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Ex-Palmeiras trabalha limpando bueiro: "Nunca me senti menosprezado"

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

20/01/2019 04h00

Por uma década, o uniforme de Jorge Preá foi chuteira, meião e camisa de clubes de futebol, incluindo Palmeiras e uma passagem pela Coreia do Sul. É automático imaginar o ex-atleta de bolso cheio curtindo a aposentadoria, mas a verdade é outra. Ele se apresenta no trabalho às 7 horas da manhã de botas, capacete, luvas, óculos e outros itens obrigatórios do equipamento de proteção da empresa contratada para limpar os bueiros de São Paulo.

Não tenho melindre nenhum de estar trabalhando neste serviço, de estar atrás do pão de cada dia. Trabalhar não é vergonha para ninguém".

Jorge Preá 2 - Raquel Arriola/UOL - Raquel Arriola/UOL
Imagem: Raquel Arriola/UOL

Jorge Preá é muito bem resolvido com o destino que sua vida tomou. Pragmático, explica que o último clube não pagou os salários, mas as contas não pararam de chegar. Com a mulher grávida e mais quatro filhos para criar, pegou o emprego que apareceu. "Nunca me senti menosprezado. Meu filho mais velho (Kaique, de 15 anos) gostaria que eu voltasse a jogar, mas ele sabe no que o pai trabalha e nunca foi problema. Falo para todo mundo. Tem que trabalhar. Não tem essa de joguei no Palmeiras dez anos atrás. Isso não vai me dar dinheiro".

Bueiros escondem ratos e escorpiões

O sentimento de Jorge Preá em relação ao emprego é de orgulho. Ele fala que está ajudando a cidade a evitar enchentes e alagamentos. Ressalta que vergonha deve sentir quem joga o lixo na rua que depois vai entupir os bueiros. Para remediar esta situação, o ex-atleta é parte da equipe que trabalha nas marginais Pinheiros e Tietê, principais vias de São Paulo.

Jorge Preá 1 - Raquel Arriola/UOL - Raquel Arriola/UOL
Imagem: Raquel Arriola/UOL

Eles introduzem um cano até o final do bueiro e o equipamento injeta água em alta pressão, tipo um Wap gigante. O lixo vai para a borda. Neste momento, Jorge Preá entra em ação. Ele opera um sugador que recolhe a sujeira para um compartimento do caminhão usado pela equipe.

A vaga surgiu por indicação de um parente há seis meses. O ex-atacante gostou porque houve pouca burocracia e o primeiro salário pingou rápido. A mulher estava grávida. Hoje, o quinto filho do casal tem um mês de vida.

O ex-atacante não tem vergonha da profissão, mas, como em todos os empregos, há situações que o funcionário preferia passar batido. No caso dele, é a hora de tirar a tampa do bueiro. Ratos e escorpiões surgem com relativa frequência.

Jorge Preá 3 - Raquel Arriola/UOL - Raquel Arriola/UOL
Imagem: Raquel Arriola/UOL

Futebol rendeu casa própria e apartamento da mãe

Mas o ex-jogador não nega que o padrão de vida baixou desde que abandonou o esporte. Jorge Preá revela que o último dos quatro anos de Palmeiras foi o de salário mais alto, R$ 35 mil por mês. Hoje, a renda gira entre R$ 4 e R$ 5 mil. A variação existe porque ele recebe para jogar por times da várzea da Grande São Paulo aos finais de semana.

O pagamento vai de R$ 200 até R$ 350 por jogo. Eu faço cerca de R$ 700 por final de semana".

Jorge Preá diz que não fez fortuna porque nunca esteve envolvido em grandes transações que rendem luvas milionárias. "Não sou o Marcão", responde. Ele atuou na várzea até os 23 anos, idade em que passou numa peneira no Pelotas (RS). Artilheiro da segundona do Gauchão em 2007, despertou interesse do Santos de Vanderlei Luxemburgo, mas acabou indo para a Coreia do Sul ao final da temporada.

Como machucou o joelho direito na sequência, fez tratamento no Palmeiras. O clube contratou justamente Luxemburgo em 2008. O negócio saiu. Nesta época, o ex-atacante morava em Perdizes, bairro de classe média alta de São Paulo. Agora, vive no popular bairro da Casa Verde. A diferença é a casa própria.

Jorge Preá 4 - Almeida Rocha/Folha Imagem - Almeida Rocha/Folha Imagem
Imagem: Almeida Rocha/Folha Imagem

"Com o primeiro contrato que fechei, comprei uma casa para minha mãe. Um apartamento, na real. Era prioridade. Antes de me aposentar, construí minha casa".

Mulher era vizinha de rua na infância

Jorge Preá valoriza muito a companhia da mulher porque o casal pratica a promessa que se faz na igreja: juntos na alegria e na tristeza. Ele conta que começaram a namorar antes dele se tornar jogador profissional. Sem ser perguntando, cita o dia em que ficou com Ingrid pela primeira vez. "Foi em 13 de fevereiro de 2005, no desfile das campeãs do carnaval de São Paulo. A gente se conhecia porque morava na mesma rua. Ela é irmã de um amigo meu".

Os dois demoraram a se relacionar porque Ingrid teve um casamento anterior. Preá casou e assumiu o filho que ela tinha, Kaique. O ex-jogador se derrete ao falar dela porque estavam juntos na época anterior à carreira, na fase boa, quando andavam de SUV, e continuam firme na volta ao bairro Casa Verde.

"Ela é uma mulher guerreira. Está comigo antes da carreira no futebol. Nos momentos bons e ruins. Estamos juntos para qualquer hora".