Bebê já respira sozinho com coração de filho de goleiro: "Ele fez um gol"
No dia seguinte ao seu primeiro aniversário, uma criança internada na UTI do Hospital da Criança e Maternidade (HCM), de São José do Rio Preto, conseguiu respirar sem ajuda de aparelhos após mais de dois meses. O bebê, que sofria uma dilatação do coração desde os oito meses de vida e tinha risco de parada cardíaca a qualquer momento, recebeu um novo órgão via transplante na semana passada. Nos dois últimos dias a sedação foi retirada e a criança, enfim, respira por si mesma, com medicação diminuída e o pós-operatório considerado um sucesso. O órgão que bate no peito da criança do interior paulista foi doado pela família de Lucca Guilherme da Silva Rosa, garoto de seis anos que morreu no último dia 15.
Lucca é filho de Elisson Aparecido Rosa, goleiro de 31 anos revelado nas categorias de base do Cruzeiro, com passagens por clubes como Coritiba e Nacional (POR), e recém-contratado para disputar o Campeonato Mineiro pelo Villa Nova. Elisson e Gisely, a mãe do menino, concordaram em doar coração, fígado, rim e córneas. De acordo com o Ministério da Saúde, 43% das famílias brasileiras recusam prontamente a realização de transplantes, enquanto a média mundial é de 25%. Por isso, o gesto dos pais de Lucca é elogiado pelo médico Ulisses Alexandre Croti, responsável pela cirurgia: "O Elisson trabalhou a vida inteira defendendo o gol, mas agora foi ele quem fez um gol."
"Nossa equipe não sabia quem era o doador, que era filho de alguém público. Ficamos sabendo disso dois dias depois por postagens nas redes sociais. Foi uma surpresa muito boa, porque com certeza vai ajudar outras pessoas, conscientizar, chamar atenção. É de se elogiar a grandeza da família em um momento de tanta dor ter coragem e força para doar os órgãos de um filho tão amado", descreve Croti, ao UOL Esporte.
A criança que recebeu o coração de Lucca Guilherme, assim como seus familiares, não tiveram os nomes divulgados. Mas a história já está escrita: foi a menor criança já transplantada na história da cidade de São José do Rio Preto. No dia do procedimento o bebê tinha 11 meses e 26 dias, pesava 8,9 kg e estava na preferência da lista de espera - no Brasil, mais de 40 mil pessoas estão nessa condição atualmente.
"Quanto tem uma criança para receber coração é porque o órgão não está funcionando bem. E quando funciona bem ele vai aumentando de tamanho, ficando dilatado, ocupando um grande espaço. Então é possível substituir pelo coração de um doador que tenha até três vezes o peso. No caso desta criança o coração poderia ser de uma criança de até 27 kg. Aí surgiu o coração de uma criança de seis anos e 32 kg. Como era muito grave, correndo muito risco de vida, mais de 50 dias na UTI, optamos por correr esse risco e tentar o transplante. Mas coube no tórax da criança e ficou muito bem. O pós-operatório vem correndo muito bem, dentro do esperado. Estamos bastante contentes", explica o médico Ulisses Croti.
"Ontem (quinta-feira) ele (o bebê) brincou com a mãe, respirou sozinho, se alimentou... Cada passo é muito importante."
Logística de 17 horas passou por três Estados
Cirurgião-chefe do Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular Pediátrica do HCM, Ulisses Croti estava a passeio no Paraná, de folga no feriado da Proclamação da República, quando recebeu uma ligação às 2h, na madrugada de quinta para sexta-feira. A central de transplantes de São Paulo informava que havia um órgão compatível com o receptor. Lucca Guilherme havia tido a morte confirmada pelo Hospital Regional de Betim, em Minas Gerais, na quinta à tarde, após cinco dias internado por conta de traumatismo craniano causado por acidente doméstico. Era preciso pressa.
O hospital de São José do Rio Preto fretou um jato que saiu de São Paulo, capital, passou na cidade do interior para embarcar materiais e enfermeira, e foi até Londrina, onde Ulisses embarcou às 10h de sexta-feira. De lá o avião foi para Belo Horizonte, no aeroporto da Pampulha, onde um helicóptero do Corpo de Bombeiros já aguardava para fazer o transporte até Betim. O helicóptero pousou em um campo de futebol ao lado do hospital, de onde partiu uma ambulância. O coração do doador foi retirado às 14h de sexta-feira. E foi quando começou outra maratona, porque o tempo máximo do órgão sem receber sangue é de quatro horas. Depois disso diminuem muito as chances de o coração voltar a bater bem.
Com o órgão acondicionado no gelo e soluções apropriadas, os médicos entraram na ambulância do hospital em Betim, foram até o campo de futebol, pegaram o helicóptero dos Bombeiros que levou até a Pampulha, onde o jato já estava com as turbinas ligadas para fazer o transporte até Rio Preto. Quando chegaram já havia carro com batedores à espera, e a viagem até o HCM foi rápida. O receptor do coração já estava anestesiado e com o peito aberto para o início da cirurgia. Foram três horas e sete minutos entre parar o coração em Betim e colocar para bater novamente em São José do Rio Preto. Para Ulisses Croti, uma logística de 17 horas entre uma ligação na madrugada, em Londrina, e o procedimento concluído com sucesso.
"Tudo funcionou perfeitamente. A gente se sente como se fosse um músico fazendo parte de uma orquestra sinfônica e todo esse empenho e organização dos envolvidos é para fazer com que a música soe bem aos ouvidos. A música é a criança que recebeu o coração viva no colo de seus pais."
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