Topo

Nelsinho cita retrocesso do Sport e fecha ciclo no BR: "já fiz minha parte"

Williams Aguiar/Sport Club do Recife
Imagem: Williams Aguiar/Sport Club do Recife

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos (SP)

17/12/2018 04h00

Em dezembro de 2017, o Sport anunciou Nelsinho Baptista como novo técnico. Ele estava de volta após uma primeira passagem vitoriosa, com direito a bicampeonato estadual (2008 e 2009) e o histórico título da Copa do Brasil (2008), sobre o Corinthians. O retorno, porém, não rendeu resultados. Ele pediu demissão quatro meses depois após conflito com a diretoria, em especial com o vice-presidente Guilherme Beltrão - que também já deixou o cargo. E não se surpreende com o atual momento que vive o clube pernambucano - rebaixado para a Série B.

O UOL Esporte conversou com o técnico durante o III Debate Pense Bola, evento da Think Ball & Sports Consulting - empresa de gerenciamento de carreira de jogadores de futebol do advogado e empresário Marcelo Robalinho. Durante o papo, o ex-treinador do Sport discorreu sobre a decepção que teve ao reassumir o time da Ilha do Retiro e lamentou a perda de jogadores importantes logo no começo deste ano - como Diego Souza.

Ao invés de evoluir, o Sport retrocedeu"

"Foi uma surpresa porque eu pensei que o Sport tinha evoluído... Mas na minha chegada eu percebi que, ao invés de evoluir, eles retrocederam. Eles pensaram da mesma forma que pensavam há 10 anos, então não tinha um planejamento, não tinha uma decisão: 'Olha, nós vamos fazer isso, nós temos isso e vamos assumir o compromisso'... Então eles simplesmente, com o time quase caindo em 2017, tiraram sete jogadores da equipe, sete titulares, dum grupo que tinha o Diego Souza, enfim, vários jogadores, e queriam ser campeões... Nós conversamos isso com eles: 'Tudo bem, vocês querem vender', uns não queriam ficar, outros tinham propostas para sair, e eu concordei em ficar, e quando eu fui para o Sport tinham comentado comigo que os salários estavam em dia, e quando cheguei lá os salários dos atletas estavam dois meses atrasados, então você imagina: O que é você trabalhar com atletas que não recebem? Vão entrar em campo e não vão correr? Não, eles vão entrar em campo e vão correr, mas a cabeça não vai pensar para frente, então não houve uma evolução", opinou Nelsinho.

Para o treinador, um dos principais responsáveis pelo insucesso do Sport é Guilherme Beltrão, ex-vice-presidente. Nelsinho, inclusive, já havia citado o dirigente em entrevistas concedidas logo após a sua demissão do cargo de técnico, ocorrida em abril. "Tem um dirigente, eu gosto sempre de citar o nome dele porque eu não me omito, tudo o que eu estou falando dele aqui eu falei na frente dele e numa coletiva... É um cara que, o que ele fez há dez anos, fez agora também, e eu falei para ele: 'Olha, você vai cair'. O Sport não evolui, é um clube como outros clubes do Nordeste... Tinham 60, 40 milhões, e o dinheiro some e ninguém dá satisfação", disse.

Técnico Nelsinho Baptista durante segunda passagem pelo Sport - Williams Aguiar/Sport Club do Recife - Williams Aguiar/Sport Club do Recife
Imagem: Williams Aguiar/Sport Club do Recife
"É falta de planejamento. Um time que está em três campeonatos ele desfaz, não tem planejamento nenhum. O dirigente executivo tem que ter, na minha opinião, a liberdade de trabalho, a passionalidade. Aqui no Brasil é muito fácil: você se desfaz do time e manda o treinador embora, manda dois treinadores embora... Como é que vai trabalhar assim? Então isso é o dirigente estatutário, não tem noção. Está ali numa posição que muitos não sabem o que fazer, não sabem aguentar uma pressão de comentários da televisão, então eles vêm e dizem: 'perdeu o controle do vestiário, não tem mais força com os jogadores', enfim, está perdido, então rotula profissionais que trabalham a semana inteira. Ele não vai assumir a responsabilidade e, quando a coisa cai em cima dele, ele pede demissão, sai e que se dane o que ele fez. O clube vai sofrer as consequências", acrescentou o treinador de 68 anos.

Fim do ciclo no Brasil: "já fiz a minha parte"

No último mês de novembro, Nelsinho Baptista acertou seu retorno ao Kashiwa Reysol, clube japonês que já havia comandado e inclusive conquistado inúmeros títulos, entre eles o Campeonato Japonês (J-League) de 2011. Ele terá um contrato de três anos e, com isso, vê encerrado o seu ciclo como treinador no Brasil. O plano, depois disso, é simples: descansar.

Quando eu voltar quero descansar, já fiz a minha parte"

"Eu não estou decepcionado com o futebol brasileiro, estou decepcionado com a situação que eu vivi no Sport, isso é um caso à parte. Eu não me vejo mais dirigindo uma grande equipe do futebol brasileiro, mesmo porque eu assinei esse contrato com o Kashiwa Reysol por três anos e estarei com 71 anos. Quando eu voltar quero descansar, já fiz a minha parte, mas eu quero continuar ajudando de alguma forma o futebol também", revela Nelsinho, para depois fazer uma análise nada animadora do atual momento do futebol no Brasil.

"O futebol brasileiro sempre viveu em crise, sempre, um ano o clube está lá em cima, outro ano lá embaixo, e a polêmica é sempre criada. Falta uma organização para que as equipes cresçam, evoluam, para que não dependam de migalhas, que saibam fazer um trabalho. Às vezes você não precisa ter dinheiro. Se você tiver uma organização como o Botafogo-SP, que é um clube que está dando exemplo, estava aí morrendo e cresceu em organização, é isso que o futebol brasileiro precisa, porque o futebol para nós é paixão. Você vai num jogo na Europa, mesmo no Japão, e você vê as pessoas chegando e parece que eles estão indo para um evento, bem vestidos, tranquilos... Nós aqui, não. Nós somos paixão, vamos de bermuda, com a pior roupa, chinelos de dedos e vamos nessa, então nós não podemos deixar o povo brasileiro perder essa paixão que sente pelo futebol", acrescenta.

VEJA MAIS TRECHOS DA ENTREVISTA

Técnicos experientes x mais jovens e Brasil x Japão

Nelsinho Baptista é festejado pelos jogadores do Kashiwa Reysol após a conquista do título japonês (03/12/2011) - Jiji Press/AFP - Jiji Press/AFP
Imagem: Jiji Press/AFP
No Brasil, ou você é 8 ou você é 80. No Japão, por exemplo, eu com 68 anos estou sendo contratado por três anos, é a minha experiência que eles estão contratando. Aqui no Brasil já estão chamando de ultrapassados, então precisou essa passagem do Felipão, um treinador com 70 anos, e ele mostrou a capacidade dele. Não que o Roger Machado, não que o Eduardo Baptista não tenham condições, mas tem momentos, tem situações que são vividas. Por exemplo, no Japão nós dirigimos esta equipe do Kashiwa Reysol, organizamos e ganhamos desde a segunda divisão até chegarmos ao campeonato mundial, então eu até brinquei com o presidente, e ele falou: 'Olha Nelsinho nós não vamos renovar com você porque nós vamos dar oportunidade para um treinador japonês', e eu falei: 'Tá bom, vocês tem todo o direito, acabou o contrato, acabou', só que eu falei assim para ele: 'Só que eu não vou falar o posto que eu ponho gasolina, eu deixei o meu tanque cheio para o senhor', e ele ficou me olhando e eu disse: 'Um dia o senhor vai me entender'. Aí ele ligou para mim agora, há um mês, e falou: 'Vamos acertar', e ele disse: 'Eu quero pedir desculpas para você', e eu perguntei: 'Por que presidente'? Ele respondeu: 'Eu tentei achar o posto, mas não achei [risos]. Eu falei: 'Tudo bem, e agora o senhor está me chamando para reabastecer, né' [risos]? Então está tudo bem'.

Indicação de Donizete no Japão rendeu boa história no Japão

Nelsinho Baptista é o técnico do Kashiwa Reysol, rival do Santos no Mundial de clubes do Japão - AFP/KAZUHIRO NOGI - AFP/KAZUHIRO NOGI
Imagem: AFP/KAZUHIRO NOGI
Nós estávamos no final de 95, tínhamos acabado de ser bicampeão 94/95, e eu fui chamado pelo dono do jornal, o seu Watanabe, ele era mais do beisebol do que do futebol, mas ele falou assim: 'Eu quero o tri para o ano que vem'. Eu falei: 'Ok, vamos trabalhar', e ele me perguntou: 'Qual é o melhor jogador do Brasil hoje'? E na época era o Donizete, o Botafogo tinha sido campeão brasileiro e ele tinha sido uma figura impressionante, e eles vieram atrás dele. Na época pagaram cinco milhões de dólares e levamos o Donizete, só que o japonês falou assim: 'Você conhece o empresário do Donizete'? Eu falei, 'conheço', e ele falou: 'Então vamos comigo porque eu não conheço ele e você pode dar uma força para mim', e fomos lá, e estavam na sala o empresário, o japonês e o presidente do Botafogo, o Carlos Augusto Montenegro, e o que aconteceu? Eles pagaram 5 milhões de dólares para o Botafogo e quiseram enganar o jogador, fizeram um contrato que não era 30% do que os jogadores brasileiros ganhavam no Japão, e eu fiquei quieto, só ouvindo. Terminou a reunião, o Donizete saiu e falou: 'O que você achou'? Eu falei, com o perdão da palavra: 'Fizeram cagada'. Por quê? Porque o Donizete vai sair daqui e vai encontrar o Zico, o Leonardo, o Mozer, o Bismarck, vai encontrar jogadores que estão no Japão e vai saber qual é o valor que eles ganham, então vai ficar ruim, e foi o que aconteceu. O Montenegro ameaçou o jogador de dar um tiro no joelho dele se ele não fosse [risos]. Vocês conhecem o Montenegro, né? E aí o Donizete foi, só que ele foi só... Foi, chegou lá e não fez nada, e eu fui chamado uma vez e o presidente falou: 'Pô, você não disse que era o melhor jogador'? E como é que eu ia explicar o que tinha acontecido? Então são fatos que também acontecem no futebol japonês".