Topo

Vinho, Bob Marley e Lava-Jato: Cristóvão fala sobre gostos fora de campo

Nada de futebol: Cristóvão Borges falou sobre suas preferências e vida pessoal - Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians
Nada de futebol: Cristóvão Borges falou sobre suas preferências e vida pessoal Imagem: Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians

22/07/2016 06h00

Cristóvão Borges é um homem que vai contra a corrente até não poder resistir, caminha contra o vento em sua postura política, métodos de trabalho e conduta profissional, anda com fé, que a fé não costuma falhar, e de vez em quando até deixa a vida levar. No fundo ele sabe que tudo "is gonna be alright" (vai dar certo, em inglês).

Exatamente um mês após sua estreia como técnico do Corinthians, o baiano de 57 anos é um homem que está sendo conhecido aos poucos pela Fiel. Em entrevista ao jornal Lance!, ele se revela mais do que o habitual.

Pato titular? Por que o Marlone não joga? Guilherme de falso 9? Reforços? Nada disso... E sim vinhos, música, ídolos, política, postura, gostos, manias e muito mais curiosidades. Confira a entrevista com o treinador:

Uma pessoa do futebol nos disse que você, quando jogador, era avesso às rodas de carteado, preferia ficar lendo livros e jornais. É assim até hoje?

Quando eu jogava fazia isso mesmo. Mas hoje me cobro muito, porque o futebol te absorve tanto que não tenho tido tempo de ler. Mas nessa época era jornal, hoje tem internet, então é mais fácil. Eu consigo acompanhar notícias, continuo, mas deixei de ler livros. Preciso ler mais. Tenho lido só sobre futebol, futebol, porque ele te absorve muito. Estou devendo e isso me incomoda. Assisto televisão, muitos jornais, e acompanho notícias. Mas leitura mesmo estou me devendo hoje.

Lê tanto assim o noticiário para apurar sua visão política?

Acompanho bastante, vejo muito. Estamos preocupados com a situação do país. A gente torce muito, assim como foi no Mensalão, para que a Lava-Jato prossiga. Eu acho que essa maneira antiga de fazer política, se a Lava-Jato consegue continuar, nós vamos mudar. É um absurdo que as pessoas consigam acabar com uma companhia como a Petrobras do jeito que ela foi saqueada, e por pessoas que estão ali colocadas por nós para fazer o bem. Nós vemos as dificuldades que o país enfrenta, então é uma coisa chocante, que dói. Somos um país com uma capacidade imensa, mas de uso de poucos. Isso é uma coisa que machuca, é dolorosa para mim.

Você chegou a ser filiado a algum partido político. Ainda é?

Filiado não, mas fui simpatizante do PT (Partido dos Trabalhadores) há muitos anos e não escondo. É minha posição política, participei da campanha do Olívio Dutra (candidato eleito à Prefeitura de Porto Alegre em 1988 e que também governou o Rio Grande do Sul entre 99 e 2003), as pessoas sabem disso.

É contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff?

Eu não fui para a rua, não. Mas se tivesse que votar eu votaria contra o impeachment. Mas nesse momento eu acho que todos nós temos que reavaliar tudo diante do quadro. Está todo mundo muito comprometido, e acho que daqui a pouco vai dar uma clareada em relação à política antiga e o que vamos seguir como caminho. Por isso a Lava-Jato tem participação importante nisso, em dar essa virada. Será por um caminho melhor. Eu sou um cara otimista. Acredito, tenho esperança e boto fé no meu país.

Falando sobre causas que você defende... há uma foto sua na época de jogador vestindo uma camisa escrito "Chuck Berry, mito do rock". É um gosto musical ou uma inspiração, por ele ter sido um ativista contra o racismo em seus tempos?

Essas pessoas logicamente me identificam, pessoas que têm esse tipo de posição. Têm a ver comigo. É gosto musical também, mas todos eles eu tenho identificação porque são defensores de causa, e me identificam como pessoa. Com Muhammad Ali também, me comporto assim.

Quais outros ídolos você tem?

Tenho muitos ídolos, poxa! Pelé é meu ídolo, Ayrton Senna é meu ídolo, Bob Marley é meu ídolo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Luiz Melodia... Todos referências para mim.

Você falou em Bob Marley. Curte reggae? Sua preferência?

Gosto muito. Mas ouço de tudo, gosto de música boa, independe de ser reggae, black, samba. Gosto de Zeca Pagodinho, por exemplo. Gosto de tudo.

Você falou em sua chegada que tinha um grupo de estudos quando não estava trabalhando em clubes. Como é isso?

Tenho esse grupo sim, com as pessoas que trabalham comigo, minha comissão técnica. Quando não estou trabalhando a gente se reúne duas vezes por semana para estudar. Cada um de nós vê o futebol de uma maneira e tem o desejo de ver aquilo quando vai assistir jogo de futebol. Eu tenho desejo de ver minhas equipes fazendo certas coisas, o que entendo, o que gosto. Então o que eu procuro, pesquiso, leio, assisto, pergunto, discuto é de que maneira atinjo essas coisas. Então estudamos métodos de treinamento e tudo isso.

Como teoria, o que gostaria de ver em um time que você monta?

Não podemos perder a nossa essência, futebol de qualidade técnica, nosso futebol é esse. Isso não podemos perder, mas temos que fazer evoluções que outras escolas que não tinham essa qualidade fizeram, a partir de uma cultura tática, de organização de jogo. O sistema defensivo da Itália, por exemplo, é absurdamente bem feito, essas coisas. A gente sempre ficou muito em cima dessa qualidade como ferramenta a ganhar e tudo e decidir, mas há muito tempo isso não acontece. Agora começamos a evoluir, já vemos nas equipes brasileiras algumas com isso, e o Corinthians é exemplo, Grêmio também. São times modernos, e eu gosto disso. Controle de jogo, troca de passes, qualidade técnica, triangulações... acho que é por aí.

Você trabalhou no Corinthians há 30 anos, como jogador. O que mudou até hoje, quando voltou?

Essa pergunta acho até covardia (risos)... A gente treinava no Parque São Jorge, e aqui (CT Joaquim Grava) você tem todas as ferramentas necessárias, dados, preparação na prática, informações de estatística, departamentos de alto nível, que fornecem fatores que facilitam.

Fizemos uma pesquisa e notamos que um dos termos que as pessoas mais buscam no Google relativos a seu nome é "demitido". São cinco clubes em cinco anos. Acha que este pode ser seu trabalho definitivo como treinador?

Pelo que eu sinto aqui no Corinthians, pelo que vejo da maneira com que se trabalha, se lida, se avalia... Na verdade o grande problema é a falta de avaliação capacitada sobre trabalhos de treinador. Quem avalia e decide sempre tem um "quê" de torcedor. Isso acontece com algumas críticas também. Mas o Corinthians é exemplo de avaliação bem feita, só se as coisas não derem certo mesmo. A oportunidade a gente busca, e eu me sinto bem não só por ter começado com tudo caminhando bem, mas me sinto bem recebido, à vontade, sem preocupações alheias ao campo. Aqui basta se preocupar com trabalhar e dar o seu resultado.

De que preocupações você fala?

Às vezes há clubes em que o lado político interfere muito, e de forma muito direta, muita gente achando que entende e querendo dar palpite. Quando é definido funções e cada um responde pela sua função é possível ver o time se destacar.

O Corinthians ter demitido só um técnico nos últimos oito anos é algo que tranquiliza?

O que me tranquiliza é saber que vou ser avaliado única e exclusivamente pela minha capacidade. Isso me tranquiliza, sim, porque vou ser avaliado, questionado por fazer com que o time se desenvolva e obtenha resultado.

O Cristóvão jogador iria gostar de ser treinado pelo Cristóvão que hoje é técnico de futebol?

Iria sim, iria. Eu fui um jogador de técnica, de bom passe, preocupado com isso. Não era um jogador rápido, mas por ter essa qualidade tinha dinâmica de jogo, trocava bem passes. Eu fui de centroavante a segundo volante e parei ali, quando fui para a Seleção. Joguei muito aqui no Corinthians de segundo atacante.

Teria espaço no time hoje?

Teria. Meu passe era bom (risos).

Você chegou ao Corinthians falando bastante da estrutura. Estrutura ajuda a fazer time campeão?

Na prática você tem a possibilidade de trabalhar com mais tempo, com facilidade de planejar e por exemplo se quer programar treinamentos em tempo integral tem estrutura para treinar, descansar, se alimentar, além da privacidade, trocas de informação... Os clubes no Rio, se bem que o Flamengo agora está conseguindo ficar no Ninho do Urubu, que dá essa privacidade, mas no Fluminense é no clube social e tem só um campo, junto com associados. Isso de alguma forma faz perder privacidade. Mas não é suficiente ter estrutura, porque veja o Atlético-PR, que tem uma estrutura do mesmo nível do Corinthians, mas ainda não alcançou as mesmas coisas. Então não é só isso, e o Corinthians tem diferenciais.

Dentro do clube existe o Cifut (Centro de Inteligência do Futebol). Tem usado?

Uso muito. E eles participam bastante comigo, até por adaptação, deles saberem as coisas que prefiro, que gosto. Em questão de adaptação só houve algumas recomendações minhas de dados que eu trabalho, que para mim são importantes. Não vou falar quais, mas tem coisas que eu quero que a minha equipe exerça. Conversei com eles e no outro dia já estavam fazendo. É em relação ao comportamento da minha equipe. Por exemplo: quero que minha equipe faça alguma coisa e espero auferir aquilo com dados. Expliquei para eles e estão fazendo.

Recentemente o Corinthians abriu os portões do CT Joaquim Grava para sua torcida organizada. Se fosse com você, como seria o tratamento?

Acho que depende da forma e depende da intenção. Eu não posso falar porque não sei como foi naquela oportunidade, qual era o objetivo. Mas acho que conversar, e converso com membros da comissão técnica, diretoria, qualquer pessoa, isso pode acontecer. Depende da ideia e do objetivo. Se for um objetivo de contribuir eu não vejo problema.