, o presidente do Botafogo-PB, Zezinho, e o bandeirinha José Maria Neto, outros citados nos relatórios e áudios, mas não conseguiu respostas.