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Autor de habeas corpus para Najila fez o mesmo para goleiro Bruno e Temer

Reprodução/TV Record
Imagem: Reprodução/TV Record

Adriano Wilkson e Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

21/06/2019 12h00

O militar reformado da Marinha, João Carlos Augusto de Melo Moreira, entrou com um pedido de habeas corpus em favor de Najila Trindade, modelo que acusa o atacante Neymar de estupro. O aposentado não tem qualquer conexão direta com o caso e teve o pedido negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na última terça-feira (18).

Na petição, o capitão-de-fragata reformado requereu medidas protetivas a favor de Najila que, segundo ele, estaria sendo vítima de perseguição após fazer a denúncia. O desembargador Fernando Torres Garcia indeferiu o pedido, alegando que se a modelo necessitar de medida protetiva, o pedido deve partir dela. Procurado, o advogado de defesa de Najila Trindade afirmou que não tinha conhecimento de nenhum habeas corpus em favor de sua cliente.

Em contato com o UOL Esporte, João Carlos Moreira disse que sua intenção foi proteger a honra e a dignidade da modelo. "Tenho casa na Barra da Tijuca e já tive muito contato com jogador de futebol. E conheço como funciona esse metiê deles. E tem gente que é ligada ao jogador que já me informou que aconteceu muitas das coisas que a suposta vítima denunciou. Ela está sendo praticamente pressionada e o poder aquisitivo do jogador é muito alto", disse.

"Ela tem o direito de ser respeitada, o que está previsto na constituição que é o respeito à privacidade, à honra, à imagem e também o princípio da dignidade humana. O que esse jogador está fazendo e o estafe dele é uma verdadeira execração moral dessa moça. Essa moça está na mídia direto, as imagens íntimas dela já foram expostas. Independentemente de ela ser uma prostituta, de ela ser uma aproveitadora, ela é um ser humano, é uma pessoa que merece respeito como qualquer outra pessoa. Ele não tinha direito de fazer o que fez com ela".

João Carlos Moreira já é conhecido do sistema judiciário brasileiro. Em seu nome já foram protocoladas dezenas de pedidos de habeas corpus em casos com os quais o militar não tem ligação direta, possibilidade prevista no sistema judiciário do país. Com residência em Fortaleza e no Rio de Janeiro, Moreira pediu em 2010 habeas corpus para o goleiro Bruno Fernandes, à época acusado do homicídio de Eliza Samúdio. Em 2017, pediu outro HC em favor do então presidente Michel Temer e contra a decisão do ministro Edson Fachin de abrir inquérito. Os pedidos foram feitos à revelia da defesa dos acusados.

Em 2015, o militar, que se identifica como engenheiro, também entrou com um pedido de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff. O requerimento acabou arquivado por Eduardo Cunha, na época presidente da Câmara dos Deputados.

O militar afirmou que já agiu em benefício não só de pessoas famosas em casos de grande repercussão, mas também em nome de anônimos de baixo poder aquisitivo. E que vai continuar fazendo. "Estou fazendo o que o ser humano deveria fazer com seu próximo. Já fiz isso e não foi só porque o caso está na mídia. Fiz isso por pessoas pobres que me pediram e eu fiz no passado e vou continuar fazendo. Porque se existe uma coisa que tem que ser respeitada é a honra, a dignidade, a imagem, a privacidade e o princípio da dignidade humana. Todo mundo tem que ser respeitado, independentemente de você ser ladrão, honesto ou não, não interessa. Todo mundo merece respeito", afirmou.

Militar pediu medidas protetivas a Najila Trindade

No pedido de habeas corpus a favor de Najila, enviado pelos Correios de sua casa no Rio para um tribunal em São Paulo, o engenheiro afirma que a modelo é vítima de "pré-julgamento como sendo oportunista" e que sua integridade física pode estar em risco. Por isso, pede à Justiça que Neymar seja impedido de chegar perto dela, frequente bares ou saia do país sem autorização.

Ao negar o pedido, o desembargador Torres Garcia escreveu que não viu indícios de que Neymar esteja colocando em risco a modelo. "Se a vítima realmente pretender a imposição de medidas de proteção em seu favor, cabe a ela - e exclusivamente a ela - utilizar-se dos mecanismos previstos na legislação, representando ao membro do Ministério Público ou ao Juiz da causa", escreveu o presidente da seção de direito criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

João Carlos Moreira discordou da decisão do desembargador e afirmou que vai enviar um pedido de recurso ordinário ao Tribunal de Justiça de São Paulo. "Ele recusou meu habeas corpus alegando que não tinha o sujeito coator, que é o sujeito ator do suposto crime. Mentira dele. Porque no meu habeas corpus está bem claro que o sujeito coator é o senhor Neymar Jr. Me admira o desembargador, que é um homem de notório saber jurídico, recusar um habeas corpus que está bem fundamentado, que mostra as notícias veiculadas", disse.

Juristas comentam pedido de HC por pessoa alheia às partes

O fato de pessoas que não têm ligação com algum caso impetrarem habeas corpus se tornou comum por não haver necessidade de o pedido ser formalizado por um representante legal do beneficiado. Juristas ouvidos pelo UOL Esporte criticam esse tipo de atitude e afirmam que pode prejudicar a estratégia de uma das partes e também o bom funcionamento da Justiça.

"O habeas corpus é algo histórico para salvaguardar a pessoa de constrangimentos legais e é considerado um remédio heroico, não tem formalidade. Infelizmente, nesses casos são pedidos na maioria das vezes ineptos, sem fundamentação, apócrifos, feitos por pessoas que querem aparecer. Tem pessoas abusando e isso pode prejudicar não só a pessoa que em tese está sendo colocada como vítima de constrangimento como também movimenta a máquina da Justiça indevidamente. São pessoas que querem aparecer e por conta disso se aproveitam dessas lacunas da lei", afirma o criminalista especializado em direito penal e processual penal, Daniel Bialski.

Essa também é a opinião do criminalista e professor de pós-graduação de direito penal Fernando Castelo Branco. Ele exemplifica como a atitude pode ser prejudicial até à suposta vítima. "É como imaginar um médico de confiança prescrevendo um tratamento para o paciente ministrando doses periódicas, salonadas esperando ver a reação do paciente. E vem um médico que não é da confiança do paciente e dá um remédio muito mais bombástico, um antibiótico fortíssimo. Vem uma medida que não estava programada e pode atrapalhar. Quem tem um advogado, tem um advogado. Quem tem dois, não tem nenhum. E imagina ter dois advogados sendo que nem um é constituído", exemplificou.

O autor do pedido João Carlos Moreira, no entanto, descarta a possibilidade de que esteja prejudicando alguém. "Muitos juízes alegam que quando uma pessoa estranha ao processo entra com habeas corpus pode atrapalhar a defesa da pessoa. Negativo. Estou entrando com habeas corpus para pedir a proteção da integridade física e moral dessa moça. Me lembro do caso da juíza Patrícia Acioli [juíza que combatia milícias e foi assassinada], em que foi pedida a proteção da vida dela, e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ignorou, desprezou e deu no que deu. Já era um crime anunciado, uma coisa que já tinha ideia que poderia acontecer. Se você está vendo na sua frente uma criança ou um idoso que está correndo risco de morte, você vai ficar inerte e deixar a pessoa morrer?", indagou.

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UOL Esporte