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Mãe conta como é ser os olhos do palmeirense cego que comoveu o mundo

Beatriz Cesarini e Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

12/09/2018 14h17

Era apenas um dia de clássico comum e Silvia Grecco levou seu filho Nickollas, de 11 anos, ao estádio do Palmeiras para a partida contra o Corinthians como sempre costuma fazer. O garoto ouvia atentamente a narração: "Filho, Marcos Rocha pegou na bola. Passou para o Deyverson. Vai ser gol do Palmeiras agora". Nesse momento, ele sente a vibração da torcida, pula, grita e sorri.

É assim que Nickollas enxerga e percebe o lugar que mais ama no mundo: o estádio de futebol. O pequeno é deficiente visual desde que nasceu e é a mãe quem mostra o que está acontecendo em campo. "Eu sou os olhos e a mão que servem como guia. Eu faço para ensinar que, um dia, os meus olhos não poderão ser os olhos dele. E ele vai ter que olhar sozinho. Eu estou mostrando o caminho para um dia ele ir sozinho", conta Silvia.

"Eu falo sobre tudo de forma espontânea. A história dele não é um problema. Ele tem que se orgulhar"

O programa é um ritual semanal para os dois. Um ato de amor e cumplicidade que eles nem imaginavam que um dia seria observado por alguém em volta nas arquibancadas. Mas naquele Palmeiras x Corinthians, algo diferente aconteceu. Eles foram flagrados pela reportagem da TV Globo e a cena viralizou. Virou uma história conhecida mundialmente.

Silvia ama sua missão de vida e se diz até uma narradora criativa: "Ele quer escutar o grito da torcida e eu sou uma narradora que puxa a sardinha para o time. Como mãe e torcedora, invento muitas coisas, vou criando, fazendo a imagem de tudo: 'Agora o jogador está do lado direito, o outro está do lado esquerdo, agora vai marcar o gol. Vai ser primeiro de hoje'. 'Agora a bola está no pé do jogador do Corinthians, caiu, vai ser escanteio'. Na hora que tem que xingar o juiz, eu xingo também".

"Sabia que era mãe"

Esse amor nasceu quando Nickollas veio ao mundo. Silvia havia se inscrito na vara da infância para o processo de adoção. Foi chamada depois de sete meses. Um bebezinho havia nascido prematuro, com apenas 5 meses e 500 gramas. A fila tinha 12 casais na frente, mas Silvia sabia: "Era meu filho".

Ela já tinha uma filha, Marjorie, de 31 anos, mas precisou reaprender a ser mãe. Principalmente para lidar com deficiência visual e com o autismo, descoberto quando o garoto tinha 5 anos. "Eu tinha que me adaptar, aprender tudo. Não tinha medo da deficiência visual, mas todo dia eu ia aprendendo com ele como teria que ser. Pedi ajuda de pessoas multidisciplinares e a coisa foi acontecendo. É tão natural que eu esqueço que meu filho é cego".

Foi com essa tranquilidade que Nickollas se apaixonou por futebol. Silvia gostava desde pequena do esporte. Ouvia os jogos do Palmeiras com o pai no radinho de pilha. Criou a mesma rotina com o filho. Mas ele se apaixonou mesmo pelo esporte porque ouvia os gols de Neymar pelo Santos e virou fã do craque da seleção brasileira.

A mãe, sempre pronta para satisfazer todos os desejos do filho, até o levou para conhecer o craque na Vila Belmiro: "Mandei um e-mail para ele conhecer o Neymar. Até para saber quem era esse tal de Neymar, porque é essa a forma como ele conhece o mundo. A gente foi ao treino do Santos, o Neymar estava com a mão machucada. Ele passou a mão no cabelo do Neymar."

"O Nickollas era pequeninho e o Neymar estava no auge. Ele ouvia as narrações e repetia: 'Gol do Neymaaaar'. Eu pensava: 'Ele gosta do Santos. E eu palmeirense. Como fica isso?' Naquela época, ele não tinha uma definição para quem torcer: cada hora falava uma coisa. 'Vou torcer para o Santos. Vou torcer para o Palmeiras'. E eu usei uma estratégia bem legal. Contei que o Neymar era palmeirense. Aí ele se entusiasmou de torcer para o mesmo time do Neymar".

Nickollas cresceu um pouquinho e passou a frequentar o estádio com a mãe. Hoje, não quer saber mais do radinho. Prefere a narração da mãe e a vibração da torcida. Silvia elogia a estrutura do Allianz Parque pela acessibilidade e diz que nunca teve qualquer dificuldade na arena. É sempre recebida por uma pessoa que os leva até o assento e os ajuda quando o jogo termina.

Com tanta repercussão, os dois não demonstram qualquer tipo de vaidade. Ela conta que Nickollas entende que está bombando nas redes sociais e tem tirado muitas fotos na rua. Mas nada mudou na sua vida. Ele está sempre em seu mundinho com toda a sua pureza.

Já Silvia encara em uma maratona de entrevistas que vai incluir até uma participação no programa de Fátima Bernardes, na TV Globo, nesta quinta-feira. Mas para ela, só o que importa é mostrar para as pessoas a importância da inclusão.

"O que eu acho mais positivo é, primeiro, as pessoas entenderem essa inclusão. E o mais bonito é estar encorajando pessoas. Eu recebi muitas mensagens: 'Você está levando seu filho, agora vou ter coragem de levar o meu também'. Um rapaz de Fortaleza me falou: 'agora eu quero ir também'. E o importante é as pessoas entenderem: eles são como nós, o que falta é oportunidade para a pessoa com deficiência".