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Brasileiro que pensou em parar de jogar hoje é líder do Francês

VALERY HACHE
Imagem: VALERY HACHE

21/10/2016 08h45

"Confesso que pensei muitas vezes em parar de jogar futebol". Frase forte de quem sofreu na tentativa de concretizar o sonho de se tornar jogador profissional de futebol. Relato que poderia estar na boca de muitos jovens que dedicam sua vida a esse esporte, mas que pertence, neste caso, a Dalbert, lateral-esquerdo brasileiro do Nice, da França, time que atualmente lidera o campeonato local.

Contratado no início desta temporada europeia pelo time da Riviera Francesa, o atleta de 23 anos contou em entrevista ao LANCE! as poucas e boas que passou durante as temporadas no futebol português, logo após seu contrato com o Flamengo, seu último clube no Brasil, ter terminado. Entre os percalços estão um assalto, período de ilegalidade no país, frio e falta de pagamento.

"No começo tive uma relação complicada com o meu clube, que não cumpriu com a palavra dele, não cumpria com os deveres, não recebia, às vezes precisava ajudar a família e não tinha dinheiro, fiquei ilegal no país, as moradias que tive não foram nada fáceis, tive de ser guerreiro. A adaptação ao frio foi complicada também, sensação térmica negativa, você tem suas roupas de frio roubadas... Pensei várias vezes em pegar minha passagem e voltar para o Brasil, largar tudo, mas a gente tem um sonho, tem que batalhar para realizá-lo", recordou.

Dalbert, naquela época, estava do Acadêmica de Viseu, que se interessou por seu futebol depois de recomendação de seu agente. O primeiro ano de clube foi marcado pelos perrengues e por uma série de lesões musculares, período que ele mesmo classifica como o pior de sua carreira.

"Graças a Deus eu não passei fome, mas foi bem difícil, tive muita lesão muscular, foi a pior fase da minha carreira, senti muita falta da minha família, fiquei sozinho em um país onde eu não conhecia ninguém. Aquela época foi difícil, à distância, minha esposa sofreu junto comigo, chorou junto comigo, muitas vezes conversava com a família, tentava não falar da situação, mas eles percebiam e sempre me deram força, recorria a eles para isso, para não desistir. Foram os maiores responsáveis por eu continuar."

Mesmo com o trauma de um assalto em sua casa, problemas físicos e o visto de turista expirado, Dalbert persistiu, pagou do próprio bolso a regularização de sua situação em Portugal e voltou ao Brasil, se preparou durante as férias com acompanhamento de um preparador físico particular e partiu para a Europa para impulsionar de vez seu futuro no continente.

"Acho que foi aquela persistência, aquela vontade de lutar que mudou a minha vida. Foi naquele ano que tudo mudou, fiz a temporada toda como titular, fui eleito o melhor lateral-esquerdo da Segunda Liga. Ali alguns clubes já começaram a se interessar, clubes da Primeira Liga. Houve um acerto com o Vitória de Guimarães e eu assinei com eles."

Novamente as coisas não começaram fáceis. Contratado pelo Vitória de Guimarães, Dalbert foi transferido para a equipe B a fim de passar por um período de adaptação ao clube e à Primeira Liga, mas as oportunidades não vinham e foi preciso esperar uma troca de treinador para estrear no time de cima.

"Chegou o Sérgio Conceição, que desde o começo contou comigo e eu já fiz minha estreia contra o Braga, um Dérbi, como se fosse um Fla-Flu, uma rivalidade incrível, ali eu fui bem, fiz uma grande partida e fiquei na equipe principal direto. Fiz um bom campeonato e hoje eu estou aqui no Nice", comemorou.

Durou apenas uma temporada sua passagem pela Primeira Liga de Portugal, o suficiente para atrair o interesse de clubes de outros países do continente europeu. Diante de tantas propostas na mesa, Dalbert escolheu por aquela que mais lhe pareceu voltada ao ser humano e não somente ao profissional do futebol.

"Eles me acompanharam, demonstraram interesse, mas foi surpreendente, porque eu estava de férias no Brasil e voltei para fazer a pré-temporada no Vitória de Guimarães, o diretor do Nice foi lá e tivemos uma boa conversa, ele quis saber um pouco da minha história também, me explicou o interesse da equipe no meu futebol, foi nessa conversa que eu senti firmeza", explicou.

 

Criado nas categorias de base do Barra Mansa, Dalbert se recorda de sua origem humilde para manter seus pés no chão neste momento de bonança na carreira. Dividido entre seguir a carreira de jogador e procurar outro trabalho para ajudar na renda familiar, ele optou pelo sonho e está começando a colher os frutos da perseverança.

 

- Agora estou em uma fase um pouco melhor já, acho que tem que saber aproveitar, tem que saber separar as coisas, sou muito grato pelo que está acontecendo, tenho que ter humildade, deixar os pés no chão e crescer cada vez mais.

 

Ainda com vínculo com o Barra Mansa, Dalbert chegou a ser emprestado ao Fluminense por um curto período antes de ser negociado com o Flamengo, clube onde não conseguiu vingar, mas que não guarda qualquer mágoa.

 

- Eu tenho o maior respeito pelo Flamengo, foi um grande clube pra mim, foi muito bom, nunca me faltou nada lá, eles foram bem claros comigo, falaram que eu tinha um contrato e quando acabou não tinham interesse na renovação. Eu entendi a parte deles, entramos em um acordo, eu segui a minha vida e o Flamengo seguiu a dele - ponderou.

 

Hoje atuando pelo líder do Campeonato Francês, Dalbert sonha em ser campeão francês e atingir os objetivos de seu clube, mas seu maior desejo mesmo é vestir a camisa mais famosa do futebol mundial: a Amarelinha.

 

- Tenho um objetivo pessoal que é ser campeão aqui, fazer história e também o sonho de ir para a Seleção, estou trabalhando para um dia ser convocado, quero mostrar meu trabalho para as pessoas verem meu potencial. Alcançar a Seleção é o que eu tenho como sonho - finalizou.

 

BATE BOLA COM DALBERT, LATERAL-ESQUERDO DO NICE, DA FRANÇA

 

Como explica o sucesso tão rápido no Nice?

Não tem explicação, é muito trabalho, estamos trabalhando bastante, também confiamos em nosso potencial e as coisas estão dando muito certo aqui.

 

O que contribuiu para essa sua adaptação?

Na verdade estou me adaptando ainda, a língua eu não sei falar direito, mas estou estudando, já consigo compreender melhor, mas a adaptação à equipe, ao futebol daqui está indo bem, mas é bem tranquilo, o importante mesmo é trabalhar, se dedicar para se acostumar ao futebol francês.

 

Seus companheiros de time estão te ajudando na adaptação?

Sim, porque aqui no clube tem um português que eu já conhecia em Portugal, joguei contra ele quando ele estava no Porto B, tem um outro jogador da Costa do Marfim que também jogou no Porto e fala português, isso contribuiu bastante. Aí chegou o Dante, que ajudou também, fala a mesma língua, é brasileiro também. Isso foi importante para eu entender as orientações e o trabalho deles aqui.

 

Quando vocês ainda estavam na pré-temporada, imaginavam que chegariam à liderança do Francês já neste início de campeonato?

Na verdade ninguém imaginava, só que a gente confiava no nosso trabalho, todo jogador de futebol está preparado para isso, para sempre andar lá em cima, sempre almejar algo melhor na vida tanto profissional quanto pessoal, acho que a gente acreditava no nosso trabalho, no nosso potencial, como equipe e individualmente. Acho que isso é o básico para nós, eu acreditava na nossa equipe, mas não imaginava que seria líder isolado do campeonato, deixando para trás PSG, Monaco e o Lyon, que são equipes mais tradicionais na França. Mas tem que acreditar, teve o Leicester na Inglaterra, ninguém dizia que eles seriam campeões e eles atingiram esse feito.

 

Como é sua relação com o Balotelli?

Minha relação com o Balotelli é muito tranquila, tanto comigo quanto com os outros jogadores, ele é uma pessoa bem tranquila, que trata todo mundo bem. Eu só sabia dele pela TV, pessoalmente a gente tem outra imagem da pessoa, então é uma pessoa que está bem focada aqui no clube, nos treinos se dedicando, discutindo posicionamento tático, vejo ele com uma vontade de vencer igual à nossa. A gente tem uma relação muito boa, a gente conversa bastante. Como jogador é fora do normal, jogador diferenciado e eu torço para ele voltar a ser aquele Balotelli que fez tanto sucesso, basta ele continuar da maneira que está.