! 'A curiosidade é o que mata o atleta antes de uma Olimpíada', diz Sarah - 29/07/2016 - UOL Olimpíadas

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'A curiosidade é o que mata o atleta antes de uma Olimpíada', diz Sarah

Rafal Burza/CBJ
Resultado no Rio será determinante para futuro de Sarah Menezes imagem: Rafal Burza/CBJ

Do Lancepress

Diante de 13 mil pessoas em um ginásio em Paris (FRA), em fevereiro, na disputa do Grand Slam local, Sarah Menezes ouvia atentamente os assovios do técnico Expedito Falcão e ignorava o barulho ao redor. Focar nas orientações do chefe em situações de cobrança é um exercício que a única mulher do país a faturar um ouro olímpico no judô, em Londres (ING), garante fazer com facilidade. Já é rotina. E não será diferente nos Jogos Rio-2016.

O resultado naquele torneio foi uma medalha de bronze com sabor dourado. Afinal, a piauiense derrotou pela primeira vez a japonesa Haruna Asami, bicampeã mundial. Confiante, deixou para trás um período nebuloso, afastou as críticas e trilhou o caminho para sua terceira Olimpíada, e talvez última. Pela categoria até 48kg, ela entra em ação dia 6 de agosto, na Arena Carioca 2.

"Competir em casa traz o conforto de ver todos os dias o lugar onde você irá lutar. A curiosidade é o que mata o atleta antes de uma Olimpíada, e eu não estou tendo nenhuma", afirmou Sarah, de 26 anos.

Quarta colocada do ranking mundial até o fechamento da lista olímpica, a judoca é hoje uma estrela no Piauí, terra da qual abriu mão para retomar o foco. O resultado no Rio será decisivo para a atleta definir o que fará no futuro: aposentadoria, férias ou mudança de peso. Confira:

Como está a rotina na reta final de preparação para os Jogos?

Sarah: Tenho tido uma rotina bem tradicional. Agora, é esperar o dia 6, que será mais uma vez histórico na minha carreira. Estou bem preparada e dedicada. A cada dia, procuro a perfeição e encontro os detalhes que fazem a diferença. Acho que o negócio é ser inteligente.

E o que significa ser inteligente?

É pensar o tempo todo e montar a melhor estratégia. Tenho pensado direto. É um quebra-cabeça (risos). Acho que fiquei mais inteligente depois do ouro. A tendência é cada dia melhorar, não é?

O fato de a CBJ (Confederação Brasileira de Judô) não divulgar uma meta de medalhas, sem criar uma cobrança da mídia, é positivo?

Eu não ligo muito para o que a mídia fala. Sou uma pessoa muito calma e foco em meu trabalho. Não fico pensando em quantidade de medalhas. Penso no que tenho de fazer no tatame, pois o resultado será apenas uma consequência.

Diria que sua queda de rendimento em 2014 e 2015 aconteceu no momento certo? O que foi decisivo para a evolução?

Sim, acredito que foi no momento certíssimo (risos). E acho que (o rendimento) este ano subiu da forma mais correta possível. Quando vai ficando mais perto dos Jogos, quando começam a faltar meses, dias e horas, querendo ou não, a autoestima aumenta. O foco vai ficando mais claro. Você começa a fazer tudo com mais perfeição. É o que está acontecendo comigo.

Como seria lidar com um ouro agora, sem perder o foco como aconteceu após Londres?

Um ouro, agora, será outra história. Vai ser algo mais uma vez histórico na minha vida. Seria a primeira mulher bicampeã olímpica (em um esporte individual). E tudo isso no meu país. Tenho certeza que será outra avalanche gigantesca (risos). Aquilo marcou muito meu estado. Vi o Piauí inteiro parar para me receber na chegada. É uma cena que ficará para sempre em minha memória. Espero viver isso de novo.

Você foi convencida a mudar para o Rio de Janeiro, em julho do ano passado, com o objetivo de retomar o foco para os Jogos. Como foi esta adaptação?

Foi muito difícil no início, porque eu nunca havia saído de casa para morar fora por tanto tempo. Só comecei a me adaptar melhor neste ano. Mas acabou sendo positivo, porque eu treinava de manhã, em frente à minha casa. Fazia os treinamentos técnicos e físicos no Maria Lenk. Em alguns dias, tinha a parte de nutrição. Em outros, a de psicologia, por Skype. À tarde, descansava, e à noite, treinava no Instituto Reação, do Flávio Canto. Foi tranquilo, pois eu não pegava muito trânsito. No máximo demorava 25 minutos, na parte da noite. Mas estava tudo ao redor, então foi bem calmo e prático.

Como reagiu ao saber que teria de sair da zona de conforto?

Fiquei meio receosa, porque não sabia como eu iria me comportar morando sozinha. Conversei com meu técnico, falei da ideia e ele achou ideal eu vir, já que, na minha cidade, não estavam acontecendo treinos específicos, no tatame. Eu tinha de ir a um lugar onde pudesse treinar. No Rio, montaram uma rotina com tudo próximo para eu não me preocupar e não ter problemas, e deu certo. Topei e vim.

O que foi mais difícil na mudança de cidade?

Além da saudade, os deveres de casa. Passei a fazer de tudo. Prefiro fazer eu mesma do que pagar uma pessoa. Até porque sou sozinha. Desde jovem, sempre gostei de ser independente. Mas aperfeiçoei mais a minha alimentação. Eu cozinhava. No início, foi difícil ficar sozinha em um lugar por muito tempo. Mas consegui me adaptar. As redes sociais deixam você muito próximo de todos. Falo todos os dias com meus familiares e meu namorado.

NR: Sarah Menezes namora o judoca francês Loïc Pietri (81kg), que também estará na Rio-2016.

O que costuma fazer na cozinha?

Faço de tudo, só não posso misturar os produtos. Faço arroz, macarrão, batata. Uma proteína e um carboidrato e salada, sempre. Só pode ser um de cada, não posso misturar tudo. Já peguei o gosto, é tranquilo, bem rápido e prático.

Você falou em calma e paciência. Qual é a importância disso para um evento como a Olimpíada?

Acredito que é essencial. Ainda bem que Deus me deu esse dom. Sempre fui calma e paciente em tudo. Sei que, assim, alcançarei o que quero. Você precisa, no meio daquela multidão, da adrenalina, com todo mundo querendo resultado, se tranquilizar e focar para fazer algo mais específico.

Faz algum exercício para conseguir atingir essa calma?

Não faço nada. Veio de dentro de mim e da minha mãe, quando eu nasci. Inclusive, tive provas no Grand Slam de Paris com 13 mil pessoas na arquibancada. Meu treinador (Expedito Falcão) assovia e eu não olho, mas consigo escutar o som. Quando luto, localizo aquele barulho e continuo escutando todo o tempo. Varia de pessoa para pessoa. Eu nasci com esse dom. Tenho tranquilidade e faço tudo ao mesmo tempo: manter a calma, escutar, focar e fazer a luta andar. Tem gente que não consegue, fica nervosa e acaba bagunçando tudo.

Qual é a influência da sua mãe, Olindina, na sua personalidade?

Minha mãe é muito calma, guerreira e trabalhadora. Não tem preguiça para nada. Meu pai também é bastante calmo, mas gosta de mexer com as pessoas, brincar e tal. Ela é mais na dela. Eu também sou muito na minha, gosto de ficar quieta no meu canto, Hoje, ela é empresária e tem a própria loja, de vidro e decoração. Meu pai ajuda. Ambos já são aposentados.

A pressão de competir em casa traz o que de bom e de ruim?

Traz confiança, que é a palavra-chave, e o conforto de ver todos os dias o lugar onde você irá lutar, o que pode mudar no seu esporte ou na sua vida. Aquilo acaba sendo uma rotina, algo normal. O ruim é quando você só se depara com aquilo uma vez e entra em choque. Aqui, é natural. Todos dias, quando ia para o treino, sentia o ambiente olímpico e via as obras fluindo. A curiosidade é o que mata o atleta antes de uma Olimpíada, e eu não estou tendo nenhuma, pois via tudo no dia a dia ou na televisão.

Emocionalmente, como se sente?

Sempre muito calma. Eu prefiro nem imaginar que vou lutar uma Olimpíada, mas que será uma competição normal. Quero encará-la como um Campeonato Brasileiro, algo pequeno. Até mesmo para não vir aquela tensão e ansiedade. Pensarei como se fosse uma competição local. Farei o que faço todos os dias no tatame, sem ter medo, e agirei naturalmente, como se estivesse em minha casa.

O judô tem grande importância na meta do Comitê Olímpico do Brasil (COB) de alcançar o top 10 na Rio-2016, em total de pódios. Vocês falam sobre isso?

Somos 14 atletas, e acho que todos têm chances reais de conquistar uma medalha. Mas vai depender de como cada um agir no dia. É difícil falar em quantidade ou cor de medalhas. Vai depender da autoestima de cada um, de como cada um vai acordar, com que postura vai agir. Não rola nenhum papo entre a gente, nenhuma aposta. Quero apenas estar focada nos meus treinos e me sentir bem.

O Brasil aproveitou a chance de sediar uma Olimpíada?

O Brasil poderia ter aproveitado bem antes essa chance. Vejo a parte de estrutura que será grandiosa após os Jogos. Temos de aproveitar com projetos sociais. Isso é o que aumentará a quantidade e variedade de jovens na prática do esporte, que os tornarão grandes cidadãos, os farão sair das ruas, ocuparem seus dias e melhorarem suas vidas e de suas famílias.

O que imagina do esporte brasileiro após os Jogos?

Imagino que darão continuidade aos projetos. Vi que haverá escola no meio de algumas arenas. Acho que haverá o trabalho educacional com jovens. Mas é preciso investir em profissionais qualificados, que entendam da atividade, para lapidarem as crianças e trabalharem a base, que é o que falta ao Brasil. Assim, quando as crianças estiverem gigantes, seguirão em frente com o trabalho.

Qual é o significado de ser campeã olímpica para você?

Significou o auge. Fiquei muito feliz. Em Teresina, vi que ajudou na autoestima das pessoas. É o que falta aos brasileiros. Acreditar que podem alcançar e serem exemplos. Minha vitória abriu portas a muitos.

QUEM É ELA

NOME

Sarah Gabrielle Cabral de Menezes

NASCIMENTO

26/3/1990, Teresina (PI)

ALTURA E PESO

1,54m/48kg

NA CARREIRA

Campeã olímpica em Londres, bronze nos Mundiais do Rio (2013), Paris (2011) e Tóquio (2010); tetracampeã pan-americana (2010, 2013, 2015 e 2016), campeã do Grand Slam de Tuymen 2014, vice-campeã dos World Masters Guadalajara 2016 e Tyumen 2013 e bicampeã Mundial Júnior (2008 e 2009).

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