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Patrícia Bertolucci: veto à feijoada e demissão na seleção de 1994

Denise Mirás
Especial para o UOL

MAIS SOBRE PATRÍCIA
Nome: Patrícia Bertolucci
Área: Nutrição
Formação: Nutricionista, curso superior incompleto de Educação Física
Atuação: atua basicamente como consultora em nutrição esportiva, para triatletas, maratonistas e outros praticantes de atividade física, clubes e empresas, com passagem pelo São Paulo F.C. e Seleção Brasileira de Futebol. Pratica triatlo, com treinos diários de natação, corrida, ciclismo e musculação

Estudiosa, como ela mesma se define, e muito determinada, Patrícia Bertolucci pode ter ficado mais conhecida por sua saída da seleção brasileira às vésperas da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, por ter cortado a feijoada –o que não foi acatado pelos dirigentes. Mas o trabalho de Patrícia vem de muito antes dessa história, com o convite do preparador físico Moraci Santana, em dezembro de 1991, para ser a nutricionista do São Paulo, que então chegaria ao bicampeonato mundial de clubes em 1992 e 93. Nessa década de 90, Patrícia tinha dado início ao "primeiro e único" trabalho de nutrição específico para um time de futebol, visando à melhora de rendimento dos atletas. Hoje, não se imagina um clube sem um responsável por essa área. E até os hábitos alimentares dos jogadores já se depuraram com o tempo – uma salada ou um suco já não são motivo para cara feia.

Patrícia diz que teve carta branca de Moraci Santana para seu trabalho com nutrição e suplementos alimentares, para o time do técnico Telê Santana. "No início, teve um ciumezinho, mas foi passageiro. Nos vários campeonatos, introduzimos os suplementos, como carboidratos em pó nos intervalos, o lanche depois das partidas para completar a cota de recuperação. E eles ainda voltavam ao CT (Centro de Treinamento) para jantar.

Além de nutrição, Patrícia tinha feito educação física e especialização em fisiologia do exercício. Assim, chegou ao São Paulo munida de informações também relacionadas à parte técnica, da exigência física ao tempo, monitoradas por exames, até as vias pelas quais o corpo consome energia e as formas de reposição – e tudo relacionado a treinos e jogos.

"A nutrição esportiva estava explodindo fora do Brasil", lembra Patrícia, que também conseguiu implantar seu trabalho graças à qualidade da própria equipe técnica do São Paulo, "muito integrada". Em dois anos, suplementos, vitaminas anti-oxidantes, aminoácidos, hidratação, reposição com isotônico... já eram termos que já faziam parte das conversas – e aliás passariam do esporte profissional para as academias.

Alguns atletas aderiram mais, outros nem tanto, explica Patrícia – os que se mostravam mais arredios eram principalmente os que precisavam emagrecer. Mas, monitorados e observando os resultados de testes, já compreendiam que o trabalho era a favor deles, da saúde e do desempenho.

Arquivo Folha Imagem
Lídio de Toledo, então médico da seleção, era resistente à presença de Patrícia: "'Não me deixavam ir ao campo. Diziam que meu lugar era na cozinha. Se entrava na cozinha, o cozinheiro não me queria lá'"

Depois do bicampeonato do São Paulo, Patrícia Bertolucci chegou à seleção brasileira. Mas, mal-recebida pelos médicos Mauro Pompeu e Lídio de Toledo, em determinada hora optou por sair. "Quando cheguei, já ouvi que, ali, eu não iria usar 'minhas perfumarias', como disseram. Os jogadores foram me receber, me apresentaram ao técnico (Carlos Alberto Parreira), muitos deles do São Paulo, como o Palhinha, o Ronaldo (Ronaldão), o Raí, o Muller, o Zetti."

Mas Patrícia não iria conseguir desenvolver trabalho nenhum. "Não me deixavam ir ao campo. Diziam que meu lugar era na cozinha. Se entrava na cozinha, o cozinheiro não me queria lá. Quis olhar os testes dos jogadores, os dados fisiológicos, e não me deixaram – disseram que era confidencial. O Moraci (também preparador físico da seleção) dizia para eu fazer meu trabalho. Depois, me contou que eles usavam. Mas eu não podia ter contato com os jogadores, nem sabia o que estavam comendo."

Foi decidido que Patrícia não iria para os Estados Unidos. E, em uma coletiva de imprensa, lhe foi perguntado o que achava dos jogadores comerem feijoada. "Eu disse que, na minha opinião, não era apropriado. Eu não sabia, mas a comissão técnica já tinha comprado tudo para embarcar: tantos quilos de feijão, de paio... Fiquei numa saia justa."

Enfim, depois de tentar conversar com os médicos, ouvi: 'Minha filha... Faça o seu cardápio, que eu vou ver se vou usar.' Eu comentei que não sabia por que tinham me chamado. E ouvi: 'Também não sei. Por mim, você pode ir embora.'"

E Patrícia foi. Mas a nutrição nos clubes, na seleção, foi totalmente incorporada. Ela segue nas áreas de consultoria e pesquisa. Onde é muito respeitada.

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