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Lesões, escândalos e fracassos: declínio de Tiger Woods é um quebra-cabeça

Mike Blake/Reuters
Imagem: Mike Blake/Reuters

Bruno Doro e Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

04/09/2014 06h00

Em novembro de 2009, Tiger Woods sofreu um acidente de carro. O fato poderia ser trivial para qualquer um, mas se tornou o ponto da virada na vida do golfista. De queridinho da América, virou vilão do esporte mundial.

Já são cinco anos de inferno astral e poucos sinais de que a má fase pode acabar. É possível explicar o declínio na carreira do maior golfista da história? O escândalo sexual, envolvendo inúmeros relatos de traição, as inúmeras lesões que o atormentam e os fracassos esportivos formam um verdadeiro quebra-cabeça difícil de desvendar.

O escândalo: traição e vício por sexo

O que deu início a um dos maiores declínios da história do esporte foi um acidente sem vítimas. Ao sair de sua casa, durante o feriado de Ação de Graças, ele atropelou um hidrante e bateu em uma árvore. Sofreu lesões leves. Segundo a imprensa norte-americana, o acidente ocorreu depois que Woods e sua mulher, a ex-modelo Elin Nordegren, tiveram uma discussão. Nas semanas seguintes, uma série de mulheres revelou casos com o golfista. Em dezembro, se afastou indefinidamente, para focar suas atenções em se tornar “um marido, um pai e uma pessoa melhor”.

Os relacionamentos fora do casamento chocaram a sociedade norte-americana. Woods simbolizava a sociedade que dá certo, um talento multiétnico em um esporte dominado por brancos. Tinha amigos influentes – a apresentadora Oprah Winfrey era uma delas e, pouco antes do acidente, tinha visitado a Casa Branca e se encontrado com o presidente dos EUA, Barack Obama.

Então com 33 anos, o golfista já tinha ocupado o primeiro lugar da lista de atletas mais ricos do planeta da revista Forbes por oito vezes - hoje, o número subiu para 11, mesmo com o escândalo dividindo ao meio seus rendimentos. Sua imagem era praticamente perfeita. A Nike, por exemplo, criou toda a sua divisão de golfe baseada em Woods. Até hoje, essa é uma das áreas de maior sucesso da empresa. O mesmo aconteceu com os games de golfe da EA Sports, o maior sucesso do gênero - que, em 2015, porém, não terá mais o nome de Woods.

Tanto sucesso fez do escândalo um prato cheio para tabloides. Segundo o site da revista Golf Digest, Tiger Woods foi capa do New York Post por 20 dias seguidos, quebrando o recorde anterior da publicação, estabelecido durante a cobertura dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

O atleta passou quatro meses em reabilitação. Oficialmente, o motivo não foi confirmado. A imprensa norte-americana, no entanto, falava em compulsão por sexo. A separação veio em agosto de 2010 – o acordo de divórcio ficou na casa dos US$ 110 milhões. Desde o ano passado, ele voltou a ter um relacionamento sério, com a esquiadora Lindsay Vonn, uma das estrelas dos esportes de inverno no mundo.

O retorno ao golfe. E os fracassos

A volta ao esporte aconteceu pouco menos de cinco meses depois do acidente. No Masters, um dos torneios mais importantes do calendário, chegou a aparecer entre os líderes, mas acabou em quarto lugar. No Major seguinte, o Aberto dos EUA em Pebble Beach, em junho, repetiu a colocação. Alguns sonhavam com um retorno à boa forma. Não aconteceu.

Woods passou dois anos sem ganhar nenhum torneio, entre 2009 e 2011. Até hoje, é seu maior período sem títulos. Para ele, quer dizer muito. Em 14 anos de carreira profissional, entre 1996 e 2009, foram 71 conquistas. Número 1 do ranking mundial desde 2005, ele perdeu a posição em outubro de 2010.

Só voltou a vencer no final de 2011, ainda assim em um torneio que não valia para o circuito PGA. Desde então, ganhou oito vezes. Três em 2012, cinco em 2013. E nenhum sucesso nos Majors, os Grand Slams do golfe. Considerado o melhor atleta de todos os tempos, venceu 14 deles. É o segundo jogador com o maior número de conquistas do gênero, atrás apenas de Jack Nicklaus, com 17.

Corpo está traindo Woods

O escândalo, porém, não é o único fator que entra nessa conta. O corpo de Tiger Woods nunca foi dos mais resistentes. A ESPN.com dos EUA, por exemplo, listou 13 lesões graves em 19 anos de carreira. Algumas, crônicas. O joelho esquerdo, por exemplo, passou por várias operações. Woods já reconstruiu os ligamentos (os cruzados anterior e medial). Já removeu um cisto e um tumor do local. E ainda drenou fluídos dos ligamentos – sem contar uma série de torções.

Ele também já rompeu parcialmente os dois tendões calcâneos e sofreu uma fratura de stress na tíbia esquerda. Desde 2010, sofre, também, com problemas nas costas. Primeiro foram inflamações musculares no pescoço, em 2010. Desde o início deste ano, espasmos musculares nas costas o tiraram de várias competições. Em abril, finalmente operou a área: um nervo estava pinçado.

A explicação para tantas lesões de Woods é simples no golfe. Durante o swing (a tacada), a cabeça do taco move-se a uma velocidade acima de 160 km/h. Para conseguir realizar esse movimento, e atingir essa velocidade, o esporte tem diferentes exigências para diferentes partes do corpo. Desequilíbrios, como o que aparentemente existe no joelho esquerdo do jogador, podem causar efeito-cascata em outras áreas do corpo.

“O golfe tem a vantagem de não ter impacto ou contato, mas tem uma característica única de exigências nas articulações, pelo tipo de movimento que é exigido. O pé, por exemplo, deve ter uma predominância de estabilidade. Mas o tornozelo, que é muito próximo, deve ser flexível. Passando pelo joelho, pelo quadril e pelas costas, cada área tem uma exigência diferente. E quando você tem um desequilíbrio, afeta os outros. Quando o quadril esquerdo não tem mobilidade, ele vai sobrecarregar o joelho esquerdo e a lombar, por exemplo”, explica Paulo Mazzeu, especialista de biomecânica da modalidade e preparador físico da Confederação Brasileira de Golfe.

Segundo ele, parte das dificuldades que os golfistas profissionais normalmente enfrentam tem relação com o treinamento em excesso. Característica presente em Woods. Ele é famoso, por exemplo, por sua preparação física com métodos inusitados de treinamento. Um dos maios famosos é a corrida com botas militares, mais pesadas do que tênis de corridas comuns.

“O papa da biomecânica do golfe no mundo, Paul Chek, diz que 80% da preparação física de um golfista deve ser focada em prevenção. Se o jogador não desenvolver uma boa mobilidade e estabilidade para suportar o movimento rotacional do golfe, o potencial de lesão é grande. Algumas vezes, os atletas exageram nos treinos e acabam piorando sua situação, aumentando as chances de lesão ao ir além de seu limite na preparação. O primeiro foco é sempre não deixar machucar. E o que sabemos sobre o Tiger Woods é que ele sempre treinou muito”, completa Mazzeu.

Caroline Wozniacki acompanhava Rory McIlroy em jogos de golfe e o ajudava como caddie - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Caroline Wozniacki acompanhava Rory McIlroy em jogos de golfe e o ajudava como caddie
Imagem: Reprodução/Twitter
E a força mental, ele perdeu?

O conjunto desses fatores, a vida pessoal problemática, a incapacidade de voltar a vencer como fazia anteriormente e as dificuldades físicas, pode ser superado? A resposta é inconclusiva. Ainda mais quando se trata de Tiger Woods, moldado desde os seis meses (quando começou a imitar o swing do pai por brincadeira) para ser uma estrela da modalidade.

Ele já foi considerado o atleta mais forte mentalmente do planeta. E, quando o assunto é golfe, é preciso ser muito forte. O esporte envolve força bruta para se chegar próximo ao buraco, mas também calma e precisão para conseguir completar o serviço e colocar a bola dentro do buraco. E ninguém, até hoje, tinha o conjunto de habilidades físicas e mentais para isso quanto ele.

Nos últimos cinco anos, foi justamente isso que ele perdeu. Antes, ele brilhava nos momentos de decisão. Agora, sofre com eles. A ausência de títulos em Majors, mesmo quando chegava em boas condições aos campeonatos, são provas disso. “O golfe é um jogo mais mental do que físico. Um jogador não perde a técnica que já teve. Mas, se você for tenso para o swing, o movimento não sai como deveria. Além disso, é muito tempo entre cada tacada. Tudo o que você pensa nesse tempo pode interferir”, analisa Gustavo Korte, especialista em psicologia esportiva de alto rendimento, que trabalha com árbitros da Federação Paulista de Futebol.

Os fãs do jogador, porém, ainda podem sonhar. O espanhol Rafael Nadal pode ser usado como exemplo. “Ele teve lesões graves e ainda se abateu com o divórcio dos pais. Mesmo assim, conseguiu se reerguer com acompanhamento. Agora, depende do Tiger. Dos recursos familiares que ele teve, da criação e da Inteligência emocional. Às vezes, é preciso encontrar novas formas de pensar a vida pessoal e profissional”, completa Korte.

O próprio golfe tem um caso de como uma vida mais tranquila pode ajudar. Considerado o novo Tiger Woods, o irlandês Rory McIlroy surgiu como promessa, mas perdeu rendimento. Essa queda coincidiu com seu relacionamento com a tenista Caroline Wozniacki. Neste ano, ele terminou o noivado pouco antes do casamento. O resultado? Venceu três torneios importantes, entre eles o Campeonato Mundial de Golfe e o PGA Championship. Coincidência?