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Ronaldo: Conciliar futebol e noite não 'influiu negativamente' na carreira

Xinhua/Mahmoud Khaled
Imagem: Xinhua/Mahmoud Khaled

Do UOL, em São Paulo

01/04/2019 20h55

Os jogadores de futebol da atualidade têm uma vida profissional muito mais organizada e regrada do que tinham há poucos anos. Pelo menos na opinião de Ronaldo, ex-camisa 9 da seleção brasileira.

Em entrevista ao apresentador Alê Oliveira divulgada na última quinta-feira (28), Ronaldo disse acreditar que os melhores jogadores do mundo na atualidade contam com um "staff técnico" que garanta a eles suporte fora de campo "para continuar evoluindo, para prolongar a carreira".

Ao mesmo tempo, segundo Ronaldo, os craques não podem ou devem deixar de lado a vida social.

"Além de jogador de futebol, você é jovem e, no seu tempo livre, você também quer se divertir", explicou. "Não é que em 20 anos de carreira você vai dedicar 100% do seu tempo ao futebol. Você também tem uma vida. Futebol é uma parte importante, mas a vida é maior que tudo isso", completou.

O próprio Ronaldo deixou claro: não deixou de aproveitar a vida na juventude, mas sempre se comprometeu para render o melhor em campo.

"Eu sempre fiz isso na minha carreira sem ter essa visão de como descobrir as coisas, mas sempre me dediquei 100% da minha vida ao futebol. Logicamente as saídas na noite... Nada disso influiu negativamente na minha carreira", explicou.

Confira os principais trechos da entrevista de Ronaldo:

Melhor brasileiro depois do Pelé?
"Eu não tenho essa pretensão, essa classificação. Acho que ela é uma coisa de torcedor, na verdade. E não vai existir nunca esse tipo de classificação na minha cabeça. Para mim, é uma honra ser lembrado entre os melhores, mas tenho a agradecer as gerações passadas que me influenciaram (...). Isso começou porque fui influenciado pelo Zico, pelo Pelé, pelo Romário pelo Bebeto. Craques que eu vi jogar e fui picado pelo amor pelo futebol. Essa classificação, para mim, não vai existir nunca, mas fico honrado de ser lembrado."

Ser melhor do mundo
"No começo, eu era ousado igual ele (Romário). No Cruzeiro, quando fui vendido (ao PSV Eindhoven), disse que ia ser o melhor jogador do mundo, e não sabia absolutamente o que eu estava falando. A dificuldade de chegar a ser o melhor jogador do mundo: você tem que, além de ser bom, ter muita sorte, aproveitar as oportunidades que você tem. Futebol tem uma concorrência muito grande."

Onde queria ter jogado na Europa?
"Eu gostaria de ter ido jogar na Inglaterra. Acho que teria sido uma experiencia incrível. Houve uma possibilidade antes de ir para o Milan - o Chelsea mostrou interesse grande, mas na negociação não aconteceu. No início da carreira, tive uma oferta do Manchester United, mas também não rolou. A Inglaterra era um lugar que eu gostaria de ter jogado."

Sobre não jogar no Flamengo no fim da carreira
"Sinto não ter jogado pelo Flamengo, mas a minha vontade não foi o suficiente para fazer entenderem os dirigentes do Flamengo que era possível, porque na época eu estiver três meses treinando na Gávea, recuperando da minha lesão - dentro do Flamengo, todos os dias - e não recebi um convite. Mesmo no final da recuperação, quando todos ali viam que já estava bem encaminhado (o retorno aos gramados), não recebi um convite formal ou informal para jogar pelo Flamengo. Nada, nada. Para mim, foi uma grande pena, mas ao mesmo tempo pude conhecer o Corinthians, que passou a ser o time do meu coração, junto com o Flamengo. Não é que eu esqueci minha paixão pelo Flamengo, mas o Corinthians ganhou uma grande parte do meu coração. Ter conhecido a torcida fiel foi uma experiência maravilhosa. Essa última etapa da minha carreira pelo Corinthians ficou marcada, uma experiência muito louca, muito bacana."

Chegada ao Corinthians
"Foi um casamento perfeito com a oportunidade de mudar a história do clube. O Corinthians já era um time grande, mesmo sem infraestrutura do seu tamanho. Aí, em um projeto grandioso do presidente Andrés (Sanchez), a gente mudou a história do clube, reestruturando o clube, criando e oferecendo toda a infraestrutura para os jogadores. O Andrés fala sempre disso: depois do primeiro jogo, que eu entrei ao vivo no Faustão, ele veio todo emocionado, tinha feito gol... Foi o jogo do Palmeiras em que eu fiz o gol de cabeça (pelo Campeonato Paulista de 2009). Eu falei: 'presidente, isso é só o começo. Nós vamos fazer o centro de treinamentos e o estádio'. Fui botando isso na cabeça dele, infernizando, e, no final, a gente conseguiu tudo isso. Depois, mesmo que eu não tenha estado, eu me sinto parte dessa história, porque depois ganhou Libertadores, Mundial. É um clube respeitado, com as melhores instalações do Brasil, talvez do mundo."

Como seriam Messi e Cristiano Ronaldo na época de Ronaldo
"É muito difícil comparar gerações. Nos falta critérios para realmente fazer uma comparação justa. Qualquer tipo de comparação vai ser injusta. Mas logicamente os dois têm um lugar cativo lá onde os gênios estão. São dois craques de bola. Talvez o Messi (seja) mais completo, tão decisivo quanto o Cristiano Ronaldo. São dois craques de bola. Em qualquer geração que eles estivessem, teriam feito muito bem (...). Os dois são craques muito acima da média hoje em dia. Mas se eu ganho o par ou ímpar, escolheria o Messi primeiro. Mas sem sombra de dúvida, o Cristiano Ronaldo sempre foi muito bom jogador, sempre foi craque. Agora ele está se reinventando como um centroavante decisivo, dentro da área, com movimentação de centroavante mesmo."

Vida fora de campo
"Cada um escreve sua história. O Ronaldinho Gaúcho foi um dos mais incríveis que eu vi jogar. Era lindo. Mas vejo hoje a maneira como se mantém em forma o Cristiano Ronaldo, um jogador que se dedica, a vida dele é o futebol. Você vê quando ele tira a camisa. Ele dedica horas e horas do seu dia para estar bem na hora do jogo. Essa consciência hoje em dia no futebol é muito maior do que na minha geração e nas gerações passadas. Hoje em dia, a grande maioria dos jogadores tem seu próprio fisioterapeuta, seu próprio preparador físico, sua assessoria de imprensa, seu diretor comercial. Todos eles estão criando essa consciência de ter um staff técnico para lhe dar um suporte, para continuar evoluindo, para prolongar a carreira dele. Acho isso maravilhoso. Eu sempre fiz isso na minha carreira sem ter essa visão de como descobrir as coisas, mas sempre me dediquei 100% da minha vida ao futebol. Logicamente que as saídas na noite... Nada disso influiu negativamente na minha carreira. Além de jogador de futebol, você é jovem e você, no seu tempo livre, também quer se divertir. Não é que em 20 anos de carreira você vai dedicar 100% do seu tempo ao futebol - você também tem uma vida. Futebol é uma parte importante, mas a vida é maior que tudo isso. Acho bacana essa consciência dos jogadores com seu corpo, com seu físico, com sua imagem. Acho uma grande evolução para o futebol."

Pressão sobre Neymar
"Ninguém aponta para você e diz: 'você que tem que ir lá resolver'. Isso é criado pelo próprio atleta. Neymar criou isso. Ele criou essa pressão quando, nos jogos, decidia. Ele cria isso, primeiro nos próprios companheiros, essa confiança de que, no momento-chave, os companheiros vão dar a bola para ele. Na época, o Zico, (ou) se a gente for a outro esporte, o Michael Jordan, que nos últimos segundos, a batata quente, nêgo jogava para o Michael Jordan resolver. E ele resolvia na maioria das vezes. Às vezes ele falhou. Essa responsabilidade/pressão, o jogador cria no desenvolver de sua carreira. Vai ganhando a confiança de seus companheiros. O Neymar buscou isso porque ele é bom. Ele é o melhor que nós temos. Vai continuar sendo assim: vai pegar a bola, vai tentar resolver. Acho que ele tem que continuar sendo ousado, partir para cima do zagueiro. Vai continuar apanhando. Se eu puder dar um conselho é para que ele não reclame. Ele está ali com o bem mais precioso que todo mundo quer, que é a bola. Para tirar dele, ou você vai armado ou dá-lhe uma pancada. Gosto muito de ver o Neymar jogando. Sua ousadia, seu comprometimento com o clube, com a seleção. Muita gente talvez não concorde com as atitudes, mas não temos que entrar no mérito das atitudes do Neymar. É um jogador jovem, de 27 anos, com muito dinheiro, mas isso não afeta a essência dele, a origem dele. Ele tem completamente os pés no chão. É um cara muito preocupado com o lado social. Tem um lado social lindo, que ajuda muita gente. Para mim, é uma pena que ele tenha criado uma rejeição tão grande no nosso próprio país. Mas não é uma surpresa. Nós somos um país que tratamos muito mal nossos ídolos. Isso para mim é uma grande pena. Mas tenho ainda a esperança de que ele vai conquistar uma dessas (Bola de Ouro), tenho certeza de que é questão de tempo, porque ele merece e tem talento de sobra para isso; vou torcer para que ele ganhe Copa do Mundo, porque ele merece, a seleção brasileira merece, já faz muito tempo que a gente não ganha e o futebol brasileiro brasileiro merece demais uma vitória, precisa se manter no topo. Nosso povo é um povo muito sofrido, e o futebol é uma válvula de escape para o nosso povo. É onde as pessoas encontram a cada semana a alegria para seguir adiante."

Corte 'Cascão' em 2002
"Você nunca sabe o que o jogador pensa realmente. Fiz o corte de cabelo sem nenhuma intenção. Ia terminar o corte, deixei o Cascão. Vou no corredor, a gente estava no hotel, tinha um monte de gente, para tirar um barato. Todo mundo sacaneando e alguns me desafiaram a deixar aquilo. Jogador é tudo vagabundo, e caí na pilha, mas aproveitei a pilha. Era a semifinal da Copa, tinha uma dor no adutor direito, estava incomodando. O gol da semifinal de bico era um recurso para evitar chutar de chapa, para proteger o adutor. Na véspera, fomos treinar, já pararam de falar da minha lesão no adutor e só falavam do corte Cascão. Mudou o foco da atenção, eu pude jogar. Nem joguei tão bem assim, mas fui decisivo fazendo o gol da vitória."

"Acho que o público feminino nem (gostou) tanto, muito menos as mães das crianças daquela época em que muitas delas imitaram esse corte de cabelo. Muita gente diz que fez o corte de cabelo. Eu sinto muito ter influenciado daquela maneira tanta gente. Nessa época, não tinha essa maldade que se tem hoje em dia. Na Copa passada, criaram tanto problema para o Neymar porque ele levava o cabeleireiro na concentração, que ele fazia um corte, fazia outro..."

Luxemburgo no Real Madrid
"A palestra, ele se fazia entender. Agora, os gestos que ele sempre fez era impossível. Os gestos do Luxemburgo, nem brasileiro entendia. Eu nunca entendi, na verdade. (...) Ele misturava, fazia uma mistura bem estranha de português e espanhol. No calor do jogo, da preleção, que tem que motivar, enfim... Saía cada palavra... As entrevistas eram fantásticas. Erros grotescos. A gente zoava ele. Devia ter gravado uma dessas."

Seleção de 2002
"Aquele grupo de 2002, para mim, foi um dos melhores que eu já tive. É certo que na seleção brasileira, em toda minha carreira, sempre encontrei grupos maravilhosos, um ambiente bom. Todo mundo abria mão da individualidade para o coletivo sobressair. Mas o grupo de 2002 era uma fortaleza muito grande. Era espontâneo. O Felipão criou família Scolari e a gente abraçou aquilo mesmo deu uma maneira natural, mas muito intensa. Todo mundo se ajudava, todo mundo corria, torcia junto. Acho que é muito mérito do Felipão ter juntado aquele grupo de homens, de jogadores, e ter feito todo aquele grupo entender o comprometimento que tínhamos com nosso país. Aí a individualidade, o ego, a vaidade, tudo isso fica para trás, em segundo plano. Ali só tínhamos um objetivo, que era ganhar a Copa do Mundo. O resto, nada importava. Fomos uma grande família por um período longo, em que não é fácil. Um bando de homens juntos, cada um pensa de uma maneira, cada um tem uma mania diferente... Mas era um grupo extremamente tolerante, aberto às ideias de todos. Com um só objetivo, que era ganhar a Copa do Mundo. Ali foi muito mais fácil. O Marcos era um dos principais, que mais alegrava o grupo. O Roberto (Carlos), o Denílson, o Rivaldo, um líder também... Uma liderança silenciosa. Era um grupo fantástico. É injusto citar poucos nomes. Ali, realmente, foi uma vitória de grupo. Essa seleção talvez não seja lembrada com o melhor futebol da história, mas minha sensação era de que a gente poderia ganhar qualquer jogo a qualquer momento naquela Copa do Mundo. Fomos testados na Copa. Mas a maneira que a gente jogava, a fluidez, a sincronismo de todos os jogadores, a compactação de todo mundo... Aquela seleção ali era maravilhosa."