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Após Deco, Portugal volta a chamar brasileiro naturalizado e divide país

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Imagem: Reprodução/Instagram

Marcus Alves

Colaboração para o UOL, de São Paulo (SP)

20/03/2019 04h00

Na última sexta-feira, quando o técnico Fernando Santos anunciava os convocados de Portugal para os primeiros jogos das eliminatórias da Eurocopa 2020, poucos se surpreenderam com o retorno de Cristiano Ronaldo, que vinha fora desde a Copa, ou a estreia de João Félix, revelação do Benfica. A grande novidade ficou para o último nome da lista: o centroavante Dyego Sousa, do Braga, que deve se tornar o sétimo brasileiro a representar os atuais campeões europeus.

Antes dele, vestiram a mesma camisa Deco, Pepe, Liédson, Ronny Lopes, Celso e Lúcio Soares.

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A despeito do histórico recente, o assunto dividiu instantaneamente o país. De um lado, uma parcela dos torcedores que se mostrou favorável pelo faro artilheiro que Dyego tem mostrado pelo Braga. Do outro, uma fatia que prefere restringir a seleção a atletas locais.

Não faltaram, como costuma acontecer nestes casos, manifestações nas redes sociais que beiraram à xenofobia, recordando que o próprio Fernando Santos se mostrou em outras ocasiões contrário a naturalizações de jogadores, refutando, por exemplo, a convocação do zagueiro Jardel, do Benfica. Para o treinador, essa possibilidade deveria ser considerada apenas em última hipótese.

Por conta desse motivo, outras alternativas como Rafael Leão, do Lille, e Éder, do Lokomotiv Moscou, foram logo colocadas em cima da mesa.

Elas evidenciam um outro detalhe curioso: a impressão que se tem é que existe mais tolerância com atletas ligados a países africanos, casos de Leão (com raízes em Angola) e Éder (Guiné Bissau), do que com brasileiros, que costumam suscitar maior controvérsia interna.

Entre outros detalhes, é mencionado contra Dyego a sua idade mais elevada e pouca margem para crescimento. Ainda assim, aos 29 anos, o atacante protagoniza uma das melhores temporadas de sua carreira, com 19 gols e seis assistências, e com tudo para preencher uma das maiores lacunas da seleção portuguesa: a falta de um camisa 9 confiável para atuar com Ronaldo.

Em seu retrospecto com as redes, foram 17 bolas estufadas de dentro da área e outras duas em cobranças de pênaltis.

Para o comentarista Luís Cristóvão, que trabalha para SIC Notícias, Antena 1, Eleven Sports e Expresso, o seu desempenho na Liga Portuguesa justifica a aposta de Fernando Santos.

"É um tipo de atacante que raramente encontramos por aqui, físico, com potência nos duelos, finalizador, e faz todo o sentido que possa acrescentar no grupo", analisou Cristóvão ao UOL Esporte.

"Mesmo assim, vejo como complicado que venha a ter muitos minutos, com Cristiano Ronaldo a aparecer como atacante mais central, André Silva e João Félix a serem também opções para a posição. O que Dyego Sousa vem trazer é mais uma opção a partir do banco e, em alguns jogos, poderá acabar por ser importante tê-lo no grupo", completou.

Mais português do que brasileiro

Natural de São Luís, do Maranhão, Dyego Sousa passou pelo Moto Club e foi parar, inclusive, no Palmeiras ao lado de uma geração que tinha Daniel Lovinho, Souza 'Ferrugem' e Gualberto. Entre idas e vindas, o jogador está no futebol português desde os 18 anos, encontrou a sua esposa no país e formou família com o nascimento de sua filha.

Ainda mantém hobbies brasileiros como o futevôlei, porém, como contou à reportagem em entrevista no ano passado, se sente em casa no Velho Continente.

"Eu hoje me considero mais português. No Brasil, eu vou de férias, mas, ainda assim, mais raramente, em sete, oito anos, fui duas ou três vezes no máximo. A minha família vem mais, a minha irmã esteve aqui e meus pais também. Me estabilizei, tenho minha própria casa, não tenho do que reclamar", afirmou na ocasião.

Com dupla nacionalidade desde 2017, Dyego teve o seu futuro ligado a clubes como Sevilla e Benfica nos últimos meses. O superagente Jorge Mendes, que trabalha com Cristiano Ronaldo, José Mourinho e outras estrelas, foi o responsável por sua ida ao Braga.

"Em termos de naturalizações, ele é um caso diferente no futebol português. Deco estreou-se enquanto brilhava no Porto, com 25 anos; Pepe tinha 24 anos e já estava no Real Madrid. O potencial de crescimento de ambos era imenso, como se viria a confirmar. Liédson só chegou à seleção portuguesa aos 31 anos, como aposta para o imediato, mas tinha um histórico marcante no Sporting e no futebol nacional", relembrou Tomás da Cunha, comentarista da Eleven Sports e colunista do 11 Médios.

"Dyego Sousa não tem a margem de progressão e é um jogador com um currículo menos relevante na liga, chegando de forma tardia ao ponto alto da carreira. A principal dúvida, neste caso, é se vai ser capaz de transportar o rendimento que apresenta no Braga para um contexto de outro nível, não esquecendo que é um jogador com pouquíssima experiência internacional", acrescentou.

Assediado no mercado, o centroavante maranhense teve o seu contrato com o Braga renovado até 2022 recentemente.

Quem é Dyego Sousa em campo

"Nos últimos anos, a seleção portuguesa tem tido problemas crônicos na posição de centroavante. Com Ronaldo cada vez mais resumido aos últimos metros do campo, André Silva assumiu-se como o parceiro ideal e leva uma média de gols por jogo muito interessante na seleção. Dyego Sousa, embora seja menos móvel do que Silva, consegue jogar fora de área e faz a diferença de costas para o gol, sendo incrível a dar sequência a um jogo mais direto. Está fazendo uma excelente temporada não só pelos gols, mas por tudo o que oferece ao Braga nesse sentido", avaliou Tomás.

"Pela consistência, pela importância coletiva e pelo protagonismo individual, não será chocante considerá-lo o melhor centroavante deste campeonato. Chega à seleção, acredito eu, como uma alternativa enquanto centroavante mais tradicional. Gonçalo Paciência, do Eintracht Frankfurt, pode ser solução mais à frente, mas precisa que as lesões o deixem em paz - não teve oportunidade de mostrar regularidade competitiva. Rafael Leão, pela afirmação no Lille, foi certamente levado em conta, mas as características são completamente distintas. É um atacante que se destaca pela mobilidade e pela explosão, tendo também muitos recursos no um contra um. Não tem a influência de Dyego Sousa no corredor central e de costas para o gol", acrescentou.

"Esse pensamento poderá explicar a decisão de Fernando Santos numa perspectiva mais técnica do jogo. A juventude e a margem de progressão de Rafael Leão e Gonçalo Paciência - com mais anos de seleção pela frente do que o jogador do Braga - poderiam pesar, mas Fernando Santos não parece ligar muito a essa questão", concluiu.