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Valorizado na Europa, Bernardo repete Dani Alves e evita comparação ao pai

Bernardo, zagueiro e lateral esquerdo do Brighton, foi adquirido por R$ 45 milhões nesta janela - Paul Hazlewood/Brighton
Bernardo, zagueiro e lateral esquerdo do Brighton, foi adquirido por R$ 45 milhões nesta janela Imagem: Paul Hazlewood/Brighton

Thiago Fernandes

Do UOL, em Belo Horizonte

17/07/2018 04h00

O caminho feito por Daniel Alves, Fabinho e Filipe Luís tornou-se espelho para uma legião de jovens brasileiros. Desconhecidos no país natal, eles constroem a carreira na Europa e se tornam cobiçados no Velho Continente.

Aos 23 anos, o zagueiro e lateral esquerdo Bernardo já foi vice-campeão alemão pelo RB Leipzig e, embora não tenha fama na terra natal, movimentou 10 milhões de euros (R$ 45,2 mi) na atual janela de transferências da Europa, ao trocar o RB Leipzig, da Alemanha, pelo Brighton, da Inglaterra. Antes de se acertar com os ingleses, o que ocorreu há cerca de 10 dias, ele teve sondagens de Atlético de Madri e Wolfsburg, equipes tradicionais do continente.

"É algo que vem ficando cada vez mais comum, é tendência. Os valores dados a um jogador na Europa nem sempre são os mesmos dados no Brasil. É uma constatação das filosofias que os países têm. Os clubes europeus estão buscando jogadores cada vez mais cedo no Brasil. É um dos motivos também. É por isso que tem acontecido e acho que vai acontecer ainda mais de um jogador nem passar pelo futebol brasileiro e, de repente, despontar na Europa", disse Bernardo ao UOL Esporte.

Filho do ex-volante Bernardo, que fez sucesso no São Paulo e no Corinthians, o jovem que é fluente em alemão e inglês iniciou a carreira como meio-campista no Audax, mas mudou a posição ainda nas divisões de base.

Em entrevista ao UOL, ele falou sobre as comparações com o pai, explicou por que não deu sequência às conversas com o Atlético de Madri e contou sobre as experiências na Áustria e na Alemanha. Veja, abaixo, os trechos mais relevantes da entrevista do jogador.

Procura de grandes da Europa

Eu fico feliz por ter recebido a sondagem do Atlético de Madri. Um dos motivos para não dar andamento é porque eu queria estar em uma liga mais forte. O outro é estar jogando. Com certeza, no Atlético de Madri, a concorrência seria muito grande. Lógico, confio no meu taco e sei que poderia buscar uma posição. Mas acho que a Liga Inglesa, hoje, é a liga que financeiramente melhor paga, é a mais disputada do mundo. São muitos benefícios que você não vai achar na Liga Espanhola, por exemplo. Eu ainda me vejo conquistando meu espaço de maneira mais rápida e com mais impacto do que no Atlético de Madri.

Houve consultas da Liga Francesa, da Italiana e da Alemanha, com vários clubes. Propostas, eu tive várias, mas a Liga Inglesa é o meu sonho. Todo jogador quer jogar na Liga Inglesa. Por isso, tive essa escolha.

Bernardo se destacou pelo RB Leipzig - AFP PHOTO / Odd ANDERSEN - AFP PHOTO / Odd ANDERSEN
Bernardo se destacou pelo RB Leipzig
Imagem: AFP PHOTO / Odd ANDERSEN

Influência do pai ex-jogador

Não tem como negar que a influência do meu pai na minha vida e na minha carreira foi grande. Sempre estive mergulhado no ambiente do futebol. Depois que ele parou de jogar, sempre me levou ao estádio, sempre acompanhei futebol. Talvez, por isso, eu tenha me tornado jogador. Mas eu nunca senti a pressão de ter que me tornar um jogador de futebol. Sobre cobrança, eu nunca senti esse peso. As pessoas, logicamente, comparam. Mas a comparação não tem tanto sentido. Temos estilos um pouco diferentes. Talvez, fisicamente tenha algo semelhante. Mas nunca sofri com nenhum tipo de comparação. Meu pai nunca me beneficiou no futebol, pelo contrário até. Já fui vetado por ter alguma rixa com alguém, algum diretor, alguma coisa. Mas é isso que tenho para dizer.

A comparação não me incomoda, porque é natural. Não tem como desassociar uma coisa da outra. Eu entendo a pergunta, mas talvez isso tenha me dado motivação extra para eu fazer meu próprio caminho e nunca ter esse tipo de comparação de forma negativa: "ah, esse cara está aí só porque o pai dele jogou". Se isso me afetou de alguma forma, foi sempre de uma maneira muito positiva.

Passagem pelo futebol do Brasil

Joguei no Coritiba, na base. Joguei na Ponte Preta, fiz parte do elenco profissional e joguei no Red Bull Brasil. Não joguei bastante, mas fiz alguns jogos pelo Red Bull Brasil.

No Brasil foi muito bom para mim. Fiz toda a minha categoria de base. É onde me tornei o jogador que sou hoje. Tive a sorte de sempre trabalhar com bons técnicos e esses técnicos me passaram coisas válidas mesmo no futebol europeu. O Audax é um time um pouco menor de São Paulo. Até o sub-15, fiquei no Audax. Ali, aprendi a jogar em várias posições, algumas diferentes do que estava acostumado, toque de bola, marcação pressão... É um time de mentalidade bem europeia. Depois, no Red Bull Brasil, fui encontrar algo bem parecido com isso. São clubes que valorizam atletas com características valorizadas no futebol europeu. No Brasil, não joguei muito. Mas na Europa, estou me dando bem.

Versatilidade

Quando eu era menor, eu era meia, até que no Audax, um técnico meu me disse que se eu jogasse de zagueiro, eu teria mais chance. Daí eu topei e comecei a me destacar como zagueiro. De vez em quando, eu também jogava na lateral esquerda. Do Coritiba em diante, sempre como zagueiro. Quando eu vim para a Áustria, já me disseram para não jogar mais como zagueiro, eles me queriam como volante. Como eu já tinha jogado como meia, eu falei: "tudo bem, vou tentar". Joguei como volante, fui bem, fomos campeões da Copa, da Liga e jogamos qualificação de Champions League. Eu me destaquei e fui para o Red Bull Leipzig. Logo que cheguei lá, o lateral direito se machucou. Aí o meu técnico me disse que eu tenho perfil bom para fazer a função, mesmo não sendo meu pé bom. Ele me perguntou se eu aceitaria, eu topei e joguei quase 30 jogos na temporada, o time foi vice-campeão... Então, com certeza a versatilidade é uma das minhas principais características e é muito valorizada aqui no futebol europeu.

Vida na Áustria

Eu tinha a possibilidade de me firmar, mas sabia que era difícil. Mas tinha a visão de que estava indo para um time campeão nacional, um time que poderia jogar Champions League eventualmente. É um time em que poderia me destacar e poderia ser um impulso para ir a uma liga maior, melhor. Fiquei seis meses lá e, depois disso, fui para o Leipzig. Estava completamente focado, fiz as coisas acontecerem. Então, para mim, foi uma experiência muito boa. Amadureci como jogador, aprendi a me virar sozinho e tive que aguentar tudo ali sozinho. Foi um período muito bom para mim.

No elenco profissional, tinha um goleiro que se chama Airton, tinha o Paulo Miranda, que está no Grêmio agora, tinha o Vanderson, que está na Rússia e sempre jogou na Europa. Então, toda quarta-feira, a gente tinha um pôquer, uma churrascaria brasileira que a gente ia com muita frequência e, lógico, tinha uma resenha.

Bernardo em ação pelo RB Leipzig, em jogo contra o Borussia Moenchengladbach - AFP PHOTO / Odd ANDERSEN - AFP PHOTO / Odd ANDERSEN
Bernardo em ação pelo RB Leipzig
Imagem: AFP PHOTO / Odd ANDERSEN

Gozação e respeito dos alemães

Moralmente, eu me considero campeão alemão. É difícil competir com o Bayern de Munique, mas a gente conseguiu competir com o Bayern por algum tempo. Chegamos a ficar por um bom tempo na primeira posição, mas o Campeonato Alemão tem um nível muito elevado. Todas as equipes têm um nível bom, um nível alto. O Bayern é muito soberano, tem muito mais investimento que qualquer outra equipe, não tem como competir com o Bayern. O quinto lugar para o Leipzig está ótimo. Foi a realização de um sonho, chegar a uma liga como a alemã e disputar título. Então, foi uma experiência muito legal.

Lá, eu não joguei com nenhum brasileiro. Essa nova geração alemã é muita aberta, é diferente do austríaco. Eles me receberam muito bem, fiquei bastante surpreendido. Mas tive que me virar no alemão. Quando cheguei lá, meu alemão não era muito bom, inclusive foi muito bom para mim. Por necessidade, tive que aprender alemão para conversar com as pessoas. Na Áustria, ainda tinha os brasileiros, mas ali não. Ali foi necessidade mesmo, fui conversando, pegando amizade, falando o alemão, os caras fizeram brincadeira comigo pela forma como falava. A maioria dos meus amigos era alemã. Depois, chegou o Bruma, que ficou amigo meu. Os caras tiraram bastante sarro de mim, mas no fim eles ficaram orgulhosos por eu falar bem.

Eles ficavam repetindo o que eu dizia de errado. Eles ficavam repetindo e tirando sarro. A gente jogava um jogo de videogame que se chama Fortnite. A gente joga online, eu e os caras. Quando ficava estressado, sob pressão no jogo, os caras vinham e me corneteavam. Era mais isso. Era mais do momento, mas os caras não perdoavam. Eles pegavam no meu pé, mas no fim, foi bom para mim.