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Ex-Palmeiras abandona o álcool e busca recomeço após virar evangélico

França foi dispensado pelo Palmeiras em 2014 após "excesso de festas" - Reinaldo Canato/UOL
França foi dispensado pelo Palmeiras em 2014 após 'excesso de festas' Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Marcello De Vico e Vanderlei Lima

Do UOL, em Santos e São Paulo

10/03/2019 04h00

"Eu bebia demais. Não tinha limite". França iniciou a carreira de jogador de futebol mostrando potencial de quem podia chegar longe. Mas não foi tanto assim, ao menos por enquanto. O volante que começou no Noroeste e passou por Coritiba, Criciúma e Hannover, da Alemanha, até chegar ao Palmeiras, em 2014, deparou-se com o álcool no meio do caminho e passou a acumular polêmicas - como inúmeras faltas a treinos e até uma briga que o fez parar no hospital, isso já no Figueirense, em 2016. Convertido ao evangelismo desde o ano passado, o jogador de 27 anos hoje se diz livre da dependência.

Em entrevista ao UOL Esporte, Welington Wildy Muniz dos Santos, o França, conta toda verdade sobre o passado que acabou prejudicando a sua carreira - hoje ele defende a Inter de Limeira, time do interior de São Paulo, e disputa a Séria A-2 do Campeonato Paulista. "Eu sou um homem transformado por Deus. Se eu fosse mentir para você, eu estaria pecando", afirma o volante.

"Hoje sou um novo cara. Aquele velho França morreu, não existe mais. Hoje sou um cara mais sensato, um cara família, só tenho que agradecer à Inter de Limeira pela oportunidade de estar jogando, de o pessoal estar lembrando de mim, me procurando. Hoje estou longe de confusão, até mesmo dentro de campo. Aquele meu jeito... Não sou mais, isso ficou no passado", acrescenta França, que iniciou a carreira como atacante e, já no Noroeste, clube pelo qual se profissionalizou, mudou de posição depois de um companheiro se lesionar.

"Quando comecei, com 13 anos ainda, era atacante. Quando fui para o Noroeste, um jogador se machucou e, naquela época, eu já estava bem avantajado [fisicamente], e o técnico me colocou de volante. Eu fui bem e, consequentemente, acabei ficando de volante, me adaptei bem rápido", diz França, que se profissionalizou em 2011 e precisou de apenas três anos para chamar a atenção do futebol alemão. Depois de passagens por Coritiba e Criciúma - onde foi vice-campeão da Série B -, acertou com o Hannover 96 para um contrato de três anos.

Tuberculose na Alemanha e apoio até de Thiago Silva

Até então, tudo ia bem na carreira de França. Mas a chegada ao frio da Alemanha, em 2013, complicou um pouco seus planos. Depois de se sentir mal nos treinos e passar por alguns exames, o jogador brasileiro foi diagnosticado com tuberculose. Foram seis meses longe dos gramados e uma fase que prejudicou bastante a passagem do volante pelo país europeu.

15.03.14 - França levanta após choque que deu susto na torcida do Palmeiras em jogo contra a Ponte Preta - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL
"Quando cheguei na Alemanha acho que estava -10 graus, e eu não era acostumado com o frio, estava nevando bastante, e as três primeiras semanas foram difíceis para a minha adaptação, pelo clima e tudo. Não conseguia terminar o treino, sempre saía antes, porque me sentia cansado e às vezes me dava febre. Até que na semana que eu ia estrear, contra o Schalke 04, amanheci com gripe bem forte, febre alta. Meu tradutor na época me levou para o hospital. O exame apontou que eu estava com uma mancha no pulmão e me levaram num hospital mais especializado. Detectaram que eu tinha tuberculose. Acabei ficando afastado por seis meses e perdi espaço. O frio foi um grande obstáculo para mim", conta França, que recorda os companheiros que o ajudaram e até hoje não esquece do apoio que recebeu de Thiago Silva, que também no início da carreira, na Rússia, descobriu ter uma gravíssima tuberculose.

"O Felipe, que permanece no clube ainda, o Léo Bitencourt, o zagueiro Marcelo, que hoje joga no Lyon, o Felipe Santana, que na época jogava no Borussia, e o Thiago Silva, que me ligou e deu força pra caramba também. Ele lembrou o que aconteceu com ele na Rússia, foi um negócio mais sério, chegaram até falar que iam tirar um pedaço do pulmão, que ele ia parar de jogar, mas graças a Deus, Deus deu força para gente", afirma o volante de 27 anos.

A chegada ao Palmeiras, o álcool e as faltas aos treinos

Depois de pouco mais de um ano na Alemanha, França recebeu uma proposta para defender o Palmeiras. Ainda sem espaço no Hannover, o volante resolveu aceitar o convite.

"Fiz um contrato de três anos, mas acabei ficando um ano e pouco. Foi quando recebi a proposta do Palmeiras, e fui. Eu sabia que ia ficar perto dos meus amigos, da minha família, da minha filha, então não pensei duas vezes e aceitei a proposta. Eu estava ansioso para voltar ao Brasil, ainda mais num time grande que é o Palmeiras", lembra.

Foi no Palmeiras, porém, que o álcool passou a tomar conta da vida de França. As noites eram longas, e a responsabilidade, curta. O volante, que então estava com 23 anos e não resistia às tentações, começou a faltar a alguns treinos, e viu o desempenho ser prejudicado. No fim, acabou dispensado após o "excesso de festas".

09.mar.2014 - França, do Palmeiras, encara a marcação do Paulista na partida válida pelo Paulistão - CÉLIO MESSIAS/ESTADÃO CONTEÚDO - CÉLIO MESSIAS/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: CÉLIO MESSIAS/ESTADÃO CONTEÚDO
"Eu estava emprestado ao Palmeiras até ao final de 2014, mas tiveram problemas extracampo, porque eu era teimoso e acabei brigando com a diretoria do Palmeiras e fui para o Figueirense. Mas hoje sou um homem transformado por Deus. Se fosse mentir para você, estaria pecando, então aconteceu, sim. Não compareci a alguns treinos devido até a minha fase, que estava boa, e acabei me deixando levar por amizades que não eram boas. Não conseguia treinar, não acordava no outro dia, então tive algumas faltas, sim", afirma França.

"Eu tinha problemas com bebida, porque eu bebia demais, não tinha limite. Eu bebia até o outro dia. É uma coisa que não combina com jogador de futebol. Jogador não, com atleta. Na verdade, jogador de futebol tem bastante, atletas são poucos, então isso não combinava e acabava que eu não treinava, me machucava, não acordava para ir aos treinos. Isso foi me prejudicando bastante. Quando joguei no Palmeiras, estava com 23 anos, novo, e nunca tinha vivido aquilo, um time grande, toda mídia, recebia convite toda hora. Acabei não tendo uma estrutura familiar perto de mim e me complicando nesta trajetória", acrescenta o jogador, que se viu sozinho no Palmeiras e contou com a ajuda do empresário para não cair de vez.

"A única pessoa com quem conversava e até hoje converso e tenho como um pai é o empresário Marcelo Lipatin, que em momento algum desistiu de mim. Ele me falava que ia ver a minha vida se transformar e só tenho a agradecer o amor que ele tem por mim e por não ter me abandonado. Outros empresários só miram dinheiro, mas o Lipatin não é assim. Sou muito grato a ele por tudo que fez por mim. Me ajudou, ajudou minha família e me ajuda até hoje", agradece.

Briga de trânsito, hospital e dispensa do Figueirense

França protege bola para o Figueirense contra marcação do Vitória - Cristiano Andujar/Getty Images - Cristiano Andujar/Getty Images
Imagem: Cristiano Andujar/Getty Images
Apesar de bons momentos com a camisa do Figueirense, a passagem de França pelo time catarinense ficou marcada mesmo por polêmicas. Em uma delas, ele foi parar na delegacia quando, embriagado, tentou tomar a arma de um policial que o abordou durante uma briga em uma casa noturna. Para conter o volante, o oficial chegou a acertá-lo com uma bala de borracha.

Depois, em um episódio ocorrido em 1º de maio de 2016, na madrugada de um domingo, o então atleta do Figueirense se envolveu em uma briga em Florianópolis e precisou ser hospitalizado. Uma discussão por conta de um acidente de trânsito transformou-se em uma agressão, com o volante sendo atropelado por um carro. Dois dias depois, acabou dispensado.

"Aquele acidente começou num jogo Figueirense e Avaí, em que a torcida do Avaí começou a pegar no meu pé. Eu tenho uma história linda no Figueirense, onde consegui me tornar ídolo. A torcida dava força para mim, aonde chegava era bem recebido. E começou uma rixa com o Avaí, mas isso ficou no passado, não vale remoer agora. Teve uma briga e me pegaram, acabei indo para o hospital, cheguei a sair por conta própria, e fui para a casa de um amigo. Mas já é passado. Eu fui bem lá, fiz alguns gols, tenho muito carinho pela torcida, e saí, porque, para mim, já não dava mais, o ciclo acabou. A gente entrou em acordo e decidi rescindir", recorda.

França 'da paz' após se converter

Depois do Figueirense, França passou por Londrina, Remo, Brusque-SC e Boa Esporte antes de chegar à Inter de Limeira, seu atual clube. E não quer mais saber de briga. Convertido ao evangelismo desde o ano passado, o volante se diz 'em paz' e quer aproveitar o momento para brilhar com a camisa do time paulista e, quem sabe, retornar a um time grande.

"Me converti no final do ano passado e estou muito feliz por isso. Claro que tenho esse sonho, até porque se eu fizer um bom campeonato tenho certeza que volto para um time grande. Agora, se não tiver oportunidade, vou ficar. Mas hoje agradeço a minha família e, o meu objetivo, se Deus quiser, é subir a Inter de Limeira e mais para frente voltar para um time grande, porque eu sei que ainda tenho muito a jogar", completa ele, que é pai de duas meninas e está prestes a ter mais um filho com a esposa, agora um menino.

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A origem do apelido

"Quando comecei a minha carreira no futebol, na escolinha da periferia de Bauru, eu tinha um professor que chamava Tirso, e pelo fato de eu, naquela época, ser bem pequeno e magrinho, eu tinha uma semelhança com o França, atacante [ex-São Paulo], e acabou pegando e ficou até hoje. Só que até hoje acredito que ele não sabe [do apelido], ainda não encontrei com ele".

120 tatuagens

"Hoje eu tenho umas 120 tatuagens. Agora só vou fazer a do meu filho que vai nascer agora, e vou parar por aí".

Pós-Figueirense e Inter de Limeira

"Eu fui para o Londrina e fui campeão da Primeira Liga. Depois eu rodei: fui para o Brusque, Remo, e esse ano recebi o convite da Inter de Limeira, um clube pelo qual já tenho um enorme carinho. Foi um clube que me abraçou, me deu estrutura e a gente só pode agradecer à diretoria, ao presidente, ao professor João Vallim, a todos envolvidos, que são feras, e agradecer ao time, que vem forte e vai honrar com o acesso".

Ajuda de Gilson Kleina no Palmeiras

"Eu cheguei bem novo ao Palmeiras, com 23 anos. Não era conhecido por ter saído muito jovem do Brasil, cheguei com desconfiança da torcida e diretoria, como todo clube grande tem, porque na verdade era uma aposta, mas graças a Deus e ao apoio e confiança do professor Gilson Kleina, consegui fazer bons jogos".