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Jogue como menina: 8 histórias de mulheres que desafiaram tudo pelo esporte

Em diferentes esportes, as atletas Cristiane, Cris Cyborg e Novlene Williams-Mills contam histórias de luta - Stuart Franklin, Buda Mendes e Stu Forster/Getty Images
Em diferentes esportes, as atletas Cristiane, Cris Cyborg e Novlene Williams-Mills contam histórias de luta
Imagem: Stuart Franklin, Buda Mendes e Stu Forster/Getty Images

Do UOL, em São Paulo

08/03/2018 04h00

"Não é para elas", dizem. A verdade é que ninguém conhece a regra do impedimento tão bem quanto uma mulher: o esporte feminino já foi impedido, proibido, perseguido, ridicularizado e até criminalizado, como se invadissem um espaço que não pertence a elas. Já que a simbólica data de 8 de março remete aos movimentos de emancipação feminina que vêm desde o século 19, aproveitamos este Dia Internacional da Mulher para lembrar a luta das que ousaram conquistar o mundo através do esporte.

"Meu treinador disse que eu corria como uma menina. Eu disse que se ele fosse mais rápido, poderia correr como uma menina também" - Mia Hamm, ex-atleta da seleção de futebol dos EUA.

Jogando como menina, sim, com orgulho. Desde a artilheira Cristiane à lutadora Cris Cyborg, passando pela atleta com câncer de mama que ganhou medalha olímpica, o UOL Esporte conta 8 histórias dignas de 8 de março na esperança de que elas ecoem todos os dias.

E se você é uma menina em busca de inspiração para viver seu sonho, Cyborg tem um recado: "A sua força de vontade é muito maior que todas as pessoas. Use as coisas negativas que dizem como motivação e prove o contrário. Lute pelo seu sonho. Se você tiver disciplina, não tem como não conseguir. Você é um diamante que está se lapidando cada vez mais. Pode demorar, mas a sua hora vai chegar."

<b>Confira as histórias:</b>

  • reprodução/Folha da Manhã

    O futebol feminino foi grande no Brasil. Até virar crime

    Não, não estamos falando de um país do Oriente Médio: o futebol feminino foi crime no Brasil por quase 40 anos. Tudo começou em 1941, quando Getúlio Vargas instituiu um Decreto-lei que proibia as mulheres de se envolverem com a "prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza".

    A medida não foi fruto do acaso, uma vez que a modalidade começava a conquistar o interesse do público brasileiro ao longo do ano anterior. Em maio de 1940, por exemplo, foi realizado um amistoso entre mulheres paulistas e cariocas no Pacaembu (na época, recém-inaugurado). Uma série de cartas foi endereçada ao presidente na intenção de cortar o "mal" pela raiz antes que se espalhasse como epidemia.

    "Refiro-me, senhor presidente, ao movimento entusiasta que está empolgando centenas de moças, atraindo-as para se transformarem em jogadoras de futebol, sem levar em conta que a mulher não poderá praticar esse esporte violento sem afetar seriamente o equilíbrio fisiológico das suas funções orgânicas, devido à natureza que a dispôs a ser mãe", dizia a mais famosa delas, assinada por um homem chamado José Fuzeira, que foi repercutida pelos jornais da época.

    Sem qualquer motivação para reverter a proibição de Vargas, os governos posteriores corroboraram com a medida - que só foi revertida em 1979, na fase final do regime militar. No entanto, isso não significa que as mulheres tenham ficado sem jogar bola por tanto tempo.

    O Araguari Atlético Clube foi pioneiro em dezembro de 1958 (ano do primeiro título mundial da seleção masculina, com Pelé e Garrincha), quando formou dois times femininos para que se enfrentassem em uma partida beneficente.

    Placar final? Araguari 2 x 1 Fluminense de Araguari. A equipe começou a ganhar notoriedade fora de Minas Gerais e chegou aos ouvidos da extinta Confederação Brasileira de Desportos (CBD), que mostrou o decreto e exigiu que as atividades fossem encerradas. Mas a história delas com a bola nos pés resistiu.

  • Rick Rycroft/AP

    Cristiane: "Olhando por todas as meninas"

    Resistência é mesmo a palavra-chave quando o assunto é futebol feminino. Insatisfeita com a gestão da seleção feminina e incomodada com a demissão da técnica Emily Lima, Cristiane anunciou em setembro de 2017 que não voltaria a vestir a camisa do Brasil.

    Para a jogadora, que é a maior artilheira da história das Olimpíadas (entre homens e mulheres), o problema não era a comissão técnica, mas quem estava acima. Aliada à meio-campista Formiga e às ex-jogadoras Juliana Cabral, Sissi e Márcia Tafarel, a atacante conseguiu se reunir com o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, para propor a criação de um comitê de desenvolvimento do futebol feminino.

    Dentre outras reivindicações, elas pediam explicações para um atraso de mais de uma década nos direitos de imagem das jogadoras, além da criação de um departamento de futebol feminino gerido por uma mulher. A pressão foi grande o suficiente para que a CBF cedesse em alguns aspectos na queda de braço e, finalmente, em fevereiro de 2018, convencesse Cristiane a voltar.

    "Quero ver as mudanças antes de tomar uma decisão. Julgada eu vou ser, assim como fui quando tomei a decisão de sair no ano passado. Jamais vamos agradar a todos. Mas, se eu realmente voltar, não estarei olhando por mim. Mais uma vez, estarei olhando por todas as meninas e pela modalidade", explicou a jogadora.

  • Buda Mendes/Getty Images

    Cris Cyborg: a luta pelo direito de lutar

    Desde antes da primeira luta de Ronda Rousey no UFC, já havia expectativa por uma luta entre a americana e Cristiane Justino, a Cris Cyborg. O duelo nunca ocorreu, mas a brasileira teve de encarar uma luta particular... Pelo próprio direito de lutar.

    Afinal, Cyborg teria de perder muito peso - algo que não conseguia fazer com tanta facilidade - para competir na única categoria que o UFC tinha até então: justamente o peso-galo, na qual Ronda fazia história com chaves de braço e discursos midiáticos, e a atacava com discursos inflamados. Como esse:

    "Essa garota tem usado esteroides e tem tomado injeções há tanto tempo que ela não é mais uma mulher. É uma 'coisa' e isso não é bom para a divisão feminina", disse Ronda em 2015. Essa declaração fomentou uma onda de ataques à brasileira; nas redes sociais, não é raro encontrar ofensas a ela por ter suposta "aparência masculina". Cyborg já falou sobre isso inúmeras vezes, mas não hesitou ao dar uma nova entrevista ao UOL Esporte.

    "Eu já era campeã antes dela [Ronda], mas ela tinha um patamar muito maior e fez uma jogada de marketing para denegrir as outras. A 'geração Ronda Rousey' não sabe como começou o MMA. Essas pessoas fazem bullying comigo, tentam falar palavras ruins. Mas eu vejo como pessoas ignorantes. Não importa se você tem um rostinho bonitinho ou um jeito masculino: tem que lutar. Quando se vê dois homens lutando, você não procura o mais bonito. Você torce por quem tem mais técnica para vencer o adversário", comentou a brasileira.

    Na época em que deu essa declaração, Ronda ainda era o único grande nome de marketing do UFC feminino. Atualmente, depois de muito sucesso no Strikeforce e no Invicta, e após anos de batalha nos bastidores, Cyborg enfim tem o direito de competir no UFC e na categoria que mais respeita seu corpo. E o melhor: com status de campeã.

    "Fico feliz que as atletas que virão depois de mim não vão passar pelo que passei. Sempre lutei pelos direitos das mulheres", afirmou a atual dona do cinturão peso-pena (até 65,7 kg) do UFC. "Você fica meio múmia, vira um zumbi. Não vale a pena não ser saudável", completou. O respeito que teve pelos próprios limites não tem impacto direto só em sua vida atual, mas também em seu futuro. E é aí que a lutadora deixa a palavra-chave para as jovens que sonham com a vida de atleta: saúde.

    "Eu sempre lutei para que tivéssemos mais mulheres e mais categorias femininas no MMA. Temos o período menstrual, por exemplo, que retém liquido e dificulta a perda de peso. No fim da carreira, você pode querer ter um filho e não vai poder. Eu sempre venho me cuidando, sempre checo meus hormônios. Eu não concordo que uma menina tenha que perder tanto peso. Tem que lutar no peso em que ela está, aprender a lidar com o seu corpo e encontrar a categoria correta", explicou.

  • Stu Forster/Getty Images

    Novlene: medalha no atletismo e contra o câncer

    A jamaicana Novlene Williams-Mills ganhou medalha de prata no atletismo nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, mas voltaremos para quatro anos antes. Em Londres 2012, ela sofria com um câncer de mama quando conquistou um bronze no 4x400 metros rasos. Só fez sua mastectomia para remover o tumor três dias depois de receber a medalha.

    "Eu trabalhava duro, não bebia, não fumava. É como contar um segredo a um amigo e ter sua confiança traída. Foi como me senti quando essa coisa me apunhalou pelas costas. Aquilo queria ter controle de tudo, sem pedir permissão. Mas o câncer não sabia que eu tinha e tenho coisas para fazer", disse ela à revista ESPN, dos EUA. "Agora, quero fazer o suficiente para não ser lembrada como Novlene, a moça que teve câncer. Ainda quero ser lembrada como uma das melhores nos 400 metros."

  • reprodução/Facebook

    Nicolle Merhy: "Meu jogo, meu nome"

    Se a ideia é fazer história, que seja com o seu nome. É essa a proposta da campanha "My Game, My Name" ("Meu jogo, meu nome"), que tem como embaixadora a jogadora Nicolle Merhy. Mais conhecida como "CherryGumms", essa carioca não está fazendo história com a bola no pé, mas em outro segmento igualmente esportivo e competitivo: os eSports. O cenário competitivo de videogames.

    A campanha foi idealizada pela organização britânica "Wonder Women Tech" e tem uma proposta simples: conscientizar o universo dos gamers sobre o que as mulheres aturam. A fim de evitar assédio moral e sexual, as meninas se acostumaram a esconder os próprios nomes - normalmente usam abreviações (aguarde outro exemplo disso nesta matéria, em outro esporte), codinomes, e até falsos nomes masculinos. Quando usam seus microfones e interagem com outros jogadores, são rapidamente assediadas.

    Tudo isso em busca de algo que deveria ser delas por direito: o respeito. Essa luta é velha conhecida de Nicolle, que, além de embaixadora da campanha, também é capitã e jogadora da equipe Black Dragons. "Muitas das vezes, exigem atitudes nossas que nunca, jamais deveriam ser pedidas a mulheres. A comunidade pro player reflete diretamente o comportamento online de machismo", disse ao UOL Esporte.

  • montagem: reprodução e Trevor Jones/Getty Images

    Mary e Ecaterina: as "soldadas" da Guerra Fria

    Mary Lou Retton e Ecaterina Szabo não poderiam ter crescido em lugares mais diferentes. Mas, quando se encontraram como rivais nos Jogos Olímpicos de 1984, nos Estados Unidos, as garotas mostraram uma paixão em comum pelo esporte e ofuscaram uma crise política muito maior que elas.

    É importante destacar o contexto que o mundo vivia na época, ainda sob a polarização da Guerra Fria. Por isso, a disputa entre as ginastas dos EUA e da Romênia - único país soviético que não boicotou os Jogos daquele ano, em Los Angeles - teve contornos políticos.

    Mas ninguém esperava que as duas adolescentes fossem roubar a cena com puro talento, por motivos alheios à tensão internacional que dividia o planeta. Ecaterina, de 17 anos, conquistou quatro ouros e uma medalha de prata, enquanto Mary, 16, ficou com um ouro, duas pratas e dois bronzes.

  • reprodução

    Roberta Gibb: do esconderijo para a glória

    Antes da década de 70, as mulheres não tinham permissão para participar da tradicional Maratona de Boston, nos Estados Unidos. Mas isso não as impedia de correr mesmo assim. Por que haveria de impedir?

    Em 1966, a jovem Roberta "Bobbi" Gibb, de 23 anos, se disfarçou para esconder seu gênero feminino, vestiu tênis de corrida masculinos que faziam seus pés sangrarem (nota: ainda não existiam sapatos de corrida para as mulheres), esperou a prova ter início e saltou direto de seu esconderijo para a pista.

    Ela terminou o percurso em 3h21min40s, marca melhor que a de dois terços dos homens devidamente inscritos na maratona. Atualmente, Roberta tem mais de 70 anos, se firmou como escritora e ainda corre por pelo menos 1 hora por dia.

    Nos tempos mais modernos do século 21, a Maratona de Boston já prestou o devido reconhecimento a ela em múltiplas homenagens. Mas Gibb fez escola e não foi a única. Em 1967, um ano depois, Kathrine Switzer se registrou sob o codinome K. V. Switzer e participou da prova.

  • George Rose/Getty Images

    Georgia: a madame odiada

    A americana Georgia Frontiere foi dançarina em uma boate, a mulher mais poderosa da história da NFL (a maior liga de futebol americano) e uma das pessoas mais odiadas pelos fãs de um dos principais esportes do planeta.

    Dona do time Los Angeles Rams após o falecimento do marido, ela foi criticada logo de cara por assumir um posto de poder em uma liga amplamente dominada por homens. Como se não estivesse sofrendo o suficiente, ainda decidiu mudar a franquia de cidade em 1995: de Los Angeles para St. Louis.

    "Alguns aqui agem como se existissem dois tipos de pessoas: seres humanos e mulheres", desabafou Georgia, a "Madame Ram", em sua primeira coletiva de imprensa. Ficou conhecida pelo pulso firme nas decisões, mesmo diante das reclamações e ameaças dos fãs da equipe, e por sua personalidade muito particular e peculiar.

    Personalidade exemplificada pelos beijinhos no ar que jogava para seus atletas e para os adversários, que tentava provocar. Ao contrário da maioria dos homens da NFL, que nunca se aproximou de um título do Super Bowl, Georgia Frontiere faleceu em 2008 com a maior honra do futebol americano em seu currículo.